O primeiro líder político a compreender o poder do cinema foi Adolf Hitler. A linguagem pictórica e concisa dos filmes fascinava o füher e ajudou a moldar os discursos que galvanizaram uma geração, com mensagens curtas, diretas e mastigadas para a massa. Hitler via pelo menos um filme por noite e suas impressões sobre eles foram registradas.
Lalomaníaco, assim que a sessão era encerrada ele fazia uma resenha sobre o que acabara de assistir, tudo reproduzido e arquivado pelos asseclas, sempre partindo de “gut” (bom) ou “schlecht” (ruim), para analisar atuações e até planos. Fã de Marlene Dietrich (e quem não era?) e Mickey Mouse, ele impulsionou a indústria alemã de filmes.
Getúlio Vargas foi além: intimidou cineastas e criou a obrigatoriedade da exibição de cinejornais – todos muito simpáticos a ele – antes das películas, além de censurar filmes estrangeiros (Por Que lutamos, de Frank Capra, sofreu vários cortes, antes de Vargas abandonar seu namoro com as forças do Eixo). Também criou leis de incentivo e proteção ao cinema nacional que atravessaram décadas.
É desta época o primeiro filme sonoro brasileiro, o ufanista Coisas Nossas, de Wallace Downey, ironicamente um norte-americano. E ainda o clássico O Limite, de Mário Peixoto, Amor e Patriotismo, de Aquiles Tartari, o musical Alô, Alô Brasil – que juntava outra ponta da propaganda varguista, com sucessos da música popular –, e o Descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro.
Hollywood estava anos-luz à frente e já dominava as telas do mundo – inclusive na Alemanha hitlerista e no Brasil varguista. É deste período …E o Vento Levou, filme de Victor Fleming, que narra um caso de amor durante a guerra civil norte-americana e que levou quatro estatuetas do Oscar, inclusive as de melhor filme e diretor, ator (Clark Gable) e atriz (Vivien Leigh).
Pois o presidente norte-americano Donald Trump usou exatamente este filme para reclamar da vitória do sul-coreano Parasita no Oscar – foram quatro prêmios, incluindo os de melhor filme e diretor. “Que inferno foi esse?”, perguntou o presidente – que ainda misturou questões comerciais bilaterais neste samba.
Trump se sentiu pessoalmente humilhado porque foi exatamente sob sua administração nacionalista que um filme falado em outra língua venceu o mais prestigiado prêmio do cinema dos Estados Unidos. Lembrou a decepção de Hitler ao ver Jesse Owens, negro e norte-americano, conquistar quatro ouros nas Olimpíadas de Berlim (1936), destruindo a teoria da superioridade da raça ariana, um pilar nazista.
Convém lembrar que …E o vento Levou é um filme que não resistiria bem aos tempos de hoje por causa de seu tratamento leviano da escravidão. Para Vivian Leigh, que faturou 25 mil dólares só de cachê, foi um tormento, principalmente nas cenas de beijos com Gable, dono de um mau hálito em cinemascope.
No Brasil, duas pessoas de forte ligação com movimentos religiosos cristãos foram indicadas para a direção da Ancine, a agência que regula o mercado audiovisual e que esteve ameaçada de extinção se não atendesse às mudanças pretendidas pelo presidente. Como se vê, o cinema continua dando as cartas da política. Para o bem e para o mal.
Publicado no Correio Braziliense em 1 de março de 2020