VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

Com a aprovação pelo Congresso do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, a delicada questão do meio ambiente no Brasil ganha novos e perigosos elementos, podendo colocar o Brasil, mais uma vez, sob os olhares do mundo civilizado e, com isso, gerar mais empecilhos à aceitação dos produtos nacionais nos mercados externos, sobretudo, naqueles países da Europa que exigem certificado de que esses alimentos são produzidos sem ameaças ao ecossistema.
Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a aprovação dessa flexibilização “decepou a legislação sobre o assunto no Brasil”. Para ela, essas novas permissões não vieram para aperfeiçoar as leis que levem a ganhos ambientais. Os deputados simplesmente ignoraram as propostas de alterações feitas pela ministra, preferindo atender a bancadas dos ruralistas e a interesses do próprio governo, como são os casos dos ministros da Agricultura, Portos e Aeroportos e o ministro dos Transportes. O próprio governo preferiu não apresentar defesa dos pontos de vista da sua ministra, esquivando-se de uma posição em favor da defesa do meio ambiente.
Marina, como em outras oportunidades, ficou sem apoio do próprio governo que faz parte. A ministra é hoje, literalmente, uma voz solitária a clamar no deserto contra o avanço de um progresso que não olha ao redor, passando por cima de florestas e animais. Mas, devido à grande celeuma causada, é possível que essa aprovação vá também ser encaminhada à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Há pouco menos de quatro meses para a realização da COP30, conferência de clima da ONU em Belém, essa flexibilização ou liberação geral surge quase como um deboche. Meses atrás, a ministra já se viu abandonada na questão da exploração de petróleo na Margem Equatorial, onde os riscos ambientais são imensos. A liberação de projetos estratégicos, como define o governo, parece ser o caminho escolhido pelos políticos em detrimento da defesa do nosso bioma.
Os sinais de desprestígio de Marina Silva não são novos, mas se tornaram mais evidentes nas últimas semanas. No episódio da flexibilização do licenciamento, ela foi completamente ignorada pelo Congresso e deixada de lado pelo próprio Palácio do Planalto. Nenhum ministro relevante, tampouco o presidente, saiu em sua defesa. Pelo contrário, setores do governo, como os ministérios da Agricultura (Carlos Fávaro), Transportes (Renan Filho) e Portos e Aeroportos (Silvio Costa Filho), atuaram ativamente em prol da aprovação do projeto, revelando uma escolha clara: entre desenvolvimento imediato e sustentabilidade, optou-se pelo primeiro. Esse desprezo já havia se mostrado antes, como no caso da tentativa de exploração de petróleo na Margem Equatorial. Mesmo diante de pareceres técnicos e científicos apontando os enormes riscos ecológicos de perfuração naquela área sensível, a pressão política e econômica falou mais alto. Marina, mais uma vez, ficou sozinha, como se sua presença no governo servisse mais a fins simbólicos do que operacionais. É o que se poderia chamar de “ambientalismo decorativo”.
O paradoxo é evidente: faltando menos de quatro meses para a realização da COP30, em Belém do Pará, o governo brasileiro se vê promovendo medidas que esvaziam completamente seu discurso ambiental no plano internacional. A conferência é uma das maiores vitrines diplomáticas do país, uma chance de mostrar liderança e comprometimento com as metas de descarbonização, conservação de biomas e justiça climática. No entanto, a liberação desmedida de obras classificadas como “estratégicas”, sem o devido rigor ambiental, enfraquece qualquer tentativa de credibilidade externa. Para países europeus que exigem rastreabilidade e responsabilidade ecológica na cadeia produtiva de alimentos como Alemanha, França e Holanda, a nova legislação brasileira é um sinal vermelho. Já há movimentos no Parlamento Europeu que discutem barreiras técnicas para produtos oriundos de países que desrespeitam princípios básicos de sustentabilidade. O Brasil, que já teve sua carne e soja embargadas por questões ambientais, pode voltar à lista de vilões do clima se continuar nessa direção.
A entrada da China como ator dominante na exploração mineral brasileira é outro ponto que expõe a fraqueza do Estado na defesa do meio ambiente. Diversas empresas chinesas, principalmente ligadas ao setor de mineração, têm intensificado sua atuação na Amazônia e no Cerrado, abrindo crateras e deixando rastros de destruição. Em estados como Pará, Maranhão e Mato Grosso, comunidades indígenas e quilombolas denunciam a atuação predatória de mineradoras que, com aval ou omissão do Estado brasileiro, atuam sem qualquer compromisso com a regeneração ambiental ou o bem-estar social. A busca por lítio, nióbio, ouro e terras raras, transforma o subsolo brasileiro em um novo “eldorado” para interesses estrangeiros, reproduzindo uma lógica colonial: extrai-se tudo, o lucro vai embora, e o que resta é a contaminação de rios, aumento de conflitos sociais e destruição irreversível da biodiversidade. Em nome do crescimento e da “soberania energética”, entrega-se o território ao saque legalizado.
O caso Marina Silva simboliza a crise da razão ambiental no Brasil. Enquanto os olhos internacionais voltam-se para nós com desconfiança, o governo se mostra incapaz de articular uma política ambiental coesa. Preferiu calar sua ministra em vez de ouvir a voz da prudência. Preferiu agradar aliados do agronegócio, do petróleo e da mineração a buscar equilíbrio entre progresso e preservação. Se o Brasil seguir nesse caminho, corre o risco de chegar à COP30 não como anfitrião de uma agenda verde, mas como réu no tribunal da história ambiental mundial. E Marina, por mais combativa que seja, não poderá evitar isso sozinha.
A frase que foi pronunciada:
“O patrimônio natural é a base da nossa economia.”
Marina Silva

História de Brasília
A indústria nacional deve ter mais zelo na apresentação de suas publicações. No catálogo da Volkwagen brasileira há um clichê de cabeça para baixo. (Publicada em 06.05.1962)





