O mal silencioso da polarização

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Charge do Jean Galvão (Um Brasil)

 

Talvez não haja veneno mais eficaz para corroer os laços de uma sociedade do que o hábito insidioso de enxergar o outro não como interlocutor, mas como inimigo. A polarização, esse mal que se disfarça de convicção, vem se entranhando no tecido nacional com tal sutileza que já não se sabe onde termina a política e começa o ódio. No Brasil, a divisão em campos opostos, muitas vezes estimulada por discursos oficiais, por algoritmos ou pela própria fragilidade educacional, já se converteu em paisagem cotidiana. O fenômeno, embora costume ser atribuído a governos recentes, possui raízes mais antigas, plantadas na incapacidade coletiva de sustentar o diálogo e na persistente desigualdade estrutural que produz exclusões simbólicas e materiais.

Segundo o relatório “Democracia sob Tensão”, do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (UFMG, 2024), cerca de 72% dos brasileiros afirmam sentir que o país está “profundamente dividido”, um índice que cresceu 11 pontos percentuais desde 2018. Esse mesmo levantamento aponta que 64% das pessoas evitam discutir política com amigos ou familiares, tamanho o desgaste das conversas e a tensão instalada no cotidiano. Há quem diga que se trata de um fenômeno passageiro, mas os números e as redes digitais mostram o contrário: o Datafolha revelou, em maio de 2024, que 9 em cada 10 eleitores afirmam não se arrepender do voto de 2022, o que evidencia o endurecimento das identidades políticas e a cristalização da cisão social.

Os efeitos disso vão muito além da urna. A polarização se infiltrou no entretenimento, nas universidades, nas empresas, e até nas mesas de bar, corroendo o que o sociólogo Zygmunt Bauman chamaria de “zonas de convivência líquida”. A cada episódio, a desconfiança se renova: artistas são boicotados, intelectuais são cancelados, professores são vigiados e jornalistas são atacados sob qualquer pretexto. Relatório da UNESCO (2023) alerta que o Brasil figura entre os dez países com maior volume de ataques virtuais a comunicadores e artistas em razão de opiniões políticas, o que demonstra que a fratura cultural acompanha a fratura cívica.

Festivais, exposições e prêmios têm sido atravessados por disputas ideológicas que pouco ou nada têm a ver com estética ou mérito. O Observatório de Economia Criativa (UFBA, 2024) mostrou que 38% dos artistas brasileiros afirmam ter perdido contratos ou convites de trabalho por causa de sua posição política, enquanto 52% relatam autocensura em redes sociais e apresentações públicas para evitar retaliações. Trata-se de um dado alarmante, pois revela que a polarização não apenas divide: ela silencia.

No entanto, a origem do problema não pode ser reduzida a um espectro político específico. Pesquisas internacionais, como a do Pew Research Center (2024), indicam que o Brasil é um dos países com maior índice de polarização afetiva da América Latina, superado apenas por Estados Unidos e Argentina. Essa “polarização afetiva” é aquela em que a rejeição ao outro partido ou grupo social importa mais do que a adesão racional às ideias do próprio lado. Em outras palavras, não se trata apenas de divergência, mas de aversão moral. E essa aversão é alimentada, todos os dias, por um sistema comunicacional que recompensa a indignação.

As redes sociais têm papel central nessa engrenagem. O relatório “Digital 2025”, da consultoria We Are Social, mostra que o Brasil já tem mais de 150 milhões de usuários ativos nas redes, com tempo médio diário de 3 horas e 46 minutos em plataformas digitais, um dos maiores do mundo. O mesmo relatório aponta que conteúdos com teor emocional negativo (raiva, ironia, indignação) alcançam até 70% mais engajamento do que postagens neutras. O algoritmo, portanto, não apenas reflete a polarização, mas a multiplica, incentivando o confronto e desestimulando o diálogo.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) revelou, no Censo da Educação Básica 2024, que apenas 34% dos alunos do ensino médio compreendem plenamente textos argumentativos complexos, uma estatística que explica muito sobre nossa vulnerabilidade à manipulação simbólica. Um país que não lê, não interpreta e não debate tende a ser refém da simplificação e da mentira. E a mentira, quando vestida de verdade partidária, transforma-se em instrumento de poder.

Em 2023, segundo dados da Fundação Getulio Vargas (FGV Cultura), o setor cultural brasileiro perdeu 18% de seu público presencial em relação ao período pré-pandemia, fenômeno atribuído não apenas à crise econômica, mas também à crescente rejeição do público a manifestações percebidas como “partidárias”. A plateia, antes diversa, fragmentou-se em bolhas.

Sociólogos como Jessé Souza e Ladislau Dowbor vêm alertando que a polarização tem servido como cortina de fumaça para a ausência de políticas estruturais de longo prazo. Enquanto a sociedade se digladia por símbolos e narrativas, o país segue com 9,2 milhões de desempregados (IBGE, PNAD Contínua , 2025), 26 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave (FAO, 2024) e uma taxa de evasão escolar que volta a crescer, atingindo 18% entre jovens de 15 a 17 anos. São números que falam de desigualdade e descuido, mas que raramente mobilizam tanto quanto uma disputa ideológica no feed.

Por isso, o enfrentamento da polarização exige mais do que bons modos: exige reconstrução cultural e educacional. É preciso investir em programas de educação midiática, fomentar o pensamento crítico desde a infância, e estimular políticas culturais que valorizem o dissenso como aprendizado, e não como ameaça. A OCDE, em relatório publicado em 2024, indica que países que introduziram currículos de “educação para cidadania digital” reduziram em até 30% os índices de radicalização juvenil online em cinco anos. A lição é clara: o diálogo precisa ser ensinado.

Também é necessário repensar a relação entre Estado, cultura e financiamento. Quando o apoio público se converte em recompensa a fidelidades ideológicas, o espaço da arte se empobrece. E quando o artista teme a rejeição de parte do público por se expressar, o país perde um de seus mais antigos instrumentos de autocrítica. A pluralidade não deve ser privilégio de um grupo, mas fundamento da nação.

Ao fim, o mal da polarização talvez não esteja na divergência em si, pois o conflito de ideias é o motor da democracia, mas na transformação da diferença em fronteira. O Brasil, com sua vocação histórica para a mistura e o diálogo, parece agora se esquecer de que nenhuma sociedade resiste quando as palavras se tornam pedras. É preciso, portanto, reaprender o idioma da convivência, antes que a surdez coletiva se torne permanente.

Enquanto houver quem prefira gritar a ouvir, o país continuará dividido não em partidos, mas em pedaços. E cada pedaço, por menor que pareça, levará consigo um fragmento do que já fomos: um povo capaz de rir de si mesmo, de abraçar o outro e de reconhecer, no rosto diferente, a semelhança que nos fazia inteiros.

 

A frase que foi pronunciada:

“O destino conduz o que consente e arrasta o que resiste.”

Séneca

Imagem: reprodução da internet

 

HISTÓRIA DE BRASILIA

E por falar nisto, estão enganando o presidente da República. Houve uma decisão para reiniciar as obras em Brasília. O IAP-FESP e o IAPM lançaram-se numa euforia arquitetônica e pararam no meio do caminho.

The Economist, o recado está dado.

