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Falta de creches atrapalha a carreira das mães trabalhadoras e o desenvolvimento do país

Publicado em Creche

Sem acesso a rede pública universalizada de cuidados para crianças de até 3 anos, as trabalhadoras com filhos pequenos sofrem uma série de exclusões no mercado corporativo, o que prejudica a inserção e o desenvolvimento profissional feminino.

A oferta de creches gratuitas e de qualidade tem tudo a ver com o desenvolvimento profissional, social e econômico do país. A falta de local para deixar as crianças atrapalha, ou até impede, que trabalhadores com filhos pequenos — majoritariamente mulheres, pois são elas as que mais se responsabilizam pela prole — se insiram, se mantenham e avancem no mercado. “É preciso ter creche pública de qualidade para todos. Assim, as crianças se desenvolvem melhor e as mães continuam suas trajetórias profissionais. Todo mundo sai ganhando: com mais mulheres trabalhando, a economia cresce”, calcula Bia Nóbrega, psicóloga pela Universidade de São Paulo (USP) com mais de 19 de anos de experiência em recursos humanos. “Existe uma relação direta entre creche e carreira e, claramente, as mães são as que mais sofrem com a falta disso”, afirma Angélica Guidoni, sócia da consultoria Trajeto RH. O problema atinge todas as camadas sociais, mas é mais cruel com as mais pobres.

“As que têm melhores condições financeiras ainda podem pensar e avaliar onde deixar os filhos, com uma babá ou numa creche particular, por exemplo. Têm mais possibilidades de se colocarem à disposição para uma promoção”, pondera a coach e psicóloga. “Já as que não podem arcar com os custos desse tipo de serviço ficam numa situação muito limitada”, compara. As opções que sobram não são as melhores, mas é preciso arranjar caminhos. “Nos bairros mais humildes, existem mulheres que cuidam de quatro a cinco crianças. Outra possibilidade é uma rede de vizinhos: um fica com as crianças hoje, outro depois”, exemplifica Bia Nóbrega. No entanto, dificilmente, a mãe conseguirá sair para trabalhar totalmente tranquila com o bem-estar da criança nesses casos.

 

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Deficit de vagas
Escritora, palestrante e pesquisadora do universo feminino, Alice Schuch afirma que “a oferta de creches é um dos maiores ganhos que o governo pode proporcionar às mulheres, já que a ausência dessa estrutura, agrava muitíssimo o problema do feminino”. A melhor maneira de criar um filho saudável, explica Alice, doutora em educação e gêneros pela Universidad de Desarrollo Sustentable, do Paraguai, é a realização da mãe. “Se ela for frustrada por causa das dificuldades de ter uma carreira, muito provavelmente passará isso para a criança.”

 

E se o país quiser investir nas próximas gerações, precisa fazer isso desde cedo, nas creches, que devem ser desenvolvidas em termos de qualidade e quantidade, algo que ainda está longe de sair do papel. Uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) é colocar, pelo menos, 50% das crianças de até 3 anos em creches. O primeiro prazo estabelecido para cumprir o objetivo não foi cumprido e, então, adiado para 2024.

 

Existem mais de 11,8 milhões de crianças de 0 a 3 anos no país segundo dados de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, há apenas 3,1 milhões de matrículas em creches nessa faixa etária, de acordo com as Sinopses Estatísticas da Educação Básica de 2017, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O Inep não coleta dados de deficit de vagas, mas fazendo a correlação com os números populacionais, apenas 26% das crianças frequentam creches nos três primeiros anos de vida. “No ritmo atual, não alcançaremos a meta nem com investimentos. Num momento de contenção de despesas, isso se agrava ainda mais”, lamenta Heloisa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq.

