Um dos primeiros livros que me recordo de ganhar, ainda de calças curtas e tropeçando nas sílabas, foi uma coletânea de contos de fantasia. Entre seres mitológicos e gênios de garrafa, um dos personagens mais marcantes dessas fábulas era o Barão de Münchausen. E não apenas por causa do nome que, ainda mais com trema, eu não conseguia pronunciar.
O Barão era um mitômano, um mentiroso contumaz. E na ilustração principal aparecia, com um uniforme colorido, sentado numa bala de canhão disparada em direção a um castelo.
O que eu não sabia na época é que o barão foi uma pessoa real, aristocrata alemão, que se colocava como protagonista das aventuras mais absurdas, em situações em que a realidade se escorava em episódios flagrantemente fantasiosos – foi o precursor da tal realidade aumentada, hoje tão comum nos mundos virtual e real.
O que me encantava não era a mentira, mas a engenhosidade do uso do impossível para concluir as narrativas, como na vez em que, preso num banco de areia movediça, ele afundava inapelavelmente, quando teve a ideia salvadora: safou-se puxando os próprios cabelos. E como ele estava montado, içou o cavalo junto.
O verdadeiro (uma temeridade usar o adjetivo em relação a ele) Barão de Münchausen se chamava Karl Friedrich, viveu de 1720 a 1797, lutou com as tropas russas contra os otomanos, mas ganhou fama como grande contador de histórias. Os casos foram publicados pela primeira vez por Rudolph Erich Raspe, ainda com o barão vivo – há uma bela edição, com gravuras de Gustave Doré.
O protagonista das histórias era sempre o barão. Foi ele quem voou com auxílio de patos, foi arremessado montando uma bala de canhão, subiu até a Lua usando uma corda de apenas dois metros só para buscar a machadinha que ele próprio havia arremessado. As histórias são narradas com a graça do absurdo e transformaram o barão do mentiroso mais conhecido do mundo.
A disputa não é fácil, principalmente na literatura: desde Penélope que, na Odisseia, tece uma interminável colcha para enrolar os pretendentes enquanto espera pela volta de Ulisses, ao Pinóquio, bonequinho de pau que ganhou vida para contar lorotas no livro por Carlo Collodi.
No cinema, personagens como Eve, de All About Eve (A Malvada), interpretada por Anne Baxter, o protagonista de O Grande Gatsby (Robert Redford) ou Brad Allen (Rock Hudson) em Confidências à Meia-Noite fizeram história. Na TV tivemos Don Draper (Jon Hamm), o publicitário de Mad Man, e Volpone (Nei Latorraca) da novela Um Sonho a Mais.
Na vida real os mentirosos não são menos inventivos. Há o caso de Frank Abagnale, falsário que teve suas aventuras narradas no filme Prenda-me se for capaz, o brasileiro Marcelo Nascimento, outro golpista que chegou ao cinema em Vips – Histórias reais de um mentiroso.
E ainda temos a política brasileira, prodiga em meias verdades, mentiras inteiras e enrolações, com negações que vêm de todos os lados. Mas nada disso dá boa literatura ou filmes. E nem tem a graça do velho barão alemão.
Publicado no Correio Braziliense em 24 de março de 2023