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Lula. Foto: Getty Images

Nessa semana, a revista The Economist mostrou reportagem em que faz severas críticas à pessoa e à atuação política do presidente brasileiro. Tanta repercussão causou nos bastidores que o próprio Itamaraty teve que entrar em cena para em carta defender nosso comandante. Por mais que se pretenda defender o mandatário, as críticas, na sua grande maioria, são procedentes e mostram que o líder nacional está perdido no espaço, talvez pelo pesar dos anos de uma vida regada a álcool e a excessos de todo o tipo. O importante aqui é saber até que ponto o atual governo tem sido de fato o responsável pelo aprofundamento da crise econômica e política que, mais uma vez, vai empurrando o país para a periferia do mundo civilizado, transformando o Brasil numa espécie de pária internacional, ligado aos piores e mais falidos regimes do planeta.

Neste momento, vivemos um grave risco estrutural: à medida que o mundo se realinha geopoliticamente e fortalece cadeias de valor modernas, a atuação do governo sinaliza um recuo em suas capacidades como ator internacional relevante e coloca em xeque o projeto de retomada econômica sustentada. A recente avaliação da The Economist de que Lula “perdeu influência no exterior e é impopular no Brasil” traz, em forma de alerta editorial, o que está em jogo para o país. O primeiro grande problema é a política externa. O Brasil tem dado preferência visível a países como China, Rússia e Irã, numa guinada que a revista qualifica como “cada vez mais hostil ao Ocidente”. O alinhamento ou a aparência de alinhamento com regimes autoritários ou contestados internacionalmente compromete a credibilidade do país junto a mercados, investidores e parceiros tradicionais.

Em um mundo onde confiança, previsibilidade e integração global geram crescimento, o Brasil corre o risco de se tornar peripheral – menos interlocutor, mais espectador. Em segundo lugar, um perfil interno de fraqueza institucional parece crescer. The Economist destaca que a desaprovação popular atingiu níveis críticos, e que o Legislativo derrubou um decreto presidencial, algo inédito em décadas, mostrando que o Executivo perdeu fôlego político.

Se a política econômica e institucional perde sustentação, a estabilidade requerida para investimentos, reformas e credibilidade se esvai rapidamente. A economia, claro, sofre o impacto. Apesar de alguns dados pontuais positivos, a tendência é de estagnação ou de crescimento fraco se nada for feito para modernizar a estrutura produtiva, logística, regulação e geração de valor agregado. Um presidente que se isola internacionalmente e que acumula desgaste interno dificilmente mobiliza energias para reformas profundas. Assim, o Brasil pode estar prestes a repetir ciclos de baixo crescimento, déficit estrutural e falta de dinamismo, exatamente o oposto da narrativa de “novo ciclo” que muitos pregam. Além disso, a identidade internacional do Brasil que, há poucos anos, era de “potência intermediária” em ascensão corre o risco de se converter em país alinhado majoritariamente a regimes falidos ou contestados. Isso não só fragiliza o soft-power brasileiro, mas cria vulnerabilidades: mercados multilateralizados podem preferir fornecedores, parceiros ou blocos que ofereçam menor risco reputacional ou político.

Se o Brasil se torna aliado de regimes vistos como instáveis ou autoritários, ele se expõe e pode pagar o preço em barreiras comerciais, financiamento internacional e até insegurança geopolítica. No âmbito interno, a imagem de um presidente “perdido no espaço” fruto, segundo alguns críticos, de anos de vida pública marcada por excessos embora mereça cautela, simboliza para muitos a sensação de que não há uma liderança clara, renovadora e propositiva. A combinação de desgaste, rumor de alianças de conveniência e ausência de projeto claro de futuro configura um terreno fértil para que o país fique refém de “gestão do dia a dia” em vez de “dobradinha de rumo e execução”.

Essa é a fórmula para que o país tenha muito a perder: a falta de influência externa, o declínio interno de legitimidade, a incapacidade de gerar crescimento robusto, o risco de isolamento diplomático e econômico, e a possível transformação de parceiro relevante em bem-menos-importante. A estagnação econômica pavimenta o caminho para o desemprego, a migração de cérebros, a fuga de capitais, e o retrocesso social. O prestígio perdido dificulta reformas estruturais porque reduz tanto o “capital político” quanto o “capital internacional”, que viabilizam grandes movimentos.

Para reverter esse quadro, o país precisa urgentemente que o presidente e a coalizão que o apoia retornem à lógica de construção de confiança: confiança internacional (parcerias sólidas, não conjunturais), confiança doméstica (instituições funcionando, execução crível) e confiança econômica (produto crescente, investimento privado, funcionamentos de mercado). Sem isso, o Brasil não apenas deixará de decolar, ele corre o risco de retroceder. O cenário ideal em vez de “país pária” não é inevitável, mas exige que se pare de repetir erros do passado e venha a assumir com humildade que, sob a liderança atual, há mais interrogações do que certezas.

A reportagem da The Economist não deve ser lida como simples provocação estrangeira, ela serve como espelho desconfortável de uma situação que parece melhor compreendida à distância, fora do alcance da censura e dos adesismos de ocasião.

 

A frase que foi pronunciada:

“O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro original que foi pago por todas as coisas. Não foi com ouro ou prata, mas com trabalho, que toda a riqueza do mundo foi originalmente comprada.”

Adam Smith

Adam Smith The Muir portrait. Imagem: wikipedia.org

História de Brasília

Na Quadra 7 do SCR as calçadas não estão completas. Onde há casa comercial, a calçada é feita. Onde há passagem para a W-2 é todo esburacado o piso. (Publicada em 10.05.1962)

Colapso à vista ou a prazo

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Charge do Duke

 

Para um mundo tão conectado como o nosso, surpreende que as pessoas se sintam e reclamem que nunca se sentiram tão sozinhas. Há um hiato imenso a separar o mundo virtual da realidade. Mas poucos percebem ou entendem esse fato simples. São em brechas assim, criadas pelo avanço das tecnologias e por onde medra a solidão humana, que surgem novos conceitos tentando explicar a coexistência entre esses dois mundos tão diversos e distantes. Um desses conceitos é o da “pós-verdade”. O termo, que parece sofisticado, é, na verdade, o sintoma de um colapso mais profundo: o da razão.

Vivemos um tempo paradoxal. Nunca o mundo esteve tão conectado, tão próximo em aparência e tão distante em essência. À cada toque, um universo de informações se abre diante de nós; à cada clique, a ilusão de pertencimento se renova. E, no entanto, jamais estivemos tão sós. É a solidão das telas, o eco do vazio nas redes, a angústia de uma convivência mediada por algoritmos. Entre o mundo virtual e a realidade concreta, ergue-se um abismo que poucos percebem, e menos ainda compreendem.

Nesse ponto, o mundo virtual se aproxima da realidade que está aí. Moldar a opinião pública e os mecanismos mentais das massas, levando-as a crer que os fatos objetivos já não importam para entender o mundo em volta. As emoções e as crenças passam a ocupar ou usurpar o lugar da racionalidade e mesmo do bom senso. A esse novo conceito, liga-se a política pós-factual, no qual os debates perdem lugar para apelos emocionais e crenças. O fato em si não interessa. Importa o sentimento que ele provocou no seio da sociedade. É o caso aqui de citar como exemplo, a tese, levantada de que a Operação Lava Jato causou um sério prejuízo econômico para o país, gerando milhares de desempregados, além de comprometer boa parte do desempenho da indústria nacional.

O Brasil experimenta, assim como parte de alguns países da Europa, os efeitos de um autêntico processo de pós-verdade. Para mantê-las distante, é preciso açular as polarizações ao extremo. A começar a chamar de extremista quem quer que discorde do discurso dominante. No futuro, os historiadores terão que consultar, antes de qualquer pesquisa acadêmica séria, o verbete “pós-verdade”, para depois entender o contexto geral dos acontecimentos, naqueles tempos confusos em que até a linguagem foi alterada em suas bases.