 

Famílias de três regiões do DF comentam o impacto da falta de creches

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Aecione vive com seis filhos, o mais novo com 2 anos. Sem vaga em uma unidade pública, ela não consegue trabalhar

Aecione Pinto de Lira, 45 anos, teve 12 filhos, dos quais seis vivem com ela e o marido, carroceiro, em Planaltina. A família nunca conseguiu apoio de creches. Sem outros parentes no Distrito Federal, a pernambucana que cresceu em São Paulo não trabalha e fica em casa para cuidar, especialmente, do caçula, de 2 anos, mas também dos demais, que têm 7, 9, 11, 12 e 16 anos e frequentam a escola. O primogênito, que não mora mais com ela, tem 31 anos. “Com o fato de não ter creche, você não consegue nem correr atrás de arrumar serviço. É muita falta de responsabilidade do governo”, queixa-se. Nas ocasiões em que procurou trabalho, sentiu o preconceito dos empregadores. “Dizem que criança atrapalha, têm medo de que a gente fique saindo para ir à reunião de escola…” Aecione é beneficiária do Bolsa Família e complementa a renda como revendedora de produtos de venda direta. “Eu sempre fiz faxina também, mas, depois que o menino mais novo nasceu, parei. Após o parto dele, minha saúde não ficou bem”, conta ela, que tem nível fundamental incompleto.

 

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Silvana está satisfeita por ter encontrado alguém de confiança para cuidar da filha
A enfermeira Silvana Alves dos Santos, 32 anos, terminou o curso na Universidade Católica de Brasília (UCB) em junho e, desde então, procura emprego. Ela também faz pós-graduação em urgência e emergência. Nunca conseguiu creche pública e, há algum tempo, deixa a filha, de 1 ano e seis meses, na casa de uma mulher que é paga para cuidar de três crianças nos Jardins Mangueiral. “Ela já ficava lá para eu poder estudar e continuou. São R$ 400 por mês, e ela fica das 7h às 15h”, revela. No começo, Silvana e o marido, que é mecânico numa empresa de veículos a diesel, contrataram uma pessoa para ficar na casa deles. “Era uma conhecida, mas ela teve de sair para fazer tratamentos de saúde”, diz. Foi então que ela começou a procurar creches. “Foi muito difícil, as que eu achava eram muito caras. Até que recebi a recomendação de uma mais em conta, onde coloquei minha filha.”

 

A experiência durou pouco, porque o estabelecimento mudou para São Sebastião, então, se tornou contramão para a família. “A gente sonha em conseguir uma boa creche pública. Isso fica na cabeça da mãe. Quando você não consegue, isso gera preocupação e frustração. A creche dá mais confiança do que deixar com uma pessoa estranha seu bem mais precioso”, diz ela, que já trabalhou como operadora de caixa.

 

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Sirlene tem dois netos, um de 11 meses e um de 2 anos. Sem creche, a filha Sabrina tem dificuldade de encontrar emprego

A casa de Sirlene Alves de Deus, 39 anos, na Cidade Estrutural, abriga o namorado, os dois filhos e os dois netos dela. “Eu sou a única que trabalha. Meu namorado faz bico, é percussionista e toca aos fins de semana. O grosso das contas sou eu quem pago”, conta a empregada doméstica. “Meu expediente é de segunda a sábado.” Os filhos, Gabriel, 20, e Sabrina Hemily, 17, não estudam nem trabalham. Cada um tem um filho: respectivamente, Miguel, de 11 meses, e Pedro Henrique, de 2 anos. A família não conta com creche para nenhum deles e, apesar de esse não ser o único fator causador, isso dificulta a inserção profissional e os estudos. “A Sabrina nunca trabalhou, com ou sem carteira assinada, mas está procurando emprego. O Gabriel vendia balinha e jujuba no sinal quando era mais novo. Depois que ficou de maior, nunca procurou serviço. Os dois abandonaram os estudos.”

