Levantamento revela que metade das crianças apresentam sinais de sofrimento emocional ligados ao tempo de exposição digital; especialistas alertam para impacto na rotina, no sono e no vínculo familiar
Quase metade das crianças brasileiras demonstra algum nível de ansiedade, irritabilidade ou inquietação associado ao uso de telas. O dado faz parte de uma pesquisa inédita do Projeto Brief sobre adultização e uso precoce das redes sociais no país.
O estudo ouviu 1.800 pais sobre o apoio à regulamentação das redes para assegurar um ambiente digital seguro para crianças e adolescentes. O estudo revela um cenário crescente de preocupação entre as famílias: 46% das crianças apresentam comportamentos negativos relacionados ao tempo diante de celulares, tablets, computadores e televisores.
Segundo o levantamento, a ansiedade é o sintoma mais frequente, citado por 27% dos responsáveis. Outros efeitos destacados são irritabilidade (25%), dificuldade de concentração (23%) e alterações no sono (20%). Entre os cuidadores entrevistados, 70% afirmam que gostariam de reduzir o tempo de tela dos filhos, mas têm dificuldade em ajustar a rotina, especialmente diante da sobrecarga de trabalho, da falta de espaços de lazer e do apelo constante das plataformas digitais.
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A pesquisa também aponta que 60% das crianças utilizam telas para entretenimento entre uma e três horas por dia. Ou seja, acima do recomendado por especialistas em desenvolvimento infantil. Para crianças com menos de até 5 anos, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) orienta um uso bastante restrito e sempre supervisionado; mesmo assim, entre os entrevistados, 30% das crianças nessa faixa etária passam mais de duas horas diárias conectadas.
O impacto no comportamento preocupa. Responsáveis relatam que, ao retirar o acesso digital, 44% das crianças apresentam resistência intensa, como choro, frustração exagerada ou reações agressivas. O estudo ainda mostra que 52% das famílias percebem piora na convivência doméstica quando o uso de telas aumenta, principalmente em períodos sem escola ou feriados prolongados.
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Para especialistas ouvidos pelo levantamento, o excesso de tempo online afeta habilidades essenciais do desenvolvimento, como interação social, autorregulação emocional e brincadeira livre — etapa considerada fundamental na primeira infância. Eles alertam para a necessidade de que a mediação adulta seja ativa, com regras claras, diálogo e estímulo a atividades fora do ambiente digital.
A pesquisa também investigou a percepção dos adultos sobre a própria relação com as telas. Mais da metade (56%) admite que o próprio uso de celular interfere no tempo de qualidade com os filhos, criando um ciclo em que adultos e crianças reproduzem comportamentos semelhantes.
Os dados reforçam um debate urgente: como equilibrar tecnologia e infância em um país onde a conectividade é parte central da vida cotidiana? Para os especialistas, o ponto não é proibir o acesso, mas construir hábitos saudáveis que priorizem o brincar, o descanso, a convivência e a segurança emocional.