A pós-verdade não nega a existência dos fatos; ela simplesmente os torna irrelevantes. O que passa a importar não é o que é, mas o que se sente. Em seu império, a emoção subjuga o raciocínio, a crença substitui a prova, e o discurso domina a realidade. É o triunfo do parecer sobre o ser, da impressão sobre o conhecimento.

Nas democracias ocidentais, e o Brasil não é exceção, o fenômeno se manifesta com uma nitidez assustadora. A política, transformada em espetáculo, trocou o debate de ideias pela dramaturgia das redes sociais. A lógica cedeu espaço à histeria, e os argumentos, às narrativas. A opinião pública deixou de ser fruto da reflexão coletiva para tornar-se um produto moldado por máquinas de convencimento emocional. A política pós-factual é o rosto institucional dessa nova era. Quando os fatos deixam de ter peso, qualquer tese pode florescer, desde que embalada por apelos sentimentais e compartilhada milhões de vezes. Basta um fragmento de verdade, distorcido e repetido, para se tornar dogma. Assim, quando um político experiente afirma que a Operação Lava Jato foi a responsável pela crise econômica, não está preocupado em confrontar dados ou medir consequências objetivas; interessa-lhe apenas o efeito emocional da frase, a reação que ela provoca, o ressentimento que alimenta.

Vivemos um tempo em que o contraditório é tratado como ameaça, e o pensamento independente, como extremismo. A crítica virou heresia; o diálogo, confronto. Para que a pós-verdade se sustente, é necessário que a sociedade se polarize até o limite. Quanto mais divididos estivermos, mais frágeis seremos diante das narrativas que nos prometem sentido. Mas esse processo não é apenas político. É civilizacional. A linguagem, que sempre foi o espelho do pensamento, começa a se deformar. Palavras antigas perdem significado; outras, recém-inventadas, passam a dominar o vocabulário coletivo. É uma Babel digital em que todos falam, mas poucos se entendem. A velocidade da informação destrói o tempo da reflexão. A superficialidade virou método; a dúvida, crime.

Nesse contexto surreal, em que a mentira adquire status de opinião e a verdade é vista como arrogância, o papel da imprensa torna-se ainda mais essencial e cada vez mais difícil. O jornalismo, que nasceu para separar o fato da ficção, precisa agora resistir à tentação de se tornar ele próprio uma narrativa. Em tempos de pós-verdade, reportar é um ato de coragem; investigar um gesto de resistência. E o que virá depois? Se já habitamos o território da pós-verdade, talvez estejamos a um passo daquilo que poderíamos chamar de pós-verdade-pós. Uma era em que até o simulacro se desfaça e o real deixa de ser relevante. Um tempo em que o virtual não mais imite o mundo, mas o substitua. Nessa fase, não haverá sequer a pretensão de convencer, bastará emocionar. Não se disputará mais o sentido dos fatos, mas o direito de senti-los. O perigo é que, nesse horizonte, a própria ideia de verdade, essa noção que estruturou milênios de cultura e filosofia, torne-se uma relíquia. Um conceito antigo, talvez romântico, de um tempo em que ainda acreditávamos que a razão pudesse iluminar as sombras.

Contudo, ainda há uma saída. Ela começa na consciência individual de que pensar é um ato de liberdade. Que duvidar é uma virtude, não um defeito. Que a verdade, por mais incômoda que seja, é o único solo firme sobre o qual uma sociedade pode erguer-se. Se a verdade for mesmo abolida, se nos rendermos à sedução das emoções e ao conforto das crenças, então o que virá depois da pós-verdade não será uma nova era, mas a repetição de caminhos longes da verdade nua e crua.

 

A frase que foi pronunciada:

“Então aqui cabem as seguintes perguntas: Isso a que se hoje se nomeia “pós-verdade”, não seria apenas uma nova fachada para um fenômeno bem antigo, a saber, a mentira na política?”

Charles Feitosa

Charles Feitosa. Foto: sescsp.org

 

História de Brasília

A Asa Norte do Plano Piloto continua com os mesmos problemas de há seis meses. No lado comercial, não há compradores, e no lado residencial, não há comerciantes. (Publicada em 10.05.1962)

Soberania e o poder que escapa das mãos do povo

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Foto: Ministério da Defesa_149º aniversário da Batalha do Riachuelo/CC by 2.0 (Wikicommons)

 

Do ponto de vista político e filosófico, o conceito de soberania é um dos mais complexos e centrais da teoria do Estado — e também um dos mais debatidos entre cientistas políticos, juristas e filósofos ao longo da história. Em essência, soberania designa o poder supremo e independente de um Estado de decidir sobre si mesmo e sobre os que vivem sob sua autoridade, sem estar sujeito a nenhuma instância superior. Mas esse conceito, que parece simples, ganhou contornos muito distintos conforme o tempo e o contexto histórico. A noção moderna de soberania surgiu no século XVI, com Jean Bodin, considerado o primeiro teórico a definí-la de forma sistemática. Para Bodin, soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma república — isto é, um poder que não reconhece superior na ordem temporal. Esse pensamento nasce em meio à crise do feudalismo e ao fortalecimento dos Estados Nacionais, que buscavam centralizar o poder nas mãos de reis e príncipes.

Durante séculos, a palavra soberania simbolizou, ao seu território e seu povo, um ideal nascido no berço do mercantilismo e consolidado com a formação dos Estados Nacionais no século XV. Do ponto de vista da ciência política, a soberania passou por uma profunda transformação com a globalização, o avanço das organizações internacionais e a interdependência econômica. Hoje, muitos cientistas — como Jürgen Habermas, Hannah Arendt e David Held — sustentam que a soberania já não pode ser vista como absoluta. Habermas, por exemplo, propõe o conceito de soberania comunicativa, segundo o qual o poder político deve emergir do diálogo racional entre cidadãos livres e iguais — um poder legitimado pelo consenso, e não pela força. Arendt, por sua vez, desconfiava da própria ideia de soberania como domínio, pois acreditava que a política verdadeira nasce da ação coletiva e da liberdade, não da imposição de autoridade. Para Held e outros teóricos do cosmopolitismo, a soberania hoje é compartilhada entre Estados, organismos internacionais, corporações e até movimentos sociais transnacionais.

O poder deixou de ser puramente territorial e passou a circular em redes de influência globais. Naquela época, soberania significava independência, autoridade e capacidade de decidir o próprio destino sem interferências externas. Era o alicerce da autodeterminação dos povos. Mas, passados mais de quinhentos anos, o conceito parece ter se esvaziado, especialmente quando observamos a realidade brasileira, onde o poder soberano do povo, em tese consagrado pela Constituição, parece diluído entre interesses políticos, econômicos e ideológicos. Hoje, no Brasil, a soberania tornou-se um discurso conveniente, manipulado conforme o interesse de quem ocupa o poder. Políticos, juízes e militares a evocam quando lhes convém, mas raramente em defesa autêntica da vontade popular. O cidadão comum, que deveria ser o verdadeiro soberano numa democracia, vê-se cada vez mais afastado das decisões fundamentais do país. As instituições, enfraquecidas pela polarização e pela perda de confiança, parecem servir mais a projetos de poder do que ao bem público.