 

Sirlene acredita que, com creche, a situação seria melhor para as crianças e toda a família. “Fica complicado sem isso, porque eu sustento a casa e não tenho como deixar de trabalhar para cuidar dos meninos. Ganho um salário mínimo, se for pagar uma particular, não teremos o que comer”, desabafa a baiana, que mora no DF desde 1993. “Quem cria o Pedro Henrique mesmo sou eu. A mãe mora perto, mas não ajuda. Durante o dia, quem mais cuida dele é meu namorado”, diz. “Com certeza. Meu sonho é que todos eles trabalhem, até para ajudar a construir a casa. O muro e o banheiro são de tijolos, mas o resto é barraco de madeirite.” O local não conta com rede de esgoto nem água encanada, e a rua não é asfaltada.

 

Sabrina Hemily completa 18 anos em outubro e passa os dias dividida entre cuidar de Miguel e procurar emprego. A creche mudaria muita coisa na minha vida, especialmente para poder procurar serviço e voltar a estudar.”

 

A carência de creches no país, segundo especialistas

Vagas só para quem pode pagar

 

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“Nossa maior preocupação em relação ao acesso à creche é que vários estudos mostram que as crianças que pertencem às famílias de mais baixa renda são as que estão fora delas”, alerta Beatriz Abuchaim (foto), gerente de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), que tem como foco a defesa da primeira infância. Ou seja, são as mães desempregadas e em mais complicada situação financeira que não contam com esse apoio. “Não falta vaga para quem pode pagar. Falta para quem não pode. No DF, onde tem muito servidor público e pessoas com renda mais alta, a maior parte das matrículas é na rede particular. Pouco mais de 1% é de fato da rede pública”, completa Heloisa Oliveira, da Abrinq. A colega dela Denise Cesario, gerente executiva da Fundação Abrinq, observa que a falta de acesso pode gerar muitos riscos. “Quando se deixa a criança com um amigo, um vizinho, até um parente, além de não receber estímulos adequados, ela pode estar sujeita a outros perigos, como o de não ser bem cuidada, de ser violentada.” O que não quer dizer, necessariamente, que o atendimento seja adequado em todas as creches.

 

“Um dado preocupante é que as crianças mais vulneráveis, que vêm de um lar estressor, com pais menos educados, estão fora da creche ou, em algumas regiões do país, estão em creches muito ruins”, alerta a psicóloga, mestre e doutora em educação Beatriz Abuchaim. A boa qualidade da educação infantil (que inclui creche e pré-escola) pode trazer um impacto muito positivo, que perdurará por toda a vida. “Ao mesmo tempo, em ambientes sem interação, que não sejam estimulantes, a gente não vê esse avanço e, às vezes, há até prejuízos”, pondera. “No caso das mães trabalhadoras, esse atendimento é uma necessidade, então a gente tem de lutar para que ele seja bom.” Arranjar um jeito de medir a qualidade das creches, inclusive, é algo em que a FMCSV tem trabalhado. Atualmente, os indicadores do governo levam em conta basicamente a estrutura física, como a presença de berçário, parquinho, banheiro infantil. Eduardo Marino, diretor de Conhecimento Aplicado da Fundação, observa que o objetivo é tornar possível medir também a qualidade das interações e dos estímulos feitos.

 

Peso cai sempre nos ombros da mãe

 

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No Brasil e na maior parte dos países, fica com as mães a responsabilidade principal pela criança. “É muito raro o pai faltar ao trabalho para levar o filho ao médico. Isso é muito ruim, porque a sobrecarga é tremenda. O empregador obviamente sabe disso e entende que a mulher terá mais chance de se ausentar da empresa por causa da criança”, aponta Bia Nóbrega.

