Na cultura hindu, qualquer um que não tenha um guru é considerado órfão, um pária incapaz de evoluir. Como o brasileiro gosta de ser original, aqui é o contrário. Os gurus que andam aparecendo entre nós não usam turbante ou longas barbas brancas; muito menos fazem pregações pela paz universal, a procura da iluminação.
Faz mais ou menos 40 anos; pessoas começaram a ficar mais coloridas em Brasília. Havia um monte de gente de vermelho e suas tonalidades pelas ruas e repartições, mostrando uma cara de felicidade e despreocupação que contrastava com o resto de nós, desconfiados, ensimesmados.
Eram os seguidores de Bhagwan Shree Rajneesh, que mais tarde mudaria o nome para Osho, e que era conhecido como guru do sexo, porque pregava uma liberdade que até então era restrita a quatro paredes. Mas os ensinamentos eram bem mais amplos do que as posições do kama sutra; Osho atacava religiões tradicionais e seus líderes para ressaltar a importância do autoconhecimento. Chegou a dizer que “Deus não existe, graças a Deus”.
Não era, portanto, um guru pacifista na linha de Maharishi Mahesh Yogi, que ficou conhecido por receber os Beatles e amigos em 1968 e que causou a maior confusão por ter feito propostas, digamos, pouco elevadas para a atriz Mia Farrow. No Brasil, os seguidores era só paz, amor e sorrisos; no exterior, o bicho pegou.
Tanta liberdade fez com que todos os limites fossem desprezados. O próprio guru chegou a ter 93 automóveis Rolls-Royce, mas o mais grave é que alguns seguidores fanáticos chegaram a contaminar restaurantes de uma cidade norte-americana para tentar diminuir o número de eleitores e tentar vencer uma eleição local. 751 pessoas foram infectadas.
Este é o problema com lideranças espirituais; são capazes de entorpecer a inteligência e o bom senso, formam hordas de fanáticos com muita facilidade, usando a habilidade que têm de manipular pessoas e explorando o instinto acima da inteligência, principalmente se é gente de formação frágil, que aceita qualquer tese sem pensar. É como adestrar um cachorro: isca!
São ensinamentos em pílulas, frases – ou twitts, como se diz em português – que ficam isolados de todos os contextos e que se tornam verdades tão absolutas que o fanático se sente na obrigação de combater. Quem pensa diferente é venal, as discussões passaram a ser desnecessárias como se a verdade fosse única e já descoberta; o mundo deles é um xadrez, mas só há preocupação com as pedras pretas e brancas e não com a inteligência dos movimentos.
No caso do Rajneesh, o que era filosofia virou uma religião – exatamente o que o guru combatia na origem de suas pregações; no caso brasileiro é bem pior, uma vez que não há qualquer base filosófica em nada do que é dito entre o baixo calão. E aqui não são apenas os seguidores que pregam a violência, oriunda do próprio líder, que espalha suas salmonelas verbais para envenenar qualquer discussão.
É como se ele dissesse: não pensem. E os outros, orgulhosos da própria ignorância, obedecem.
Publicado no Correio Braziliense, em 19 de maio de 2019