Povos que continuam invisíveis nas Agendas Globais

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: Ministério da Fazenda

 

Por mais que se repitam discursos grandiosos sobre preservação, sustentabilidade, compromisso planetário e metas ousadas de carbono, a Amazônia – aquela, concreta, habitada, viva, sofrida e desigual – permanece invisível. Fala-se da floresta como se ela fosse um monumento intocado, como se existisse à parte da vida humana que nela pulsa. No entanto, mais de 30 milhões de brasileiros vivem naquele território, enfrentando os piores indicadores sociais do país, como se estivessem condenados, há décadas, a figurar como estatística de abandono.

Esse apagamento deliberado não ocorre por acaso. Ele é fruto de um paradigma ambientalista que separa, artificial e ideologicamente, o homem da natureza um equívoco conceitual que compromete qualquer política séria de desenvolvimento sustentável. O resultado é que grandes conferências climáticas, como a COP30 e tantas outras que a antecederam, seguem tratando a Amazônia como se fosse um parque temático global, um ativo geopolítico sob tutela internacional, enquanto as populações amazônicas aparecem apenas como nota de rodapé, quando muito como figurantes do cenário que líderes mundiais querem exibir ao planeta.

Incômoda, a verdade é que tais encontros raramente admitem que a sustentabilidade sem desenvolvimento humano não passa de ornamento retórico. Nenhuma floresta será preservada por muito tempo se seus habitantes permanecerem aprisionados à pobreza extrema, ao desemprego crônico, à infraestrutura precária, à ausência de saneamento básico e à falta histórica de oportunidades econômicas. É ilusório imaginar que uma região inteira pode ser mantida sob uma espécie de “congelamento civilizatório”, como se humanos fossem intrusos num templo ecológico.

Ao longo dos discursos e painéis da COP30, é possível observar um fenômeno conhecido e recorrente: a tentativa de transformar a Amazônia em símbolo político de agendas globais que pouco dialogam com a realidade local. Nesse cenário, multiplicam-se expressões de efeito, propostas genéricas, promessas de financiamento que raramente se concretizam e uma constante disputa de narrativas entre governos, ONGs internacionais e organismos multilaterais. Raramente, contudo, aparece um plano concreto que coloque o amazônida no centro das discussões. Este, sim, o verdadeiro guardião da floresta.

É claro, sobretudo nas últimas décadas, um processo de espetacularização do debate climático, capturado por grupos políticos, em especial setores progressistas internacionais, que transformaram o tema em plataforma ideológica. O resultado é um discurso frequentemente marcado por moralismo, teatralidade e simplificações. A floresta vira símbolo, bandeira, slogan. Mas não vira projeto de país.

O problema se aprofunda quando percebemos que grande parte das discussões globais sobre aquecimento do planeta se apoia em diagnósticos que ignoram, minimizam ou mesmo distorcem os fatores reais que afetam o clima. As causas apresentadas em conferências multilaterais costumam priorizar narrativas já consolidadas e pouco abertas ao debate científico plural. Essa rigidez ideológica contribui para o crescente esvaziamento desses encontros: repetem-se os mesmos temas, as mesmas mesas-redondas, os mesmos alertas catastróficos, sem que se avance na compreensão das complexas interações entre atividade humana, ciclos naturais e transformações planetárias que não dependem da ação do homem.

Enquanto isso, regiões menos desenvolvidas do mundo, como a África e a própria Amazônia, seguem relegadas ao papel desconfortável de palco para discursos alheios. São territórios tratados como vitrines da crise climática, mas nunca como protagonistas de soluções reais. A ausência de integração entre homem e meio ambiente, tão proclamada pelos especialistas de gabinete  resulta, paradoxalmente, em políticas que afastam o homem da possibilidade de ser protagonista de sua própria terra.

A COP30 poderia ter sido a oportunidade de reverter essa lógica. De colocar no centro do debate o desafio que realmente importa: como garantir desenvolvimento, dignidade e prosperidade à população amazônica ao mesmo tempo em que se preserva a maior floresta tropical do mundo? Como construir políticas que respeitem tradições locais, promovam empregos sustentáveis, incentivem tecnologia, aprimorem a educação e fortaleçam a soberania nacional sobre o território?

Não há preservação possível se milhões de pessoas são mantidas à margem. Mas o que se viu foi uma conferência que preferiu o conforto de seus velhos discursos. Não houve disposição para questionar dogmas. Não houve vontade de repensar modelos fracassados. Houve, sim, muita autorreferência, muita celebração simbólica, muita “lacração” geopolítica termo que descreve bem a tendência de transformar a pauta ambiental em performance, em vez de estratégia concreta de desenvolvimento.

É preciso reconhecer que, sem participação efetiva das populações amazônicas, qualquer meta climática será mera peça de ficção. Da mesma forma, sem admitir que o desenvolvimento sustentável exige equilíbrio entre economia e proteção ambiental, continuará prevalecendo a visão de que o progresso humano é sempre inimigo da natureza, visão que ignora séculos de convivência harmoniosa entre povos amazônicos e a floresta.

A Amazônia não pode mais ser tratada como ornamento de decretos internacionais nem como moeda de troca em negociações entre potências globais. Tampouco pode ser sequestrada por agendas partidárias ou ideológicas descoladas da vida real. A preservação da maior floresta tropical do planeta só será possível quando a pauta ambiental enxergar, finalmente, aquilo que insiste em ignorar: sem o amazônida, não há Amazônia.

O que se espera, daqui para frente, é que debates climáticos globais abandonem o tom catequético e passem a ouvir as populações que vivem de fato nos territórios em disputa. Que deixem de lado a retórica inflamada e abracem soluções técnicas, científicas e economicamente viáveis. Que parem de apontar dedos e comecem a construir pontes. E, acima de tudo, que reconheçam que nenhum planeta será salvo enquanto milhões de seres humanos permanecerem abandonados à própria sorte no coração da floresta que o mundo diz querer proteger. Porque uma COP que não olha para as pessoas, deixa de ser conferência  torna-se vitrine. E vitrines, por mais reluzentes que sejam, nunca mudaram a realidade de ninguém.

A frase que foi pronunciada:

“A única maneira de monitorar o progresso é responsabilizarmo-nos mutuamente. Essa responsabilidade mútua [e] o acompanhamento do progresso é o que a COP está promovendo… O que as COPs também fazem [é] reunir um grande número de instituições, coalizões e partes interessadas que usam a COP como um momento e um local de encontro para ‘mostrar e contar’.”

Ex-chefe do clima da ONU, Christiana Figueres

Christiana Figueres. Foto: reprodução

 

História de Brasília

Excelente iniciativa, a da delegacia do IAPC em Brasília, determinando a dedetização de todos os apartamentos. Os inquilinos terão que comprar apenas uma lata de querosene, para se verem livres das baratas que estão invadindo todos os apartamentos. (Publicada em 12.05.1962)

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