Lisboa Brasileiros comemorar as facilidades para a obtenção da cidadania portuguesa e fazem planos

A real de Portugal: nova autorização de residência não garante livre trânsito na UE

Publicado em Economia

O governo de Portugal lançou com certo estardalhaço, em 13 de março deste ano, um sistema em que cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), incluindo o Brasil, podem obter, on-line, a esperada autorização de residência para trabalhar e morar em território luso.

 

Desde então, pelo menos 100 mil brasileiros foram beneficiados, muitos deles, aguardando a documentação por mais de dois anos para sair da ilegalidade que os impedia de acessar serviços públicos, abrir contas em bancos, conseguir contrato formal de trabalho e mesmo alugar um imóvel.

 

Aos poucos, porém, os beneficiários do modelo on-line de autorização de residência se deram conta de sua limitação. Ainda que o documento tire o peso da ilegalidade dos ombros dos beneficiários, ele tem claras limitações, como, por exemplo, a de não permitir trânsito livre pelos países que integram o Espaço Schengen, da União Europeia.

 

Irregularidades

 

Muitos dos cidadãos que receberam a autorização de residência entraram em Portugal como turistas. Por lei, poderiam permanecer no país por até 90 dias, prazo com possibilidade de ser estendido por mais 90 se avalizado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O problema é que praticamente todos os que receberam o novo documento estouraram esses limites, transgredindo a legislação.

 

Como o governo de Portugal dificilmente extradita indocumentados — a não ser que comentam delitos graves —, essas pessoas viveram esse tempo todo esperando por uma resposta às manifestações de interesse em continuar no país. Mas elas sabiam que, se saíssem do território luso, dificilmente conseguiriam retornar. Por isso, muitos se sujeitaram a esperar que, um dia, o governo português partisse para a regularização.

 

É nesse ponto que se escancara a limitação da nova autorização de residência. Mesmo tendo um documento formal do governo de Portugal, aqueles que se arriscarem a circular pela Europa podem, na melhor das hipóteses, ficar até 90 dias (ou até 180, com autorização especial) no país visitado, ou, na pior situação, ser considerados ilegais, pois não cumpriram as regras de entrada como turistas em território português, e, por consequência, serem proibidos de voltar para casa. O risco de deportação para os países de origem, como o Brasil, é grande.

 

Esse alerta está em comunicado divulgado, recentemente, pelo Alto Comissariado para as Migrações. No documento, o órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), ressalta que “o titular de uma Autorização de Residência para Cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (AR CPLP) não tem direito de circular livremente pelos países pertencentes ao Espaço Schengen”.

 

Distorções devem ser corrigidas

 

Segundo o advogado Fábio Pimentel, sócio do escritório Pimentel Aniceto Advogados, a autorização de residência emitida pelo governo de Portugal vale apenas para o país e para o grupo de nações que integram a CPLP, dentro de um acordo de mobilidade, não para o Espaço Schengen, que reúne a maioria dos países da União Europeia mais a Suíça e a Noruega.

 

“Essa discussão ocorre porque Portugal deu uma solução cartular diferente para os imigrantes CPLP em detrimento do que deveria fazer, que é emitir um cartão de plástico, nos moldes aprovados pela Comissão Europeia. Ou seja, ao invés de entregar os cartões, criou um documento que está fora dos padrões Schengen”, explica o advogado. Portanto, os cidadãos que detêm a autorização de residência devem viajar para a Europa usando o passaporte, correndo os riscos inerentes de terem burlado as regras.

 

Para corrigir essa e outras distorções da nova autorização de residência — há empregadores portugueses que não a reconhecem —, Pimentel acredita que Portugal deveria emitir títulos de residência nos padrões definidos pela União Europeia, ao invés de criar, por via cartular, “uma categorização nefasta entre cidadãos imigrantes”. No entender dele, “isso é muito ruim, não só do ponto de vista social, mas também sob o prisma econômico, no contexto de um país que, cada vez mais, precisa da mão de obra estrangeira”.

 

Trampolim salarial

 

Outro ponto importante: vários dos cidadãos que receberam a nova autorização de residência emitida por Portugal acreditavam que, com o documento, poderiam trabalhar, regularmente, em outros países da União Europeia. Mas não podem, por falta de reconhecimento da legitimidade do instrumento usado pelo governo português no âmbito do acordo com a CPLP.

 

Portugal é escolhido pelos imigrantes como trampolim para a Europa. Ao conseguirem o direito de viver legalmente em território luso, muitos deles acabam indo para outros países onde os salários, na maioria das vezes, são maiores do que os pagos pelas empresas portuguesas. Só poderão seguir nesse caminho quando, efetivamente, as novas autorizações de residência seguirem o modelo único da União Europeia e, claro, receberem autorização especial de trabalho das autoridades dos demais países.