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Poesias pioneiras

Publicado em Crônica

Jorge Brito entrou exultante na padaria Pão Mineiro. Tinha conseguido um exemplar – exatamente o de número 11 – dos 50 volumes impressos de um opúsculo publicado pela editora Cultrix com a poesia Toada para se ir a Brasília, de Cassiano Ricardo. E mais: com a assinatura do autor.

Era de se compreender a excitação do nosso livreiro-garimpeiro naquela manhã de sábado. É uma poesia pouco conhecida do modernista, fundador de A Novíssima, revista que defendia uma nova abordagem poética, e também autor do épico Martim Cererê.

A publicação é de março de 1960, um mês antes da inauguração, e vem em formato grande, com apenas 12 páginas – incluindo capas. E como acontece em muitas raridades que Jorge Brito encontra, estava numa pilha desprezada, colocada ao lado de mais uma batelada de livros que ele havia comprado para abastecer o acervo do seu Armazém do Livro Usado.

A poesia não está relacionada entre as grandes obras de Cassiano Ricardo, fato estranho apesar da evidente falta de inspiração, uma vez que consolida o pensamento anterior do poeta, expresso principalmente em Marcha para o Oeste, que nasceu como peça de propaganda da era Vargas. O livro foi lançado originalmente em 1940, em pleno Estado Novo, quando Ricardo trabalhava como censor; foi reeditado em 1959 apoiando a proposta desenvolvimentista de JK.

Diz o poema: “Vou-me embora pra Brasília/ sol nascido em céu agreste/ Como quem vai para uma ilha/ A esperança mora a oeste./ Vou-me embora pra Brasília,/ por determinação celeste./ Pouco me importa a distância, lá encontrarei minha infância.”

Mais adiante, o poeta reafirma sua posição de apoio à interiorização. “Vou-me embora pra Brasília/ porque neste azul marítimo/ a paisagem me faz mal./ Por excesso de azul e sal. / Vou-me embora pra Brasília/ que já nos meus olhos brilha, porque é a única cidade/ onde não haverá saudade. /Sei que no fim desta rua/ tem um sertão que se chama,/ que se chama solidão…/ É onde mora meu irmão”.

Desta vez, o garimpeiro de livros bamburrou. Mas nem sempre é assim. Outro dia Jorge achou que tinha encontrado mais uma gema, desta vez na forma de cordel – ainda datilografado – que estava no meio de documentos e livros comprados de um pioneiro na Cidade Livre, atual Núcleo Bandeirante.

De autoria de um certo Waldemar Phelippe – Jorge Brito, como bom cearense deveria saber que isso não é nome de cordelista; pelo menos não de um que preste. O apelido Titio do Núcleo Bandeirante não melhora muito a situação. O poema é apenas uma reclamação – e vem com pedido. Começa assim:

“É triste mas vou falar/ É duro ser pioneiro/ Há (sic) cada passo tem que mudar/ Não ganha o pão e não tem dinheiro/ E a vós senhor presidente/ Em nome dessa nação/ E a vós senhora Iolanda/ Em nome da Legião”.

Até mesmo um garimpeiro de livros está sujeito a encontrar algumas piritas – que parece ouro, mas é só dissulfeto de ferro – pelo meio do caminho.

Publicado no Correio Braziliense em 1 de setembro de 2019

 

Toada para se ir a Brasília

Cassiano Ricardo

Vou-me embora pra Brasília

sol nascido em céu agreste

Como quem vai para uma ilha

A esperança mora a oeste.

 

Vou-me embora pra Brasília,

por determinação celeste.

Pouco me importa a distância,

lá encontrarei minha infância.

 

(Não foi lá que meu avô,

pra encantar crianças grandes,

num misto de magia e mágoa,

um dia pôs fogo na água?)

 

Vou-me embora pra Brasília

porque neste azul marítimo

a paisagem me faz mal.

Por excesso de azul e sal.

 

Vou-me embora pra Brasília

que já nos meus olhos brilha,

porque é a única cidade

onde não haverá saudade.

 

Sei que no fim desta rua

tem um sertão que se chama,

que se chama solidão…

É onde mora meu irmão.

 

Para que serve a grandeza

dessa solidão em flor

se lá não for o meu amor?

Pra morada da tristeza?

 

Vou-me embora pra Brasília.

Aqui o barulho do mar

não me deixa ouvir a queixa

do meu irmão, no sertão.

 

Vou-me embora pra Brasília,

pois tudo o que vem de fora

já me enfara, já me cansa.

Só me traz desesperança.

 

Ah não sei mais partir

e, a toda hora, chegar,

como acontece a quem mora,

como eu, em frente do mar.

 

Tenho a chave do futuro;

não quero outra maravilha.

Que os outros viajem pra lua,

eu não; irei pra Brasília.

 

Brasília de asas abertas

para me contar, em segredo,

o dom de acordar mais cedo

do que os pássaros no arvoredo.

 

Brasília onde se diz que houve

uma lagoa dourada./

Brasilia onde Oscar Niemeyer,

arquitetou – rosa em arco –

 

O Palácio da Alvorada.

E nesta noite em que vivo

eu preciso é de alvorada,

Não preciso de mais nada.

 

Vou-me embora sem mágoa.

O coração do Brasil

deve estar mas em seu peito,

não aqui, à beira d´água.

 

Vou-me embora, satisfeito.

Não sou nenhum girassol

mas padeço de um mal bíblico

que é correr atrás do sol.

 

Solução a quem espera

por um mundo menos vão.

É fugir para o sertão

e esconder-se atrás da esfera.

 

Chegarei de madrugada,

quando cantar a siriema.

Brasil, capital – Brasília.

Onde mais bonito poema?

 

Vou-me embora pra Brasília,

que já nos meus olhos brilha

Porque é a única cidade

onde nunca haverá saudade.

Publicado no Correio Braziliense em 1 de setembro de 2019