 

“Em muitos casos, a própria mãe não pleiteia uma vaga ou desafio profissional por entender que ficaria difícil por causa dos filhos. Dar um jeito significaria colocar o pai na jogada, o que gera desgaste. Então, ela se barra”, percebe Angélica Guidoni (foto), que tem experiência de consultoria de RH em empresas de médio e grande porte, nacionais e multinacionais. Frente às dificuldades de conciliar filhos pequenos e carreira sem creches para todos, não só as próprias mulheres se privam de oportunidades, como também os chefes têm o costume de escolher por elas. Eles não chegam nem a ofertar chances (de promoção ou viagem, por exemplo) às profissionais. “Os gestores pensam: ‘Fulana tem filho pequeno, portanto, não pode’. Só que, às vezes, esse cenário não é real, a trabalhadora daria um jeito. Falta dar a chance de ela decidir.” Fenômeno análogo se repete nas seleções de emprego.

 

Para Angélica, a falta de universalização do serviço de creche, aliada à concentração das tarefas domésticas e familiares apenas nas trabalhadoras, está por trás da desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. “A profissional tem menos tempo para construir networking. Em vez de sair com os colegas para um happy hour, onde poderia encontrar alguém da direção, volta para casa e para os filhos depois do expediente”, diz. “Esse empobrecimento das relações é supercrítico para o desenvolvimento da carreira e faz com que elas sejam menos cotadas para cargos de chefia. Um reflexo da falta de creche e também da falta da paternagem ativa”, comenta Angélica.

 

Dividir responsabilidades

 

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Para pleitearem vagas de emprego com serenidade e confiança, as mulheres precisam entender que não estão sós. E num contexto em que há cada vez menos senso de sociedade e paternidade com relação ao cuidado com as crianças, isso se torna muito difícil sem creches. “Não foi à toa que a humanidade começou em tribo. Os filhos eram da tribo, não só da mulher. É complexo ter um filho só para você e ser o único responsável num mundo masculinizado, onde a maternidade é o auge do feminino”, afirma Angélica Guidoni, especialista em constelações sistêmicas pela Faybel. A subsecretária de Promoção de Políticas para Crianças e Adolescentes do Distrito Federal, Perla Ribeiro (foto), chama a atenção para a importância de desvincular a imagem do zelo e da criação de filhos como algo exclusivo da mãe, até porque ela não os gera sozinha. “Cuidar das nossas crianças não é (ou não deve ser) o cuidado de um só. É preciso de uma rede em que cada pessoa tem o seu papel. O pai é muito importante para o desenvolvimento infantil, complementando o trabalho da companheira”, destaca.

 

Os comportamentos atuais geram, na maior parte das mulheres, a sensação de desamparo, a ideia de que precisam dar conta de tudo sozinhas. Perla salienta o papel social e do Estado para amenizar essas situações. “A criança tem de ter o cuidado da família — e pensando de modo extenso, de todos os membros. Mas também é responsabilidade do Estado e da sociedade cuidar da criança, garantindo-lhe direitos básicos e fundamentais, como vida, educação, saúde, alimentação saudável, espaços lúdicos. Precisamos resgatar princípios comunitários de cuidado com o outro”, diz.

 

Primeira infância

OEI seleciona três municípios para projeto-piloto

Atenta aos cuidados necessários à primeira infância, a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) planeja criar projetos de acolhimento para crianças de zero a três anos de idade. “Dentre as prioridades, estão a gestão pedagógica e administrativa, além da gestão de projetos de infraestrutura”, adiantou o diretor da OEI, Raphael Callou. “Discutir soluções na primeira infância pode transformar o país”, acrescentou o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Sílvio Pinheiro.

 

Presente na abertura do seminário Diálogos da Ibero-América: Primeira Infância, ocorrido na última quarta-feira (5), Silvio Pinheiro ressaltou que a iniciativa da OEI de discutir soluções para a primeira infância é mais do que necessária. Segundo Sílvio Pinheiro, a gestão atual do FNDE encontrou obras inacabadas por conta de dificuldades legais de prorrogação de prazos. “Trabalhamos por oito meses com o TCU e CGU, buscando uma nova regulamentação que permitisse que estados e municípios repactuassem com o FNDE, para ganhar prazo e concluir creches em construção. Com isso, reduzimos o número de obras inacabadas e ampliamos os prazos das que estão em andamento.”

