Frutos econômicos

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto de Pool / Getty Images AsiaPac

 

Somente os sábios, por natureza, são capazes de enxergar o óbvio. Não se sabe a razão. Talvez, pelo fato de o óbvio se situar demasiadamente próximo ao nariz, o que faz com que o indivíduo perca a visão do todo e passe a não enxergar o que está à sua frente. Ademais, é preciso entender preliminarmente um conceito muito banal e nem por muito importante. A coisa toda se resume em saber distinguir as noções entre enxergar e ver.

Você pode residir por décadas na mesma rua, vendo o que se passa nesse local, dia após dia e, simplesmente, não conhecer essa rua. Basta uma mudança no ângulo da visão, e tudo muda de figura. Um dia, sem querer, você descobre novos detalhes que nunca tinha reparado. Por isso, ver a rua não significa conhecer a rua.

Por outro lado, aqueles que têm a capacidade de enxergar a rua no seu todo são capazes de conhecê-la com mais exatidão. Não por outra razão, o verbo enxergar traduz o sentido de, pelo uso da visão, prestar atenção e pressentir o que está ali disposto.

Essa capacidade, oferecida pelo cérebro humano, de identificar o que se enxerga deveria ser a mais importante ferramenta utilizada por aqueles que têm a responsabilidade de governar. Infelizmente, é o que tem faltado aos nossos governos. O que se nota é que os governos veem muito, mas enxergam pouco.

Sobre esse ponto, poderíamos preencher uma biblioteca com exemplos. Mas, ficando apenas no que se refere às relações entre o Brasil e China, uma coisa é certa: é preciso aperfeiçoar muito ainda a capacidade de o governo brasileiro enxergar a China para dar prosseguimento mais adequado e prudente a essa relação.

Oficialmente, as relações entre os dois países começaram em 1974, ainda durante a ditadura militar no Brasil, quando o país reconheceu a República Popular da China (RPC) em vez de Taiwan. O governo brasileiro adotou, naquela época, uma política externa baseada no que era chamado de “pragmatismo responsável”, buscando autonomia econômica externa por meio da diversificação de relações internacionais.

Em 2004, o Brasil, então governado pelo atual presidente, reconheceu a China como uma economia de mercado, o que, naquela ocasião, como agora, não corresponde à realidade, dado que aquele país ainda estimula sua economia interna com base em interesses estritamente estratégicos e políticos, com vistas a se tornar não um parceiro econômico fiel, mas um forte controlador dos mercados internacionais.

Todo aquele reconhecimento com base no que não era a realidade visível foi feito sem enxergar devidamente o parceiro extra continental. Pior, essa aproximação também se dava, do lado de cá, apenas por motivos políticos e ideológicos. A diferença a partir do ponto de vista desses dois países é que, enquanto o Brasil via na China uma alternativa ao Irmão do Norte (Estados Unidos), a China enxergava o Brasil não como um parceiro, mas como um trampolim para dominar economicamente também o país.

Falar, como naquela ocasião, em relação estratégica, referindo-se a um país que está do outro lado do mundo, não passou de delírio. Por sua vez, ainda na solenidade que selava a aliança, o então presidente Hu Jintao deixava solto no ar as pretensões quanto à união, ao afirmar que aquela relação estratégica era para valer, sendo o Brasil uma prioridade dentro dos planos chineses de entrar definitivamente no continente americano pelo sul. “Essa postura do Brasil vai, certamente, criar condições para uma relação estratégica muito mais rica”, discursou. Esse “muito mais rico” queria também dizer “muito além do Brasil”.

O Brasil precisa adquirir um papel como parceiro da China mais importante do que o atual, baseado em segurança alimentar e energética para os chineses, se transformando não em uma ponte para que a China atinja os Estados Unidos. É preciso sofisticar essas relações, indo além do comércio de produtos in natura. Mas isso só será possível quando o Brasil enxergar o tipo de parceiro que atraiu para si e quais consequências dessa parceria a longo prazo.

É preciso saber ainda o trivial — ou seja, quais consequências virão. Infelizmente, o pragmatismo utilizado na primeira aproximação com aquele país do Oriente perdeu-se com o tempo, sendo substituído por um voluntarismo político que, como todos sabem, não rende frutos econômicos.

 

A frase que foi pronunciada:
“Como outros países no mundo, a China deve defender a própria soberania, integridade territorial e interesses de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, estamos dispostos a lidar adequadamente com diferenças e desacordos nas relações de Estado para Estado.”
Hu Jintao

Hu Jintao. Foto: Kevin Frayer/Getty Images

 

História de Brasília
A Rádio Educadora de Brasília bem que podia dar a hora certa. Seria uma ajuda aos ouvintes, que não são poucos. (Publicada em 10/04/1962)

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