Passado repaginado

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: Divulgação/Revista Oeste

 

         Seguindo o raciocínio sempre cristalino e objetivo da filósofa Hannah Arendt (1906-1975), a dignidade – palavra hoje em desuso – tanto da ação como do pensamento humano, não pode e não deve ser destruída, para o bem de toda a humanidade, pelos manipuladores da lógica e dos fatos.

         A própria história e sua compreensibilidade, não pode ter seus caminhos e fatos redesenhados por aqueles que almejam apenas provar essa ou aquela opinião. Com base nessas observações, transpondo e reduzindo esse tema para caber dentro de um indivíduo e suas singularidades, pode-se inferir que a história de um indivíduo ou seu currículo pretérito não pode ser adulterado pelo simples fato de que não se pode apagar o passado.

         A memória do tempo e dos fatos não se importam com seus sentimentos e crenças atuais. Desse modo, a história de um indivíduo é seu cartão de visita permanente. Por isso é que se diz: as pessoas podem mudar, mas os fatos históricos de seu passado jamais.

         Quem quer que venha a se apresentar para uma tarefa, tem que fazê-lo apoiado pelos fatos de seu passado. É a tal história: fiz e farei. De posse dessas ideias, qualquer um que venha a se incumbir da tarefa de levantar a história e o histórico de alguém, como, por exemplo, no caso dos biógrafos, não pode ter seus caminhos de pesquisas atalhados quer por lacunas ou reedições do passado.

         Não chega a ser surpresa que muitos de nós gostaríamos de ter parte de nosso passado apagado dos livros da vida. Mas esse é um sentimento próprio da experiência humana, na sua busca de sempre ir melhorando ao longo da vida. Ainda nesse ponto, é válido dizer que o indivíduo, como ser que está em perpétua construção ao longo do tempo, é, em síntese, constituído pelos fragmentos que incorporou a si, ao longo de sua existência.

         Para o homem comum e anônimo, é sempre mais fácil esse refazer-se e mesmo apagar, para outros, os seus rastros. Para os personagens públicos, essa é uma tarefa impossível. Para o mundo do Big Brother e do oceano da internet, essa tentativa de passar a borracha sobre a vida passada de homens públicos, sobretudo dos políticos, é como apagar incêndio num prédio de vinte andares usando conta gotas.

         Num trocadilho mais terreno, diz-se que, quem foi é o que é agora. Em nosso país, onde as tentativas de apagar o passado de muitos ocorre de modo contínuo, o trabalho de reeditar a vida pretérita de nossos homens públicos é vista como atitude normal e até aceita por aqueles que fingem não terem visto o que se passou. Aproveitando o fato de que, no Brasil, a memória é sempre um elemento a ser descartado, para não sobrecarregar os neurônios, os políticos precisam apenas trocar de roupa ou de gravata, ir à um bom alfaiate, aparar a barba e o bigode, e tudo se resolve. A repaginação no visual, com a ajuda dos recursos do photoshop, contribui para o renascimento de um novo ser, prontinho para entrar em cena.

         Mas, quer o destino indiferente a nossos desejos que esse novo ser, devidamente orientado pelos coroados expertises do marketing, irá, em algum momento, voltar a ser o que sempre foi, obrigando o passado a emergir do fundo do subconsciente. Por suas ações agora, semelhantes ao passado, já não adianta mais vir com rótulos do tipo “paz e amor”.

          Por baixo da nova máscara e da nova gravata, nova camisa, o antigo e conhecido ódio escorre como suor por todos os poros. Para alguns desses personagens da nossa cena política, a imagem do passado, tão profundamente maculada, permanece como um daqueles retratos antigos de família, pendurados na parede e coloridos a posteriori, mas que guardam a memória viva espelhada no fundo dos olhos de cada um dos retratados.

         É como dizem os antigos: a previsão do futuro é sempre feita com base no passado, pois esse acaba sempre reconhecendo e voltando ao seu lugar de origem.

 

A frase que foi pronunciada:

“O passado nunca está onde você pensa que o deixou.”

Katherine Anne Porter

Katherine Anne Porter, 1947. Foto: Hulton Archive/Getty Images

 

Erro

Com boa intenção, o deputado federal Gilson Marques protege os motoqueiros em um estatuto para a classe de entregadores. Mas dizer que eles são alvos de multas por simplesmente trabalhar é ingenuidade. A prova está no registro de atendimentos do Corpo de Bombeiros. A imprudência, negligência e imperícia são as razões das multas e de colocar a vida de terceiros em risco. Como o projeto de lei ainda tramita, deve ser revisado.

Deputado federal Gilson Marques. Foto: epbr.com.br

 

Ouvidoria

Assédio sexual em ambiente hospitalar, entre funcionário e paciente vulnerável é um assunto silencioso. Só vem à tona quando o mal já fez o serviço. O fato acontece também em clínicas de exames por imagem. Seria interessante a disponibilização de canais de atendimento e campanha estampada nas paredes das instituições, o que inibiria a prática por parte dos funcionários e deixaria os familiares em alerta. A governança corporativa é o principal fator de mudança com iniciativas proativas.

Foto: GETTY IMAGES

 

História de Brasília

É que o Presidente vira, do ar, uma patrulha de máquinas, e pensara que fosse do DNER. Mandou executar o serviço, que não foi iniciado. Mandou, então, demitir o engenheiro residente em Goiânia, constatando-se, depois, que as máquinas eram do DERGO. Tudo esclarecido, começarão, agora, as obras na Fazenda. (Publicada em 11.03.1962)

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