 

16 mil crianças de até 3 anos estão na fila por creche pública no DF

 

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Apesar de aumento de cerca de 6 mil vagas desde 2015, no momento, cerca 16 mil crianças de até 3 anos estão na fila por vaga em creche pública no DF, segundo a Secretaria de Educação do Distrito Federal (Seedf). Na faixa etária de 4 a 5 anos, não há demanda reprimida por pré-escola. Entre as 29 mil crianças que frequentam creches no Distrito Federal, a maioria (28.101) o faz na rede particular, com base nas Sinopses Estatísticas da Educação Básica de 2017 do Inep. As 1.004 que usam o serviço público estão matriculadas em 18 unidades do governo. Em nota enviada por e-mail, a Seedf informou que “conta com 14 creches públicas, 50 centros de ensino de primeira Infância (Cepis) e 58 instituições conveniadas, atendendo 15.287 crianças de 0 a 3 anos e 47.203 de 4 a 5 anos”.

 

Já na rede particular, de acordo com a pasta, são 319 unidades, com 15.944 crianças de 0 a 3 anos e 19.849 estudantes de 4 a 5 anos. As divergências entre os números da secretaria e os do Inep se devem ao fato de a pasta distrital usar como base o Censo Escolar do DF. Há também diferenças na interpretação dos dados. As redes conveniadas citadas pela Secretaria são formadas por instituições privadas. O número de creches públicas aparece como 18 nas informações do Inep, porque o órgão considerou unidades do tipo e também quatro escolas, em Samambaia e em São Sebastião, que oferecem turmas de creche.

 

Durante o Seminário Diálogos da Ibéro-América: Primeira Infância, promovido na última quarta-feira pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), a primeira-dama do DF, Márcia Helena Rollemberg, disse que o o atual governo construiu 27 creches e têm mais três para serem inauguradas.

 

A contribuição das empresas

Na percepção de Bia Nóbrega, é cada vez mais comum que os empregadores se preocupem com as condições de qualidade de vida das mães, já que isso afeta o trabalho. O benefício mais comumente oferecido é o auxílio creche. São poucas as firmas que contam com berçário ou creche no ambiente corporativo. “A possibilidade de home office também tem sido mais frequente.” A valorização da diversidade, acredita ela, está em alta “As empresas estão se dando conta de que, ao abrir mão de ter mães na força de trabalho, abrem mão de melhores resultados”, diz. Angélica Guidoni, da Trajeto RH, observa, porém, que isso está mais no discurso do que na prática.

 

“A gente ouve falar mais em equidade, mas não há ações novas”, aponta. Para Alice Schuch, há até retrocessos. “As empresas valorizam diversidade e se interessam pelo bem-estar dos funcionários, mas, com o atual nível de desemprego, poucas estão fazendo algo de fato para dar mais apoio às mães”, avalia. O resultado é que as firmas acabam perdendo talentos.

 

Falta de opções leva ao trabalho autônomo

Pesquisa do site de empregos Catho com 5.120 pessoas revelou que a quantidade de mulheres que chegam a deixar o trabalho (30%) após a chegada dos filhos é cerca de quatro vezes maior que a de homens (7%). Entre as entrevistadas, 8% conseguiram retomar a carreira em até seis meses, enquanto 31% levaram mais de três anos ou não retornaram. Entre os pais com hiato na carreira por causa dos filhos, 33% voltam ao mercado em menos de um semestre. Entre as mães que ingressaram em empresas após essa pausa, 60% avaliam as perspectivas profissionais como ruins ou péssimas. As creches (ou a falta delas) têm tudo a ver com esses resultados. Em certos casos, o cuidado infantil sai tão caro que pagar por uma creche não compensa dependendo do salário. “Tendo em vista o que gastavam para ir e vir e ainda custear creche, não são poucas as que param de trabalhar por perceberem que é mais vantajoso, analisando até a qualidade de vida e a segurança do filho”, diz Angélica Guidoni.

