Não conheço quem tenha visto o tinhoso. Mas também não conheço ninguém que duvide da existência dele. Há quem creia que tem chifre, rabo pontudo e exale enxofre; outros acreditam que use terno e gravata mesmo. E dos mais caros.
Já faz algum tempo que Brasília tem um novo exorcista nomeado pelo próprio Vaticano. É o padre Silvio Ambrogio Albertario, também responsável pela paróquia São Pedro Alcântara, de Ceilândia. Ele entrou no lugar do estimado padre Vanilson, que ninguém sabe porque perdeu o cargo.
Não sei se está tendo muito trabalho. A bagunça anda tão grande que até o capeta perdeu cartaz. Mas o anhanguera não facilita: o Vaticano contabiliza centenas de milhares exorcismos por ano.
E se pensar bem, falta demônio nessa lista. Aliás, sem pensar dois segundos, garanto que lhe vem uns cinco nomes na cabeça agora mesmo. Os alemães dizem que o diabo está nos detalhes; mas o diabo é que os detalhes estão em todo lugar.
Mas para quem está preocupado com uma invasão de asseclas do anjo caído, resta o consolo que o Vaticano tem outros exorcistas. Só no Brasil são 30 padres. Fora os pastores das igrejas neopentecostais, que dispensam até o aparato católico – estola, água benta e cruz – e tiram o cão na base do grito mesmo.
A vida dos padres exorcistas não anda fácil mesmo. A última versão do Manual de Exorcismos e outras Súplicas, traduzido diretamente do latim (e que tem edição brasileira, pela editora Paulus), proíbe que eles ajam em caso de malefícios – que podem ser feitiços, maus-olhados, vodu e macumba, por exemplo.
O novo manual diz ainda que é preciso ter certeza que o mafarrico está presente naquele corpo para fazer o exorcismo. São alterações que limitam a luta contra o trevoso, reclamam os esconjuradores.
As outras normas são praticamente as mesmas desde 1614, quando compiladas pelo Papa Paulo V. O que faz todo sentido: o tendeiro, que já era velho naquela época, não mudou, embora hoje, certamente, tenha um perfil no Instagram.
Há uma peleja antiga entre o clero e os exorcistas. Todos acreditam no satã, mas discordam nas maneiras de enfrentá-lo. Os exorcistas são tratados como fanáticos ou, pior, malucos, mas ganharam o apoio do Papa Francisco que reconheceu a associação internacional que congrega 250 padres exorcistas de vários países.
Todos os anos o Vaticano faz o curso Exorcismo e a Oração da Libertação e, em uma semana, forma uma nova turma de esconjuradores.
Sabe-se que a possessão é identificada a partir de quatro sinais: domínio de línguas desconhecidas, força física incompatível, aversão a símbolos sagrados e conhecimento de detalhes da vida dos presentes. Quem já viu uma sessão de exorcismo se impressiona com a intensidade do ato e sai dali sem qualquer certeza.
O testigo é malandro. Pode se revelar por concupiscência ou outro pecado qualquer, mas há lendas que o ligam ao talento de músicos como Robert Johnson, Paganini, Tartini e, vá lá, Marilyn Manson. Baudelaire também rendeu loas ao sete-peles. Ainda que o padre Albertario este entre nós é melhor não facilitar: vade retro.
Publicado no Correio Braziliense em 24 de novembro de 2023