A tensão é evidente. Washington observa com inquietação certos sinais vindos de Brasília: o avanço de políticas que flertam com o controle da informação, o cerceamento da imprensa, a criminalização de opiniões divergentes e a tentativa de domesticar o pensamento livre. A retórica da “defesa da democracia” vem sendo usada, ironicamente, para sufocar o próprio exercício democrático. A submissão travestida de pragmatismo revela uma contradição profunda: queremos ser soberanos, mas não temos coragem de sustentar o preço da soberania. É preciso resgatar o sentido original do termo. Soberania não é apenas o direito de um Estado sobre suas fronteiras, mas o dever de garantir que o povo, e não os interesses de elites ou potências estrangeiras, seja o verdadeiro condutor do destino nacional. Quando a liberdade de expressão é ameaçada, quando o debate público é censurado e quando a oposição é tratada como inimiga, a soberania deixa de ser um princípio para tornar-se uma farsa.

O Brasil precisa decidir de que lado está — não entre direita e esquerda, nem entre Norte e Sul —, mas entre ser um país verdadeiramente livre ou um território tutelado por ideologias e poderes que não nascem da vontade popular. Enquanto o cidadão for o último a ser ouvido, a soberania será apenas uma palavra bonita nas constituições e nos discursos oficiais, mas sem vida nas ruas, nas urnas e nas consciências. Em tempos em que a voz do povo é silenciada em nome da “ordem”, e a independência nacional é negociada nos bastidores, resta-nos recordar: um país sem soberania é apenas um cenário de conveniências; e um povo sem voz, por mais que vote, já não é dono do próprio destino.

A frase que foi pronunciada:

“O que, autocracia ou democracia, é realmente mais adequado à China moderna? Se basearmos nosso julgamento na inteligência e na capacidade do povo chinês, chegaremos à conclusão de que a soberania do povo seria muito mais adequada para nós.”

Sun Yat-sen

Sun Yat-sen, c. 1911–12. Enciclopédia Britânica, Inc.

 

História de Brasília

Em vários eixos de acesso da W-3, os bueiros do DAE atingem, às vêzes, a mais de 30 centímetros de altura, no meio da pista, constituindo um sério perigo para o tráfego. (Publicada em 10.05.1962)

Polarização faz mal para a saúde

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Foto: Reuters / S. Moraes

 

Não é de agora que a esquerda no Brasil tem recorrido, costumeiramente, à retórica da luta de classes, colocando pobres contra ricos e efetivando, na prática, o “nós contra eles”. Essa estratégia, vista historicamente, é uma forma de desunião da população, favorecendo quem detém o poder para manter o controle, mas, atualmente, também tem sido usada para denunciar desigualdades econômicas e sociais profundas, ainda que gere polarização.

Notícias indicam que essa incitação pode levar o país a um caminho difícil, como o da Venezuela, marcada pela crise econômica e social severa. A retórica da luta de classes e a polarização no Brasil pode ser também um mito providencial. A imprensa mostra que a polarização política atual é uma expressão direta da luta de classes, onde existe um antagonismo explícito entre interesses das classes trabalhadoras e das elites econômicas.

Ocorre que, nos discursos das autoridades, as palavras parecem ser levadas pelo vento, desprovidas de compromisso com a realidade que pretendem transformar. O que se observa, de fato, é que, embora cultivem o discurso da luta entre ricos e pobres, tais autoridades acabam por estimular a população a voltar-se contra elas próprias, pois são justamente essas figuras públicas que se apresentam como símbolo maior da desigualdade que dizem combater.

Desfilam em trajes de alto custo, exibem relógios inacessíveis à imensa maioria dos cidadãos, hospedam-se em hotéis de luxo e promovem viagens dispendiosas, muitas vezes destinadas a companheiros de conveniência, e não a técnicos ou especialistas. Essa ostentação reiterada consolida, no imaginário coletivo, a percepção de que os verdadeiros detentores da riqueza no país são os próprios políticos — indivíduos que, em sua maioria, atuam movidos por interesses particulares ou partidários, relegando, aos contribuintes, o papel de sustentar, com seus impostos, o peso de uma máquina pública inchada e entregue aos excessos da própria gastança.

Obviamente, existe consequência dessa retórica para a paz social. Conflitos entre grupos com diferentes interesses econômicos costumam ser manipulados politicamente, causando rupturas sociais e dificuldades para a convivência pacífica. Isso torna o país vulnerável a crises políticas e econômicas mais profundas, afetando a qualidade de vida da população, especialmente dos mais vulneráveis. Fatos como estes levam, necessariamente, a comparações com a vizinha Venezuela. O caso da Venezuela serve como laboratório para este tipo de experimentação, trazendo também um sério alerta para nosso futuro. Lá, a luta extremada entre classes e o enfrentamento ideológico resultaram em uma crise econômica e social gravíssima, com hiperinflação, escassez de alimentos, desemprego e um estado de colapso social.

O divisionismo faz mal para ao nosso país. Ao seguir a mesma lógica de polarização acirrada, baseada em discursos que insuflam o antagonismo de classes, o Brasil corre o risco de acentuar crises sociais e econômicas, dificultando a construção de soluções conjuntas para problemas estruturais. O estratagema de dividir para governar, embora utilizado para controle político, pode minar a coesão social e empurrar o país para um beco sem saída semelhante ao vivido pela Venezuela, com instabilidade e piora das condições de vida.

Há dados concretos que mostram o impacto da polarização política na violência e conflitos sociais no Brasil. Segundo estudo do Observatório da Violência Política e Eleitoral (OVPE) da Unirio, entre janeiro de 2019 e maio de 2024, ocorreram 133 casos de violência política envolvendo parlamentares federais, incluindo agressões físicas e ameaças, revelando o aumento da disputa política acirrada em contexto de polarização. A pesquisa da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), realizada em 2022, mostrou que 3,2% dos entrevistados, cerca de 5,3 milhões de brasileiros, relataram ter sofrido ameaças por suas posições políticas. Além disso, 67,5% disseram ter medo de agressões físicas por conta de suas escolhas políticas, o que reflete o clima de intolerância e medo gerado pela polarização. Uma reportagem do Terra destaca que, só em 2024, foram registrados mais de 450 casos de violência política, incuindo 94 casos de violência física e 15 mortes relacionadas a conflitos políticos.

Maria De’Carli, especialista, destaca que a radicalização e a polarização aumentam a intolerância e a agressividade entre eleitores, especialmente com o fortalecimento do chamado “eleitor digital”, nas redes sociais. Dados da Edelman Trust Barometer apontam que 78% dos brasileiros percebem um aumento da divisão ideológica, e 80% notam um crescimento da falta de respeito mútuo. O mesmo levantamento revela que apenas 29% estariam dispostos a ajudar alguém com opiniões políticas diferentes, indicando um tecido social fragilizado pelo clima de polarização. Esses dados indicam que a polarização política no Brasil tem um impacto direto no aumento da violência política, ameaças, agressões físicas, clima de medo e intolerância social, refletindo uma sociedade cada vez mais dividida e conflituosa.

A frase que foi pronunciada:

“Em política, meu caro, sabe tão bem quanto eu, não existem homens, mas ideias; não existem sentimentos, mas interesses; em política, ninguém mata um homem: suprime-se um obstáculo. Ponto final.”

O Conde de Monte Cristo

Cena do filme OConde de Monte Cristo

 

Merecem reconhecimento

Não são poucas as instituições educacionais ligadas ao governo que deixam de receber as verbas a que têm direito. A Casa do Pequeno Polegar, que cresceu com Brasília, está em obras aos trancos e barrancos, já que não há verbas. Banheiros para funcionários e visitantes na área externa são prioridade.

Foto publicada no perfil oficial da instituição no Instagram

 

Diário

Só os antigos sabem dessa história. Apesar dos maus olhados para o reitor Azevedo da UnB, ele era um homem simples, sem arrogância. Grande amigo do sapateiro Abdias, o convidava sempre para almoçarem juntos.