 

“A qualidade das creches anda muito ruim também, então, considerando tudo isso, não é raro a mãe ficar insegura e ‘preferir’ ela mesma cuidar”, observa. “E não é que a mulher não possa ser dona de casa. O problema é quando ela se sente obrigada a isso por não ter com quem deixar o filho”, completa Alice Schuch, mestre em educação pela Universidad del Mar, no Chile. “E se ela fica muito tempo afastada do mercado, fica bastante difícil voltar.” Em casa, bicos ou trabalho autônomo são as possibilidades que surgem para não ficar totalmente parada.

 

Planejamento familiar

A necessidade de creche é ainda mais gritante em casos de gravidez na adolescência, em que a mãe precisa de um estabelecimento do tipo não só para trabalhar, mas também para prosseguir os estudos. Quando essa situação acontece aliada a problemas financeiros, os desafios se agigantam. A superintendente do Instituto da Infância (Ifan), Luzia Laffite, sugere que os governos, especialmente os locais, em nível municipal e distrital, adotem postura menos passiva com relação a isso. “A rede formal de apoio tem condições de fazer o mapeamento de mães e famílias de risco (não só por gravidez na adolescência, mas também outras situações)”, afirma. “É preciso fazer busca ativa desse grupo. Às vezes, são pessoas que não querem fazer pré-natal nem participar de grupo de mães, pois têm vergonha de sua miséria (não só econômica)e se excluem — ou são excluídas — da família”, observa.

 

A psicóloga ressalta que os níveis de gravidez na adolescência são muito altos no país. “E, se elas não contam com apoio de ninguém da família, o Estado precisa prover”, defende. Para a psicóloga Angélica Guidoni, é de suma importância também o trabalho de prevenção, que deve começar nas escolas, de forma sistematizada. Mesmo porque quase metade das gestações não é planejada e, a cada cinco bebês no país, um tem mãe adolescente. Os dados são do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). “Planejamento familiar, educação sexual, educação financeira deveriam ser matérias de ensino médio — e também do ensino superior”, diz Guidoni.

 

Três perguntas para

Elen Souza, assessora de Carreira da Catho, psicóloga, pós-graduada em psicopatologia e  psicossomática 

A falta de um sistema universal de creches gratuitas e de qualidade atrapalha muitas mulheres a voltarem ao mercado de trabalho?
É fundamental que as mães tenham com quem deixar seus filhos para que possam retornar ao mercado de trabalho, já que, socialmente, ainda são vistas como únicas responsáveis pelo cuidado dos filhos nos primeiros anos de vida, embora essa seja uma visão ultrapassada e que, felizmente, vem mudando pouco a pouco. Essa falta de suporte — e a questão da disponibilidade de creches é uma delas — desencoraja, dificulta e inviabiliza o retorno da mulher ao mercado de trabalho formal.

 

O estresse de ter de deixar o filho com algum parente, vizinho ou conhecido pode prejudicar o desempenho no trabalho?
Deixar o filho para retornar ao trabalho, independentemente de quem cuidará da criança, seja escola, creche, parentes, seja rede de vizinhos, é um processo geralmente difícil. E, principalmente, no primeiro momento em que acontece essa “separação”, é normal a mãe se sentir dividida. Porém, com um respaldo adequado e cercado de pessoas de confiança, automaticamente, a mulher terá mais tranquilidade no retorno ao trabalho.

 

Empresas e órgãos públicos que oferecem benefícios, como creche no local de trabalho e auxílio-creche cumprem papel importante?
Sem dúvida. Essa iniciativa é importante e é uma das formas mais eficazes de apoio às mulheres no retorno ao trabalho. Torna-se um benefício para mães, que enxergam uma possibilidade de ficarem próximas da criança durante o expediente, otimizando o tempo e se antecipando a imprevistos inerentes à maternidade.