O Itamaraty será julgado pela Justiça Federal por aprovar brancos nas cotas de negros
A audiência será na quinta-feira, na 22ª Vara Federal, em Brasília, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), que pede a suspensão imediata de nomeação, posse e participação no curso de formação de diplomata do Ministério de Relações Exteriores (MRE) dos candidatos que não se enquadram, mas tentam usufruir da reserva de vagas. Como o certame, cujo edital foi publicado em junho do ano passado, tem apenas 90 dias de validade, sem possibilidade de prorrogação, o MPF pede urgência nas medidas. Além de infração à lei, a posse dos que não preenchem os requisitos pode causar danos irreparáveis.
“O Instituto Rio Branco poderia não proceder à nomeação e posse dos preteridos, seja pela inexistência de vagas, seja pela expiração do prazo de validade do certame, ou ainda pela impossibilidade de novo curso de formação ”, destaca a procuradora da República Anna Carolina Resende Maia Garcia. Ela apontou várias irregularidades na análise da Comissão de Verificação de Cotas e do responsável pelo IRB, embaixador Benedicto Fonseca Filho, por aceitarem argumentos sobre a ascendência, em desrespeito à Lei 12.990/2014. No Brasil, a definição de negro é por fenótipo (aparência), uma vez que o preconceito e a discriminação na sociedade não têm origem na ancestralidade, mas em traços de natureza negróide. É diferente dos Estados Unidos, “onde uma gota de sangue pode determinar a identidade racial”.
De acordo com Frei David Santos, da Ong Educafro, a situação não é nova. “Pelo terceiro ano consecutivo, a turma que entra no Itamaraty tem alto índice de não negros”, denunciou. Ele admitiu que, pelo fato de o país ser miscigenado, há nuances para a identificação. “Quando a lei foi criada, esperávamos honestidade. Achávamos que o negro já sofreu tanto que nenhum branco ia querer ser negro. Mas, por exemplo, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de cada 10 que se declaram, apenas um é negro. A maioria é de brancos bronzeados na praia”. O movimento social negro, disse, está exigindo do Ministério do Planejamento uma regulamentação mais qualificada, para dar mais segurança na execução da política pública.
Exames no Rio Branco são sempre muito “restritos, inacessíveis, inclusive fisicamente, para quem não é diplomata”, afirmou Ernando Neves, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do MRE (Sinditamaraty). Ele fez um pedido “informal” para participar da Comissão de Verificação de Cotas, há cerca de um ano. “Ainda não tivermos resposta. É um trabalho de Davi e Golias. Por enquanto, conseguimos inserção na Comissão de Combate ao Assédio”, disse. Por meio de nota, o Itamaraty informou que “este é o terceiro concurso desde a vigência da lei e, em todos, a lei foi respeitada”.
“A ação civil pública busca excluir como beneficiários, para todos os efeitos práticos e legais, o que chama de ‘pardos claros’. A Lei nº 12.990/14 não faz distinção. No artigo segundo, diz que ‘poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso, conforme o quesito cor ou raça da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)’. Esse é o principal tema da disputa, ou seja, se ‘pardos claros’ fariam ou não jus à reserva legal”, assinala a nota.