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Um dia para mentir

Publicado em Crônica

As pessoas mentem em média 200 vezes por dia. Todo dia. Não sei como chegaram a essa conta, mas desconfio que ela pode ser maior e, se o mito do Pinóquio fosse para valer, teríamos uma sociedade de narigudos.

A igreja condena a lampana a partir do catecismo, onde está escrito que, por sua natureza, é condenável. Mas a Bíblia diz que Deus perdoou a mentira da prostituta Raabe, que negou conhecer dois homens para proteger sua vida e dos israelitas.

Os estudiosos do comportamento vão além e dizem que as mentiras são necessárias à convivência humana e motivos não faltam.

Há quem minta para se valorizar, quem finja para proteger outras pessoas, quem conte uma peta para escapar de uma situação difícil ou como uma simples desculpa; isso sem falar naqueles que mentem por mentir. E há quem solte patranhas para enganar os outros.

Ficou famoso o caso de Frédéric Bourdin, francês que, bem mais velho, se passou por adolescente norte-americano e enganou até a família de um sequestrado, dizendo ser ele. Nesse caso, a fabulação foi tão elaborada que nem a aparência física distinta e o marcante sotaque fizeram diferença e ele chegou a ser acolhido pela mãe do garoto sumido.

No Brasil, as aventuras de Marcelo Rocha ficaram famosas e viraram até filme – Vips, Histórias Reais de um Mentiroso. O sujeito enganou um monte de bacanas e chegou a alugar um jato; gastou mais de R$ 100 mil em comes, bebes e chegou a se passar por dono da aérea Gol, guitarrista dos Engenheiros do Havaí e até repórter da MTV

A mentira tem deuses; Hermes para os Romanos, Loki para os nórdicos. Para os cristãos, o capeta é o pai da mentira. Mas muitas vezes ela é usada para o que seria um bem maior, ou algo assim. São as chamadas cascatas justificáveis.

Crianças lidam com lorotas desde cedo, desde quanto os pais pedem para que digam que não estão ou quando têm dúvidas cujas respostas podem ser vistas como constrangedoras pelos adultos. Como nascem os bebês? Cegonha, claro.

Nessa confusão de pode não-pode, o dia da mentira é comemorado. O primeiro de abril teria surgido com a revolta dos franceses com o novo calendário do Papa Gregório XIII, em 1582. E comemoraram o ano novo em primeiro de abril. A partir disso a trapaça se disseminou pelo mundo, inclusive nos meios de massa.

Orson Wells pode não ter mentido, mas pregou uma peça ao apavorar milhões de pessoas com a transmissão de um ataque de marcianos à Terra, na Grã-Bretanha a BBC sempre brinda os ouvintes com uma mentira; as vezes dá confusão, como a notícia de que o Big Ben perderia os ponteiros para se transformar num relógio digital.

No Brasil a data é lembrada desde 1828. Foi quando a revista A Mentira deu na manchete a morte de Dom Pedro I, que só morreria seis anos depois. Nos dias de hoje a data perdeu significado; é só olhar o Instagram – ali, todo mundo mente. O tempo todo. Mais de 200 vezes.

Publicado no Correio Braziliense em 2 de abril de 2023