pimenta

Pimenta no dos outros

Publicado em Crônica

A pimenteira secou em plena pandemia. E não tinha a quem culpar. Normalmente se justifica a morte do arbusto com algum invejoso que passou pelo local e jogou seu olho gordo pelo ambiente. Os esotéricos acreditam que a pimenteira, qualquer uma, até as que produzem frutos que não ardem, tem o poder de atrair as energias ruins, embora morram no processo.

Todo mundo conhece alguém com fama de seca-pimenteira. Nem sempre têm grandes olheiras, andam curvados e com expressão circunspecta, quando não furibunda – a descrição é lombrosiana, se não do tipo criminoso definido pelo psiquiatra italiano Cesare Lombrose, mas pessoas com caráter definido pela aparência física. Preconceito em estado bruto.

Mas a ciência moderna já destruiu os dois mitos. O de Lombrose por se tratar de um absurdo desmedido, como se todos os facínoras fossem feiosos e os belos, inocentes. A ciência tem mesmo essa mania de acabar com o prazer dos mistérios, da aventura; está cada dia mais difícil ser criativo. É a biologia quem demonstra que pimenteira é uma planta de vida curta.

Algumas duram dois anos, mas a maioria morre em 12 meses, se tanto, e precisa ser substituída por outra, mesmo que receba todos os nutrientes e seja bem regada. Mas os aprendizes de bruxaria não desistem e tentam fazer com que a gente siga algumas regras para evitar que a casa seja infestada por gnomos, quando a maioria de nós luta contra baratas.

Para proteger a casa nos ensinam a manter plantas pontudas nos cantos do terreno; se tiver espaço, palmeiras pata-de-elefante, se for uma área mais espalhada, espada-de-são-jorge ou comigo-ninguém-pode e, em vaso, serve qualquer espinheiro. Menos cacto, sabe-se lá porque. Por via das dúvidas, é sempre bom ter um bom alarme eletrônico.

Se bem que o objetivo dessa gente não é nos proteger dos amigos do alheio, como se dizia no velho jargão policialesco, mas da inveja. As faltas divinas andam meio desmoralizados nesses nossos tempos. A inveja é um dos pecados capitais, que na verdade podem ser traduzidos como vícios e estão uma escala abaixo dos pecados mortais.

Ainda assim, a remissão só funciona com a pena determinada pelo padre. Não são pecados inconfessáveis, como os veniais – aborto, blasfêmia, adultério e mais 15. Para se redimir desses, basta o arrependimento puro e simples. Curioso é que o terrorismo faz parte dessa lista, assim como o suicídio, um ato difícil de se arrepender.

Mas os invejosos já inventaram até uma gradação para justificar alguma coisa. É o caso de inveja branca, que seria quase uma admiração, não fosse a pseudo conotação racista que tentam impingir à sugestão, como se branco (o da bandeira da paz) e preto (o da bandeira dos piratas) se resumissem à cor de pele. Ou não podemos mais dizer ‘grana preta’ e ‘deu um branco’?

Mas eu não vou substituir as pimenteiras que secarem. Mais fácil ir ao mercado e comprar no saquinho a variedade que quiser e misturar no vinagre de maçã. Mas, para garantir, vou manter o vidro com sal grosso e carvão e a figa de madeira por perto.

Publicado no Correio Braziliense, em 24 de janeiro de 2020