José Carlos de Almeida Azevedo (25mai76 – 16mar80) (16mar80 – 12mar85). Foto: Arquivo Central (ACE)

Agenda

Maria Izabel de Aviz convida para o lançamento do livro Psicoterapia Fenomenológica II (O método fenomenológico). O evento será no dia 17, às 19h, no Salão Paroquial Santo Cura D’Ars, na 914 da Asa Sul. Dom Aviz, irmão da escritora, que estava em Roma, estará presente na solenidade.

 

História de Brasília

Na Quadra 7 do SCR as calçadas não estão completas. Onde há casa comercial, a calçada é feita. Onde há passagem para a W-2 é todo esburacado o piso. (Publicada em 10.051962)

Com sangue nos olhos

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Benjamin Netanyahu. Foto: cnnbrasil.com

 

Para todos aqueles que acompanham o noticiário internacional não restam dúvidas de que o mundo assiste a um aumento sem precedentes do antissemitismo, colocando, mais uma vez, o povo judeu no centro da história, além de remeter grupos, governos e pessoas de volta aos vexaminosos bancos dos réus, numa espécie de reedição do Tribunal de Nuremberg. O futuro mostrará quem são os novos algozes de Israel e porque agem de forma tão desumana.

Mesmo depois do Holocausto, ainda é possível observar que o antissemitismo e o fanatismo persistem num mundo que se acreditava moderno e que teria, em tese, aprendido com as experiências macabras dos nazistas. O 7 de outubro de 2023, ocasião em que o Hamas perpetrou o maior assassinato de judeus desde o Holocausto, parece não ter servido de lição à uma parte do mundo, principalmente aquela formada por globalistas da esquerda, que nutrem, pelos judeus, um ódio do tipo patológico semelhante àquele exalado pelos adeptos das teorias eugenistas do século passado. Os mesmos atos vergonhosos se repetem até por quem deveria, por função de ofício, manter a postura da diplomacia. É o caso aqui do comportamento dos representantes do Brasil com assento na Organização das Nações Unidas (ONU).

Tão logo o primeiro-ministro de Israel assumiu a tribuna, a delegação brasileira saiu do plenário em fila indiana, numa clara manifestação que revela a pequenez dos nossos representantes. Com essa atitude, ficou claro que as autoridades brasileiras seguem os mesmos passos dos anões diplomáticos.

Embora a própria ONU tenha perdido, por completo, a capacidade de regular as relações entre as nações, o fato é que o antissemitismo não se avexa em se apresentar publicamente, envergonhando a todos quanto ainda acreditam na superioridade sem par do humanismo. Israel, ao contrário do que prega nosso governo e outros pelo mundo, não foi criada como uma espécie de demonstração ou de compensação pelos horrores do Holocausto e não terá seu fim decretado por terroristas ou governos equivocados como é no nosso caso. A consolidação do povo judeu em Israel é fruto de tratados honestos, feitos à luz do dia e com base na compra legal de terras, no que era antes um deserto árido e infértil. A ida das populações de judeus para Israel deu vida e alma a uma região que antes ninguém reivindicava para si, porque era um imenso vazio povoado apenas por pedras e areia. A ONU sim, foi criada após o Holocausto e mesmo assim parece ter perdido a memória ou o juízo.

Hoje, não passa um dia sequer sem que tenhamos que testemunhar, pela imprensa que ainda pensa e escreve, atentados contra judeus e sinagogas. Vergonha das vergonhas, temos hoje um governo considerado persona non grata em Israel, por suas declarações e posições claramente antissemitas e favoráveis a grupos terroristas. Não é exagero afirmar que o mundo vai repetindo conscientemente o roteiro de um antissemitismo doentio e amoral. Episódios recentes de nada serviram, não há justificativa possível para a violência dirigida contra o povo judeu.

O Brasil, que já teve tradição de equilíbrio e protagonismo na diplomacia internacional, expõe-se agora ao vexame de não ser considerado, por Israel, um país cuja legitimidade deveria ser defendida como conquista civilizatória e não relativizada em função de alianças circunstanciais. O que dizer às centenas de milhares de judeus que hoje vivem em nosso país?

Israel converteu uma região inóspita em campos férteis, cidades modernas e polos de inovação, que hoje exportam ciência, tecnologia e cultura ao mundo. A consolidação do Estado judeu é um feito histórico que representa não apenas a vitória da resiliência de um povo perseguido, mas também a contribuição concreta para o progresso global da humanidade.

Do outro lado da fronteira, o que se tem são inimigos que agem como marionetes, guiados pelas mãos sangrentas de um Alá político e de um Islã que odeia tudo o que é Ocidente. Basta olhar os números: Israel investe mais de 5% do seu PIB em pesquisa e desenvolvimento, liderando o ranking mundial em inovação tecnológica. O “Vale do Silício do Oriente Médio” produziu inovações que vão do microchip ao aplicativo de navegação usado em carros no mundo inteiro. Avanços médicos desenvolvidos por cientistas israelenses salvaram milhões de vidas: da descoberta de tratamentos contra o câncer à criação do primeiro marcapasso eletrônico.

A agricultura de irrigação por gotejamento, desenvolvida em kibutzim israelenses, revolucionou a produção de alimentos em regiões áridas do planeta. A cibersegurança, que protege governos e empresas em escala global, também tem raízes no know-how israelense. A contribuição judaica para a humanidade, no entanto, não se restringe a Israel.

Ao longo dos séculos, personalidades de origem judaica mudaram a história do pensamento, da ciência e da cultura. Albert Einstein redefiniu a física moderna. Sigmund Freud abriu novos horizontes para a compreensão da mente humana. Jonas Salk erradicou a pólio. Franz Kafka, Leonard Cohen, Steven Spielberg, a lista é infindável e atravessa áreas que vão da literatura às artes, da música à filosofia.

O que seria da civilização contemporânea sem essas contribuições? Ignorar esse legado é mais do que injustiça histórica. É ceder ao obscurantismo. O antissemitismo, seja travestido de política diplomática ou de pseudo-progressismo, não é apenas uma afronta ao povo judeu. É um ataque frontal ao próprio humanismo.

Quando governos, como o do Brasil atual, se permitem acenos complacentes a grupos terroristas e fecham os olhos à violência que atinge sinagogas, escolas judaicas e cidadãos comuns, eles não apenas se colocam contra Israel, mas contra a própria memória civilizatória. Estamos diante de um dilema ético. Permanecer em silêncio diante do ressurgimento do ódio contra os judeus é permitir que as trevas do século XX se repitam. O mundo já viu até onde isso pode chegar. A questão é se teremos coragem de impedir a repetição da história. Governos que hoje preferem posar de “equilibrados” em fóruns internacionais serão lembrados amanhã não pela prudência, mas pela covardia e por se postarem ao lado de delinquentes que agem com sangue nos olhos.

 

A frase que foi pronunciada:

“O antissemitismo sofre mutações e, com isso, derrota o sistema imunológico criado pelas culturas para se protegerem do ódio. Houve três dessas mutações nos últimos dois mil anos (nas quais os judeus foram odiados por serem uma nação, odiados pelos cristãos como parte da doutrina da Igreja e odiados por serem supostamente racialmente inferiores), e estamos vivendo a quarta (o antissionismo).”

Rabino Lord Jonathan Sacks, 2009.

