Oportunidade perdida

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: Douglas Pingituro/Reuters

 

Quando a lona do circo finalmente pegou fogo, não havia mais dúvida: a COP30 em Belém do Pará se confirmou como a tragédia anunciada que tantos já previam. Os problemas vinham desde cedo com improvisações, sinalizações precipitadas e um governo mais preocupado com a vitrine do que com a substância, e as várias críticas acumuladas ao longo da preparação agora explodem em cinzas. Em primeiro lugar, a crise de hospedagem que dominou os bastidores do evento foi um escândalo. A ONU, por meio do secretário-executivo da Convenção do Clima (UNFCCC), Simon Stiell, chegou a recomendar a redução das delegações devido à falta de acomodações e ao custo exorbitante em Belém. Hotéis cobraram tarifas com diárias muito acima do que a estrutura da ONU considera aceitável, com exigência de estadia mínima um modelo que fragiliza a participação de países mais pobres e compromete a credibilidade da conferência. Para diplomatas do Panamá, por exemplo, os valores eram “insanos e insultuosos”.

Essa situação gerou forte “caldo negativo de confiança” e alimentou a narrativa de que a COP30 foi pensada para impressionar, não para produzir. Além disso, as críticas levantadas por lideranças indígenas e do Ministério Público Federal foram contundentes. No estande do MPF, a promotora Eliane Moreira denunciou que menos de 1% dos recursos globais de financiamento climático chega verdadeiramente às comunidades de base enquanto os mecanismos de mercado, como o REDD+, funcionam como “licenças para corporações continuarem poluindo”, mercantilizando territórios e naturalizando violações de direitos. A Convenção 169 da OIT, segundo essas lideranças, tem sido ignorada: há relatos de ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada, além de contratos de longo prazo (30 a 50 anos) com cláusulas sigilosas, que colocam populações indígenas em situação de vulnerabilidade e cooptação. Na arena política, a COP30 também sofreu ataques internos: parlamentares de 47 países aprovaram 25 diretrizes durante a conferência, exigindo transição energética justa, adaptação climática e proteção dos povos indígenas, denunciaram que o modelo atual de financiamento climático é falho e exigiram mais participação democrática nos compromissos.

Por trás dos discursos de celebração, muitos viam uma conferência divorciada das bases, mais espetáculo do que ação concreta. E como se não bastasse, veio o incêndio: uma chama real tomou a chamada Zona Azul onde ocorrem as negociações, obrigando a evacuação de delegados num momento crucial de fechamento de acordos. Treze pessoas foram tratadas por inalação de fumaça. O fogo, segundo relatos, teria começado por falha elétrica (possivelmente um gerador ou até um micro-ondas) e se espalhou rapidamente por tendas fabricadas para o evento. Esse episódio simboliza, de maneira dramática, o colapso logístico e a fragilidade estrutural desta COP: uma conferência internacional que organizou tendas improvisadas para receber os grandes povos do mundo, mas não garantiu segurança mínima. O fato de a ONU ter já enviado alertas em carta ao governo brasileiro, mencionando portas defeituosas e infiltrações de água nas estruturas, apenas reforça que os riscos eram conhecidos. Há uma clara dissonância entre o discurso de “COP da Amazônia” e a realidade de uma infraestrutura montada às pressas, sem o devido controle.

Somemos a isso os protestos: indígenas e ativistas invadiram a conferência, denunciando que a Amazônia estava sendo usada como cenário de marketing, enquanto prioridades locais, como saúde, saneamento, educação e proteção territorial, eram negligenciadas. Para muitos desses grupos, a COP30 se tornou um palco vazio com simbolismo, mas sem justiça real. Esse cenário é ainda mais grave quando se considera a natureza política do encontro: a união entre o governo federal e lideranças locais do Pará tem sido vista como parte de uma engrenagem de poder que explora a Amazônia para ganhos simbólicos e eleitorais.

A escolha de Belém não seria apenas um gesto ambiental, mas uma manobra para mostrar força diplomática, mas o espetáculo se revelou cada vez mais frágil e disfuncional.

Quando a construção é superficial feita para a imagem, não para a ação, o risco é alto: a máscara cai, o palco pega fogo, e quem mais paga a conta são os mais vulneráveis. Belém, com todo o seu potencial simbólico, deveria ter sido palco de uma virada climática. Mas virou exemplo de desorganização, despreparo e desrespeito com desvios do foco. Que essa COP sirva de alerta: compromissos ambientais precisam de infraestrutura, competência, responsabilidade e participação, não apenas de discursos e posturas.

 

 

Frase que foi pronunciada:

“Deveria nos alarmar que veremos nossos primeiros trilionários em poucos anos, enquanto quase metade da humanidade ainda vive na pobreza. Ao mesmo tempo, está mais claro do que nunca que a emergência climática é uma crise de desigualdade”.

Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Cyril Ramaphosa e Pedro Sánchez no Financial Times

Lula, Ramaphosa e Sánchez. Foto: Ricardo Stuckert/Flickr/Divulgação

 

História de Brasília

Os outros Institutos bem que poderiam fazer a mesma coisa, para que a campanha se verificasse simultaneamente em todo o Plano Pilôto. (Publicada em 12.05.1962)

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