Tensão no Oriente Médio reduz chances de novo corte na Selic

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

 

O ataque dos Estados Unidos em Bagdá que matou o general iraniano Qassem Soleimani, na noite de ontem, pode ter enterrado de vez as chances de corte na taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central neste ano. O aumento da tensão no Oriente Médio mexeu com os mercados nesta sexta-feira (03/01). As bolsas desabaram no mundo e no Brasil, o dólar subiu e o preço do barril do petróleo está em alta, sinalizando novas pressões inflacionárias no mercado doméstico.

 

“Ao que tudo indica o governo Donald Trump fez uma ação contundente ao assassinar o principal nome do exército iraniano na tentativa de abafar de vez a aproximação de Bagdá com Teerã. Não há como classificar o ato de Trump sem ser como uma declaração de guerra ao Irã e sendo assim deveremos ver retaliações em breve”, avaliou o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito.

 

O economista considera que uma das implicações de médio e curto prazos dessa nova turbulência internacional, além do aumento do preço do barril de petróleo, é uma fuga do capital estrangeiro para mercados com liquidez, ou seja, uma debandada dos países emergentes, como o Brasil. Isso, como consequência, implica em dólar mais alto. “Isso implica em pressões inflacionárias difusas que enterram de vez a possibilidade do Copom (Comitê de Política Monetária) cortar mais uma vez a Selic. Para além disso, há certa preocupação em como o governo brasileiro irá reagir”, alertou Perfeito.

 

O ex-diretor do BC e chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, demonstrou a mesma preocupação que Perfeito. “Acredito que há espaço para a Selic cair, mas parece que agora está limitado”, afirmou,

 

Algumas projeções do mercado apostavam em pelo menos um corte na Selic neste ano e, os mais otimistas, ainda achavam que os juros básicos poderiam chegar a 4% neste ano. Atualmente, a taxa básica de juros está em 4,5% ao ano, o menor patamar da história.

 

O barril do petróleo, em função do grande volume de produção global e de uma desaceleração na economia mundial estava abaixo de US$ 70. Somente hoje, o barril do petróleo tipo Brent, negociado na Bolsa de Londres, subiu 4%, para US$ 69, por volta das 12h. O dólar estava com alta de 0,5% e o Índice Bovespa operava em queda de 0,56%, a 117,8 mi pontos.

 

Para a economista-chefe da Rosenberg Associados Thais Zara, ainda é cedo para apostar em uma paralisação do corte na Selic neste ano. “Vamos esperar o desenrolar nos próximos dias. E ver o que vai acontecer. Ao cambio está em um patamar em pouco elevado, mas no ano passado, os ataques de drones na maior refinaria de petróleo na Arábia Saudita (em setembro), teve um impacto momentâneo nos preços e depois arrefeceu”, destacou. Pelas estimativas da analista, o Copom ainda deve reduzir a Selic em 0,25 ponto percentual na primeira reunião do ano, para 4,25%.

 

 

Preocupação

 

De acordo com Perfeito, a reação do Palácio do Planalto em relação ao aumento da tensão no Oriente Médio preocupa. Em primeiro lugar, se o Planalto irá querer interferir numa eventual alta da gasolina, algo criticado pelos economistas liberais durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, pode afetar ainda mais o mercado interno. Em segundo, se Brasília vai se alinhar automaticamente à Washington, algo que não faz parte das tradições diplomáticas do país, também será arriscado. “O Brasil sempre tomou posições neutras e ambíguas quando se trata de assuntos dessa natureza. Se houver alinhamento, isso pode atrapalhar mais ainda nossa balança comercial”, ressaltou.

 

Ontem, o Ministério da Economia divulgou os dados da balança comercial em 2019 com queda de 20,5% no superavit em relação a 2018, para US$ 46,7 bilhões. Essa piora no desemprenho foi puxado pela queda nas exportações, principalmente, para a Argentina. Já o fluxo cambial do Banco Central apontou uma saída líquida de US$ 43,2 bilhões no acumulado do ano passado, novo recorde, embalado pela queda nos juros que implicou em retornos menores para o capital estrangeiro no país. O último pico havia sido em 1999, quando o deficit acumulado ficou em US$ 16,2 bilhões, de acordo com dados da autoridade monetária.