Rabino Lord Jonathan Sacks (Foto cedida)

 

História de Brasília

Rebatemos as insinuações, porque custa-nos crer que homens de gabarito como o cel. Barlem e o dr. Valdir Santos participem de uma Comissão para não apurar a verdade. (Publicada em 10.05.1962)

Mercado de ilusões

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Foto: Ricardo Stuckert – 02 de julho de 2025

 

Discussões sobre taxar grandes fortunas e investimentos dos chamados super-ricos, por mais antiga que seja, insiste em ressurgir nos corredores do poder como se fosse a mais brilhante das inovações econômicas. Não é. A história política e econômica mundial já forneceu inúmeros exemplos, em distintas épocas e contextos, demonstrando que tais medidas, quando gestadas às pressas, apenas para cobrir déficits ou aplacar pressões sociais, pouco ou nada alteram a realidade estrutural de um país. A insistência nessa tecla, travestida de justiça social, não se sustenta diante da experiência acumulada. É como um disco arranhado que volta sempre ao mesmo refrão, mas sem convencer a plateia que já percebeu a falsidade da melodia.

Curioso, ou talvez  trágico, é que mesmo após sucessivos fracassos, governos continuam a apostar nesse expediente. Apresenta-se ao povo a imagem de que se trata de uma correção moral, de uma reparação simbólica contra desigualdades que seriam responsabilidade exclusiva dos detentores de grandes patrimônios. Nada mais ilusório. Essa retórica, ao mesmo tempo sedutora e maniqueísta, transfere, para uma classe social determinada, a culpa pelos males que têm raízes bem mais profundas: a ineficiência administrativa, o gasto público descontrolado, a corrupção endêmica e, sobretudo, a incapacidade do Estado de reformar a si mesmo. É mais fácil apontar o dedo para os ricos do que olhar para dentro dos palácios governamentais, onde se tomam as decisões que repercutem, quase sempre negativamente, na vida de todos.

Diferentemente das pessoas, o capital não tem nacionalidade nem apego emocional à terra em que repousa. Move-se silenciosamente, atraído pela previsibilidade, pela estabilidade e pela segurança. Se um país ameaça, pela via tributária, confiscar parte relevante, não hesitará em buscar outros destinos. Há, no mundo, um mercado ávido por acolher investimentos, e dele participam países que competem, justamente, oferecendo menos risco e mais confiança. Por isso, quando o governo anuncia que arrecadará dezenas de bilhões com uma nova taxação, como se fosse um maná caído do céu, omite o detalhe de que essa previsão já nasce falha. O que se projeta como R$ 54 bilhões, em cálculos otimistas, dificilmente se confirmará diante das múltiplas rotas de fuga que o capital encontrará.

Enquanto isso, permanece inalterada a essência da economia real: são os empresários, os investidores e os empreendedores que, por meio de suas iniciativas, criam empregos e dinamizam cadeias produtivas. A demonização dessa parcela da sociedade, embora útil como discurso político, ignora que é dela que depende, em boa parte, a geração de riqueza do país. Nas economias centralizadas, onde o Estado se impõe como único motor, a história já mostrou os resultados: escassez, burocracia sufocante, desestímulo à inovação e, por consequência, pobreza generalizada. No entanto, governos efetivamente democráticos, que deveriam aprender com tais exemplos, preferem repetir o erro, com roupagens modernas, mas com igual essência.

Tão proclamada e tão raramente praticada, a verdadeira justiça tributária exigiria uma postura diversa. Antes de qualquer nova cobrança, seria necessário reconhecer os próprios erros, admitir a irresponsabilidade nos gastos, a falta de planejamento, a persistência de desvios e privilégios. Esse gesto de humildade, embora raro, seria o primeiro passo para uma correção de rumos. Mas a política, com frequência, prefere a conveniência à sinceridade.

Não se pode ignorar ainda que os grandes grupos econômicos, dada a influência que possuem nos diversos setores da vida nacional, inclusive na máquina pública, dificilmente são pegos de surpresa. Possuem canais de informação privilegiados, relações estratégicas e mecanismos jurídicos que lhes permitem antecipar-se a qualquer investida arrecadatória. Quando a lei entra em vigor, já trataram de blindar seus ativos, transformando-os em fundos de previdência, transferindo-os ao exterior ou utilizando instrumentos financeiros que os protejam. O Estado, que se julga esperto, invariavelmente, chega atrasado à corrida.

Quem fica preso à armadilha é o cidadão comum. Para ele, não há paraísos fiscais, nem fundos blindados, nem assessorias jurídicas sofisticadas. Paga-se o preço da arrecadação mal conduzida e da ineficiência pública com impostos cada vez mais pesados sobre consumo, sobre trabalho, sobre serviços básicos. A farsa da taxação dos super-ricos não se reverte em alívio para os mais pobres, não reduz tributos indiretos, não amplia a justiça social. É apenas um jogo de cena, no qual se anuncia um castigo para poucos e se impõe, em silêncio, uma carga ainda maior para muitos.

Se o governo, de fato, desejasse aumentar sua arrecadação sem ferir a confiança dos investidores e sem promover a evasão de capitais, poderia voltar-se para si mesmo. O combate sistemático à corrupção, que corrói recursos bilionários todos os anos, teria efeito muito mais robusto e imediato. A revisão de privilégios de altos cargos, frequentemente sustentados por salários e benefícios muito acima da média, traria credibilidade às medidas de ajuste. Mas essa agenda, todos sabemos, é incômoda.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Nós temos um problema que é uma deficiência cultural no Brasil. Todo benefício que você dá para o setor produtivo, para os empresários, para que uma empresa possa se instalar num estado, para que a gente possa evitar crise econômica – e eu já fiz muito –, você dá por um ano, por dois anos… Quando você quer tirar, é muito difícil, as pessoas querem que seja permanente”.

Presidente Lula

Presidente Lula. Foto: Ricardo Stuckert/PR

 

História de Brasília

Uma nota para os que falam no retorno da Capital; há vagas em todas as escolas do Plano Piloto para qualquer ano do curso primário. (Publicada em 09.05.1962)

A fuga

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Ilustração: revistaexilio.substack

 

Na equação matemática que analisa a variação nos números da riqueza de um indivíduo ou empresa, não há lugar para variantes que representem perdas ou diminuição de patrimônio. Ao primeiro sinal de que essa variação na riqueza tende a decrescer, soa o alarme e as luzes vermelhas, indicando que é hora de proteger o capital. Em toda a parte e em todo o tempo da história humana, o senso de proteção dos bens é uma atitude natural. A questão é simples: se você não cuida de proteger o que é seu por direito, não espere que outros venham a fazê-lo em seu lugar.

Na atual situação de penúria econômica em que vive o Brasil, resultado, como sabemos, da ação perdulária da atual gestão do país, não chega a ser estranho que parte da população mais rica tenha escolhido o caminho do aeroporto para salvaguardar a si e a seus bens. Não tendo a quem mais culpar pelos descaminhos das finanças, o governo, movido por ideais de matizes socialistas, passou a mirar nos mais ricos, acusando-os primeiro de serem insensíveis à evidente bancarrota nacional, para depois justificar um conjunto de medidas draconianas, visando dilapidar também todo e qualquer patrimônio privado, na forma de novos e escorchantes impostos.

