Virou uma nova rotina aos domingos. Antes de ir para o bar – mas depois da missa, porque é preciso prestar contas da semana –, lá pelas nove horas, os velhos amigos se reúnem numa dessas academias instaladas ao ar livre. Fazem alguns lentos movimentos nos aparelhos e partem para explorar a orla do Lago Paranoá, que até outro dia estava ocupada pelos moradores das pontas-de-picolé.
Tião vai à frente, carregando um cajado em uma as mãos, parecendo um profeta de Cecil B. de Mille prestes a abrir passagem nas águas do Paranoá. É a imagem do desbravador. Os outros vão atrás, meio de lado, ainda temerários das muitas armadilhas formadas pelas ruínas de antigas construções precárias, demolidas na pressa de obedecer a ordem do juiz.
Ainda há um resto de vegetação cuidada, árvores frutíferas, sobras de canteiros e caminhos definidos por placas de concreto ou pedras, além de muitos píeres. Mas tudo começa a se deteriorar. Ninguém mais cuida do local e as últimas chuvas deram força para que o matagal se formasse entre muitas árvores caídas por causa das ventanias.
Há ainda restos de tábuas com ameaçadores pregos enferrujados, cacos de telha, vergalhões, mourões abandonados e muito lixo embalado ou não em saquinhos de supermercado – aliás, não dá para entender como é que ainda permitem a distribuição de tanto plástico.
E, sem as cercas, a orla virou o paraíso das capivaras, que fazem suas necessidades fisiológicas por todo canto, distribuindo dezenas de montinhos de pelotas fecais. Pelo ar, quem toma conta são escandalosos quero-queros e discretos caburés, ambos ameaçadores, quando alguém se aproxima de um ninho.
Nada disso assusta o intrépido Tião e sua turma – que, aliás, vive em revezamento, mudando a cada semana. Vai parando para observar a paisagem, bichos e principalmente as mansões que agora estão à vista de todos. “Quem é que mora numa casa desse tamanho? Imagina o trabalho que dá para limpar todos esses quartos”, diz ele, lembrando-se que a mulher, companheira de muitas bodas, só tem faxineira uma vez por semana para dar conta da casa.
Tião virou uma espécie de guia; sabe onde fica tudo, dá notícia de detalhes e quando não sabe inventa. Ele é partidário da teoria do Ari, para quem nada pode ficar sem resposta, mesmo que seja errada. Faz isso há tanto tempo que desconfiamos que seja ele o inventor das notícias falsas (em português contemporâneo, fake news) que tanto atarantam os políticos, que deveriam estar muito mais preocupados com as notícias verdadeiras.
Mas o assunto é a orla. Alguns moradores das pontas-de-picolé deixam cachorrões soltos para assustar e afastar os incautos aventureiros. Não sabem do cajado do Tião, usado com a destreza de um ninja maranhense. Não há cachorro que chegue perto.
Mudando de assunto…
Faz tempo que eu escrevi que Trump e Jong-un deveriam resolver essa questão de mísseis atômicos abrindo as respectivas braguilhas e mostrando o que têm dentro do prepúcio, como qualquer garoto de 12 anos. Não sei por que, preferiram mostrar o botão.
Publicado no Correio Braziliense em 21 de janeiro de 2017