26/11/2019 Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Debate. Desafios para 2020 O Brasil que nos aguarda. Na Foto Felipe Salto, diretor - executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado.

Felipe Salto diz a senadores que PEC dos Precatórios é “intempestiva e inoportuna”

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

A PEC dos Precatórios vai ampliar a despesa com a dívida pública de maneira absurda nos próximos anos, de acordo com o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). Segundo ele, o Orçamento de 2022 tem espaço para ampliar o Bolsa Família sem a PEC que prevê calote em dívidas judiciais e ainda altera a regra de indexação do limite do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

 

“A regra de recálculo do teto é intempestiva e inoportuna”, afirmou Salto, nesta segunda-feira (22/11), durante audiência do Senado Federal para discutir a PEC 23/2021, aprovada pela Câmara dos Deputados e que começa a ser debatida entre os senadores. Ele não poupou críticas à mudança no indexador do limite do teto, trocando o IPCA acumulado em 12 meses até junho, para o IPCA acumulado no ano fechado, para abrir espaço para despesas eleitoreiras e que são superiores à previsão para a ampliação do novo Bolsa Família.

 

Pelos cálculos de Salto, é possível dobrar os recursos do Bolsa Família sem estourar o teto de gastos, mas reduzindo despesas e emendas parlamentares. Ele prevê R$ 36 bilhões em poucas medidas que não precisam da PEC dos Precatórios. A previsão do governo para o Bolsa Família, que consta na proposta orçamentária de 2022, é de R$ 34,7 bilhões.  Uma medida coerente, na avaliação do economista, seria a retirada dos R$ 15 bilhões em precatórios do Fundef previstos para o ano que vem do teto de gastos, já que o Fundeb — que sucedeu o Fundef — já está fora desse limite. Um corte de R$ 11 bilhões nas despesas discricionárias previstas em 2022, de R$ 114,8 bilhões, também seria razoável e não comprometeria o funcionamento da máquina pública. Outros R$ 9 bilhões seriam provenientes do direcionamento de emendas impositivas. “Isso daria para dobrar o atual programa social e não comprometeria as regras fiscais”, defendeu.

 

O especialista em contas públicas defendeu o uso do mecanismo constitucional que já permite o parcelamento de precatórios de grande valor e voltou a criticar o não pagamento integral dessas dívidas judiciais, por conta do risco de insegurança jurídica.  Salto também destacou os riscos da perda de credibilidade do país em cumprir regras fiscais, porque insiste em mudá-las quando elas viram um obstáculo para o governo gastar mais.  Ele lembrou que os juros futuros para a dívida pública, que estavam entre 6% e 9% ao ano, na primeira metade do ano, já subiram para 12%. Isso significa que o governo pagará cada vez mais caro para emitir títulos para cobrir as despesas obrigatórias que ultrapassam as receitas e formam o deficit primário, que vem sendo registrado desde 2014.

 

Salto elogiou o Bolsa Família, que é um programa consagrado e defendeu o direcionamento dos recursos propostos por ele para ampliar o Bolsa Família em vez do abandono das regras fiscais. “Existem alternativas para preservar o teto, que não é uma maravilha. Mas o desejo de aumentar despesas não relacionadas ao gasto social é muito preocupante. Porque não é uma especulação. Os juros aumentaram e a dívida já responde a isso”, afirmou.

 

Pelos cálculos do diretor da IFI, que é responsável pelo zelo das regras fiscais, o aumento da insegurança jurídica por conta do inevitável descontrole fiscal que deverá ocorrer com a PEC dos Precatórios no custo do endividamento do governo. “O aumento da dívida pública já começou a acontecer e hoje está em R$ 55 bilhões no mês de setembro, em um crescimento de 33% em relação ao mesmo período do ano passado”, afirmou.  Ele lembrou que, como os juros estão subindo refletindo as incertezas no mercado, outro impacto negativo dessa PEC será a “redução do crescimento econômico”. 

 

De acordo com o economista, apesar da recente redução da dívida pública bruta — em grande parte, devido ao deflator do Produto Interno Bruto (PIB) nominal, usado no denominador do cálculo da taxa da dívida em relação ao PIB –,  a trajetória da dívida pública corre o risco de ficar incontrolável com a aprovação da PEC dos Precatórios, e a dívida pública bruta poderá chegar a 122% do PIB, em 2030, no cenário pessimista da IFI, o mais provável no momento. Para evitar isso, seria preciso um superavit primário em torno de 5% do PIB, ou seja, uma economia de mais de R$ 400 bilhões. “Esse é um dos custos que essa PEC vai gerar para as contas públicas”, alertou. 

 

“O teto nasceu com problemas de desenho, mas trouxe efeitos positivos, como a ancoragem das expectativas e a redução do aumento da dívida pública”, afirmou Salto, reconhecendo que é importante aperfeiçoar a regra, mas não às vésperas de um ano eleitoral para abrir espaço para despesas eleitoreiras, já que o espaço fiscal que será ampliado com a PEC será praticamente o dobro do necessário para o novo Bolsa Família, cuja estimativa da equipe econômica, de R$ 51,1 bilhões, mas pelos cálculos da IFI, custaria R$ 47 bilhões. 

 

Dívida impagável

 

 

Em um cenário otimista, o precatório vai crescer junto com inflação, e essa dívida poderá somar R$ 580 bilhões de precatórios postergados nos próximos anos, quando acabar em 2036, quando termina o prazo de vigência do teto de gastos, pode chegar a R$ 1 trilhão. “Essa dívida poderá desaguar no Orçamento de uma forma impagável no futuro”, alertou o economista Ricardo Volpe, consultor de Orçamentos e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados. “É muito arriscado gerar uma dívida no futuro que a gente não sabe o que vai fazer com ela em 2036”, acrescentou 

 

Volpe também participou da audiência pública do Senado e reforçou que, além do  risco do adiamento do pagamento dos precatórios tornar essa dívida impagável, o processo de planejamento no Orçamento atropelado com erros com a mudança do indexador do teto de gastos para o acumulado no fim do ano vai dificultar ainda mais o planejamento dos técnicos do Congresso. “Antes, muitos falavam que a inflação ia dar um espaço no teto neste ano, mas a tendência é que esse espaço não vai mais existir e vai ser consumido no longo prazo”, disse.