Pelo o que foi divulgado, a intenção é impor uma tributação progressiva para aqueles que o governo chama de super-ricos. Ora, ora, ora, se fosse para tributar, com essa sede, os muitos super-ricos que compõem o atual governo, a medida ficaria de bom tamanho. Mas nesse lado do muro não se mexe em nada. A questão está do outro lado e recai, principalmente, sobre os empresários que nada devem ao governo e estão fora do clube dos campeões eleitos. Como aqueles que geram riquezas não padecem do mal da burrice, a solução é colocar o dinheiro nas malas e sair o mais rapidamente do país. Quem entende minimamente da aritmética das finanças, e percebe a ladeira abaixo em que vai rolando o país, sabe que nem com todo o dinheiro arrancado dos super-ricos seria possível salvar o Brasil. Também nesse ponto, a questão é simples: não é o dinheiro que falta ao país, e sim a boa gestão dos recursos que já possui e que nos tornaram o país com a maior carga tributária do planeta. É como repetia o filósofo de Mondubim: quem não respeita os centavos, não respeita os milhões, pois dinheiro não aceita desaforo e por ele não se deve nem brigar, nem brincar.

No Febeapá que assola o Ministério da Economia, ninguém está livre de ser tungado, até que mostre os bolsos vazios virados ao avesso. É claro que a culpa pela falência anunciada não é dos super-ricos, mas tão só e exclusivamente da atual desastrosa gestão do país. Mas isso não se diz. Êxodo de milionários: Para se ter uma ideia do desastre que é mirar nos super-ricos, acusando-os de serem os responsáveis por mais essa crise, temos que em 2025, o Brasil deve registrar a saída líquida de cerca de 1.200 milionários (pessoas com patrimônio superior a US$ 1 milhão), um recorde para a América Latina, o que representa uma perda estimada de US$ 8,4 bilhões em riqueza transferida para o exterior. Isso também marca um aumento expressivo de 50% em relação a 2024, quando apenas cerca de 800 milionários deixaram o país.

Esse  movimento para fora, coloca o Brasil como o 6º maior país no êxodo global de milionários em 2025, atrás apenas do Reino Unido, China, Índia, Coreia do Sul e Rússia. Entre os principais destinos desse pessoal incluem EUA (notadamente a Flórida), Portugal, Ilhas Cayman, Costa Rica e Panamá, ou seja. onde seu dinheiro é respeitado. Essa migração certamente valida a impressão de que os mais ricos, alertados por instabilidade política, carga tributária elevada, insegurança e gestão econômica problemática, estão realmente buscando proteção para seus bens (e suas famílias) em outros lugares bem longe do Brasil e do seu governo. Outros dados também influenciam nesse êxodo como a percepção de que a corrupção continua altíssima: 59,1% dos brasileiros relatam ter “pouca ou nenhuma” confiança na imparcialidade do sistema judiciário.

Além disso, 90,1% acham que políticos são raramente ou nunca punidos, número que sinaliza descrédito institucional profundo. Talvez, não seja surpresa nesse momento que a apropriação de gestão econômica também está sob fogo: pesquisas entre janeiro e fevereiro de 2025 mostram desaprovação da gestão presidencial muito superior à aprovação, chegando a 51% de reprovação e apenas 24% de aprovação. Por outro lado, as preocupações com inflação, carga tributária, economia e reforma tributária são predominantes entre os brasileiros, sobretudo, a inflação foi apontada por 75% como o maior problema econômico do nosso país hoje.

O sistema tributário brasileiro e a burocracia são reconhecidos como um dos principais entraves às empresas: o chamado “Custo Brasil” inclui infraestrutura deficiente, carga tributária alta e complexa, o que torna a indústria menos competitiva, segundo levantamento recente. A política de taxação agressiva contra os mais ricos, em especial propostas como maior tributação sobre patrimônio, herança e dividendos, parece uma contradição flagrante: em vez de aumentar a arrecadação, pode acelerar a fuga de pessoas e recursos, diminuindo a base tributável efetiva e fragilizando ainda mais o país. É o tiro no pé que faltava. Além disso, a saída anual de 1.200 milionários representa não só uma perda imediata de capital, mas também de poder influente, investimentos, empregos e inovação, fatores críticos para recuperação econômica. Ignorar falhas de gestão, corrupção e baixa confiança pública, ao atribuir a “falta de respeito por centavos” apenas a um grupo econômico, desvia o foco do núcleo do problema: a derrocada estrutural vem da má administração, e não da concentração de riqueza per si.

 

A frase que foi pronunciada:
 “Sell in may and ago away”. (Venda em maio e vá embora)
Provérbio do Mercado Financeiro

Charge do Cazo

 

História de Brasília
O senhor Martins Rodrigues, que reside em Brasília, e que daqui a pouco arrasta o pé , bem poderia patrocinar essa causa em benefício do Distrito Federal, com a autoridade de líder da maioria. (Publicado em 08.05.1962)

Brasil perdeu o bonde da economia

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Presidente Lula. Foto: Ricardo Stuckert/PR

 

Com a ascensão de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, um rompimento explícito com a ordem econômica global estabelecida a partir da década de 1990 foi deflagrado, contra a então predominância do globalismo. Com isso, houve um rompimento nos mercados abertos, nas cadeias produtivas transnacionais, na livre circulação de capitais e a busca de organismos multilaterais como a OMC, o FMI e o Banco Mundial como instâncias reguladoras. O que estamos assistindo é uma revolução não só nos Estados Unidos, como no restante do mundo. Trump, desde a campanha de 2016, apostou em uma visão de geoeconomia soberanista, baseada na lógica do “America First”. Essa linha, como não podia deixar de acontecer, rompeu com a ortodoxia liberal internacionalista dos próprios republicanos e democratas tradicionais, produzindo impactos profundos em todo o sistema então vigente.

A começar pela guerra comercial com a China, com as tarifas impostas por Trump em 2018, abrindo uma nova fase de rivalidade econômica, onde a interdependência passou a ser vista não como segurança, mas como vulnerabilidade estratégica. Esse movimento levou a uma fragmentação nas cadeias globais de suprimentos, acelerando a busca pelos chamados reshoring (trazer indústrias de volta ao território nacional) e nearshoring (aproximação da produção em países vizinhos, como o México).

A administração Trump provocou também uma erosão do multilateralismo, enfraquecendo, por tabela, o papel da OMC, ao bloquear indicações para seu órgão de apelação, pressionando, ainda, aliados europeus a aumentarem gastos militares sob ameaça de sanções comerciais, além de questionar abertamente as alianças como a Otan sob a ótica custo-benefício. Com essas medidas, a economia mundial deixou de ter os EUA como líder previsível do “consenso globalista” e passou a lidar com uma potência mais transacional e pragmática. Afinal, já era tempo.

O resultado foi a elaboração de uma nova lógica de alianças. Em vez de defender a universalidade do livre comércio, os EUA passaram a firmar acordos bilaterais vantajosos, como renegociações com o México e o Canadá (USMCA, substituto do Nafta), em que garantiram melhores condições para a indústria americana. Isso, obviamente, mudou a lógica do comércio internacional, estimulando outros países a pensarem em termos de blocos fechados ou pactos estratégicos seletivos.

É o mundo se reciclando. O impacto sobre a antiga ordem globalista foi e está sendo fatal. O globalismo, baseado na ideia de um mercado único e interdependente, perdeu vigor. A pandemia de covid-19 e, depois, a guerra na Ucrânia apenas reforçaram essa tendência de desconfiar das cadeias longas de suprimento e buscar autonomia estratégica. Hoje, governos em várias partes do mundo começam a aplicar as políticas protecionistas propostas por Trump, sobretudo no setor tecnológico e energético. A rearrumação da economia em escala global, segue a todo o vapor dentro agora dos princípios da geoeconomia — ou seja, abarcando não só os aspectos espaciais da economia, mas também os aspectos temporais e políticos, sempre de olho nos recursos.

