Nunca havia ouvido falar em Arnór Ingvi Trautason. Mas foi ele, obscuro jogador islandês que está no futebol grego, o responsável pela alegria de um garoto de seus 10 anos de idade que, na Banca do Brito, da 106 norte, completou o álbum da Copa da Rússia, com sua figurinha – a de número 305 – mesmo pagando caro; teve que ceder 10 jogadores de seu bolinho de repetidas.
Esse negócio de algum de figurinha é um alvoroço, um freje. Era sábado, início da tarde; um amigo tinha compromisso num shopping da cidade, mas quase não chega na hora. Um tumulto de gente na porta principal fazia crer que algo havia de sério por ali. Imaginou o pior; o local era conhecido como ponto de suicídio de jovens até pouco tempo – obras evitaram novas ocorrências, mas nunca se sabe.
Chegando perto, alguém veio logo ao encontro dele – “Já tem o Messi? Precisa de quem?”, perguntou o jovem afoito. O amigo ainda demorou alguns segundos para entender do que se tratava. Como eu, é um por fora; não coleciona figurinhas e, ainda traumatizado pela Copa passada, não tem visto nem jogo de várzea. Pobres de nós.
O álbum da Copa da Rússia, como aconteceu com o anterior, vem mostrando a muitos jovens que as relações pessoais podem ser muito mais interessantes do que a troca de insultos pela rede social. Trocar figurinha é uma experiência rica para quem está sendo criado num mundo cada vez mais virtual, até porque se transforma em algo palpável – o álbum completo – e novas amizades de verdade.
Já fiz muitos álbuns de figurinhas. Alguns consegui manter, mesmo depois de tantas mudanças e sem saber porque. Houve tempo em que completar uma página dava direito a algum produto – bola, chaveiro, até liquidificador – mas era impossível; descobriu-se depois que algumas figurinhas simplesmente não eram impressas.
A picaretagem deu lugar a álbuns que eram miscelâneas. A Holandeza (assim mesmo, com z) até exagerava; era anunciado como uma enciclopédia geral em quadrinhos coloridos. Cada página tinha um tema, desde “grandes homens do Brasil”, pontificando Rui (com i) Barbosa e Caxias, aos “reis do ringue”, com os astros do Telecatch, programa de TV com lutas de marmelada, com Tigre Paraguaio e Teddy Boy Marino.
Durante o regime militar os álbuns tinham um toque ufanista. Em Pra Frente Brasil, há cromos sobre a tomada do Monte Castelo pelos Pracinhas, bandeiras dos estados e até profissões – de astronauta a domador de cavalos. Em Brasil-74, na primeira página, um mosaico de 15 figurinhas formava a imagem do… presidente Geisel. Cinco páginas depois, o mosaico formava a imagem dos Secos & Molhados, sensação da música.
O assunto do momento é o álbum da Copa da Rússia. Até em conversas de adultos há trocas de figurinhas – e sem pudor de parecer juvenil, até porque álbuns de adultos quase sempre têm cúmplice. Um amigo contou exultante que nunca tinha interagido com o neto tanto quanto agora – “não tenho coordenação para jogar videogame com ele; no álbum eu me garanto”.
Publicado no Correio Braziliense em 6 de maio de 2018