O brasileiro ainda procura o fio da meada da História, tentando entender o que está acontecendo com o País, e buscando uma explicação para o emaranhado do novelo; mas no meio do caminho tem uma Copa do Mundo. Ainda bem. O escrete entra em campo hoje com uma obrigação a mais desta vez, além de jogar futebol: mostrar que o Brasil de verdade pulsa, luta e que é possível uma redenção coletiva.
Pode-se argumentar que é exigir muito de um grupo de jovens que só quer jogar bola e não quer saber de política, um microcosmo dos cidadãos. Não são soldados, muitos não têm sequer uma educação formal completa e estão ali só para tentar conquistar mais um caneco. Além do mais, a grande maioria mora fora do País, distante da iniquidade oficial.
E são apenas, se tudo der certo, sete jogos de futebol – um torneio “mixuruca”, como disse Garricha depois da gloriosa conquista do campeonato de 1958, reclamando da falta de um returno.
Não importa. É a luta desses jovens em campo que pode servir de inspiração. Ganhar ou perder – desde que não seja de 7 a 1 – é do jogo, mas eles podem despertar o país dessa letargia moral que, causada pelos malfeitos de homens que deveriam honrar, liderar e servir de exemplo para a nação, abate a todos, a ponto de tantos brasileiros pensarem em desistir de usar sua maior arma, o voto.
A seleção pode mostrar que voto nulo é coisa de gente covarde, que não quer lutar.
Menos mal que o País ainda não sucumbiu às propostas mais radicais – pesquisas mostram que os candidatos à presidência mais obtusos têm muito menos votos do que os brasileiros que ainda não sabem em quem votar, o que deixa claro que a maioria não aposta num messias (nem naquele que carrega, como sobrenome, o nome do bíblico soberano e acha que a solução para tudo é dar um colt para cada cidadão, uma espécie de bolsa-bala).
O Brasil de hoje é um país que tem um Cabral que decidiu encarnar o Tio Patinhas e os Irmãos Metralha num só corpo, tamanha avareza e bandidagem. Aqui, um dos homens mais odiados – ou no mínimo desprezado – é um ministro da corte suprema, até então um venerando símbolo nacional; tem um presidente que quase ninguém quer e onde a maioria da população revela que gostaria de votar num preso.
Não surpreende. Parte desses habitantes – estão longe de serem cidadãos – , num acidente com um caminhão cheio de porcos, ao invés de socorrer o motorista, corre para roubar os suínos, como visto há poucos dias. Não precisamos de patriotadas ou de ufanismos, mas o Brasil clama por exemplos, por lideranças que anulem a baderna que tomou conta da nação. Como os homens públicos não merecem a confiança de mais ninguém, nos resta o escrete.
Mas pátria em chuteiras criada por Nelson Rodrigues é uma bela sacada romanesca; não serve para a vida real. Não precisamos de uma epopeia. Basta uma história decente.
Publicado no Correio Braziliense de 17 de junho de 2018