O que estamos assistindo é a uma inter-relação entre economia, geografia e política. Fosse lida nas entrelinhas, a carta endereçada por Trump ao governo brasileiro já seria necessária para uma mudança de rumos no cenário nacional, evitando, ao máximo, a geração de conflitos de ordem ideológica com o governo americano. O Brasil, ao longo das últimas décadas, oscilou entre o entusiasmo globalista e a retórica ideológica. O problema é que, ao permanecer preso a narrativas antiquadas de um comunismo ultrapassado e a disputas políticas internas, perdeu capacidade de reposicionamento no cenário internacional. Com isso, as consequências não poderiam ser outras daquelas que agora vemos. A começar pela perda de protagonismo comercial: enquanto México e países do Sudeste Asiático se beneficiam do “desvio de comércio” provocado pela guerra EUA-China, o Brasil segue grudado em debates ideológicos e a uma excessiva dependência da exportação de commodities.

O próprio Brics se constitui neste momento como uma espécie de amarras para nosso país. O que se vê, logo de saída, é a dificuldade de integração a novas cadeias produtivas: a indústria brasileira não conseguiu atrair investimentos estratégicos em semicondutores, baterias, inteligência artificial e biotecnologia, setores centrais da nova geoeconomia. Também se vê apego a modelos ultrapassados: parte da elite política e intelectual insiste em discursos de luta de classes e narrativas anti-imperialistas do século 20, enquanto o mundo caminha para um realismo geoeconômico pragmático, em que países buscam soberania produtiva e alianças flexíveis.

Dessa forma, o risco de irrelevância estratégica desponta no horizonte. Sem uma política externa clara que saiba negociar com EUA, China e Europa ao mesmo tempo, o Brasil corre o risco de permanecer apenas como fornecedor de produtos primários, sem influência real nos novos arranjos globais. É o prolongamento de um subdesenvolvimento crônico, atado a políticas anacrônicas. Em vez de se adaptar a essa nova lógica de pragmatismo econômico, o Brasil ignora a oportunidade de sua inserção soberana e competitiva nessa nova ordem que parece ter vindo para ficar. É uma pena.

 

 

A frase que foi pronunciada:
“A América não tem amigos permanentes ou inimigos, apenas interesses.”
Henry Kissinger

Henry Kissinger. Foto: O secretário de Estado Henry Kissinger em 12 de outubro de 1973 — Foto: AP Photo, File

 

História de Brasília
A Universidade de Brasília solicitou ao Iapi e êste à Novacap para que sejam abertas fossas “provisórias” para os blocos 4 e 7 da superquadra 305. Nada mais absurdo. Ou muda tudo ou não deve haver privilégio em detrimento de outros.
(Publicada em 5/5/1962)

O novelo

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Charge do Zé Dassilva: Ninguém precisa saber

            Justiça das justiças seria, em tempos menos enevoados, acabar para sempre com a confusão feita hoje entre o papel específico da Justiça Eleitoral, com seu ordenamento próprio, muitos deles aplicáveis especificamente apenas em período eleitoral de campanhas, e o que entende o Supremo, em nome daquilo que acredita como defesa da democracia. Eis aqui o que resume o texto do advogado Nicolau da Rocha Cavalcanti, publica no Estadão (27 de agosto) sob o título “A confusão feita pelo STF”. Talvez, esse seja o grande tema a ser levado em consideração nesses dias de judicialização geral do país e num momento em que o atual governo lança e anuncia, publicamente, a abertura da temporada de campanha política rumo a 2026 com o lema: “O Brasil é dos brasileiros”.

          A confusão entre a jurisdição eleitoral e a jurisdição constitucional não é apenas técnica; é sintoma de um país vivendo uma “campanha permanente”, onde tudo vira disputa, inclusive, o sentido da lei. A Justiça Eleitoral nasceu para garantir igualdade de condições no jogo, não para arbitrar o jogo inteiro.

          O Supremo foi concebido para a guarda da Constituição, e sua intervenção é excepcional, quando há questão constitucional relevante. Entre ambas, a Constituição esculpiu um encaixe delicado: o TSE decide, em última instância, salvo matéria constitucional, quando então cabe extraordinário ao STF.  Quando esse encaixe se rompe, a política escorre para os tribunais e os tribunais reagem politizando-se, mesmo sem querer. O resultado é uma dupla erosão: a confiança pública e a previsibilidade das regras.

          No ambiente de 2026 à vista, cada ato de governo ou oposição é lido à luz do pleito, e o contencioso vira arma retórica. A Justiça Eleitoral possui poder regulamentar para dar execução fiel às leis, por resoluções, desde que não inove o ordenamento. Isso é crucial: “regulamentar” não é “legislar”.

          Quando resoluções parecem criar obrigações novas, o sistema range e o debate migra ao STF. É nesse vaivém que nascem acusações de “ativismo” de parte a parte. Mas ativismo e judicialização não são sinônimos: judicialização decorre da Constituição generosa em direitos e do déficit de resposta política; ativismo é escolha interpretativa de maior intensidade.

          No Brasil, a judicialização aumentou porque a política terceirizou decisões impopulares e porque a sociedade recorreu aos tribunais para concretizar direitos. O problema é quando a exceção vira regra e o rito eleitoral se confunde com a tutela da democracia como um todo. A tutela da democracia não é um cheque em branco; ela precisa de base normativa clara, motivação estrita e proporcionalidade.

           O TSE guarda o processo eleitoral; o STF guarda as cláusulas constitucionais que lhe dão sentido. Quando o debate é sobre “como fazer campanha”, estamos no campo do TSE; quando é sobre “quais liberdades limitam o como”, toca-se o STF. No regime brasileiro, propaganda eleitoral tem janela legal definida e limites materiais.

           A pré-campanha admite manifestações sem pedido explícito de voto, mas não autoriza abuso de meios ou confusão entre Estado e candidatura. Nessa fronteira, o “poder de polícia” eleitoral precisa ser acertivo, e não difuso. A anualidade eleitoral exige que mudanças de regras não valham às vésperas, protegendo segurança jurídica. Quando a política opera como se a campanha já estivesse em curso, cresce o incentivo a “resolver no tribunal” o que deveria ser resolvido no debate público. E os tribunais, pressionados por desinformação e hostilidade, tendem a ampliar autodefesas institucionais.

           Exemplo eloquente foi a validação do inquérito sobre ataques ao STF, em meio a agressões coordenadas: um remédio duro, que seguiu vivo por emergência institucional. Na esfera eleitoral, decisões de alta repercussão como a inelegibilidade do ex-presidente por abuso de poder e uso indevido de meios de comunicação demonstram a potência e o custo dessas respostas. O custo é político: cada sanção vira narrativa de perseguição para uns, de higiene democrática para outros. O ganho é normativo: o sistema reafirma que há linha divisória entre Estado e projeto eleitoral.

           O desafio é calibrar.Calibrar é aplicar regra com proporcionalidade, transparência e deferência democrática. Deferência democrática significa respeitar escolhas políticas legítimas, sem abdicar do controle de constitucionalidade. Proporcionalidade ao escolher a medida menos intrusiva para proteger a igualdade do pleito. Transparência para fundamentar decisões com critérios replicáveis, acessíveis e previamente conhecidos. A confusão atual nasce também da arquitetura da comunicação em redes, que tensiona o tempo do Judiciário. A Justiça decide em meses; a opinião pública move-se em horas.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos.”

Salvador Allende

Salvador Allende. Foto: Agência Senado

 

História de Brasília

Atitude de lucidez e honorabilidade, a das professôras primárias. Suspenderam a greve, porque entenderam que o professor não é profissional para regime de fôrça ou de imposição. Resolveram aguardar as providencias do govêrno com a construção de novas residências. (Publicada em 09.05.1962)