A política brasileira anda tão sem graça que a liberação das sátiras e piadas que têm suas excelências como personagens, conforme decisão do STF, pode entrar no rol daquelas leis que não pegam. Os humoristas têm se desdobrado para achar graça nas situações nacionais, mas o que deveria ter como consequência o riso, frequentemente acaba em acessos de raiva.
O humorismo crítico é coisa velha, mas a indignação só serve para alimentar a intolerância. Ninguém quer rir de um fato que mostra, afinal, que todos estamos sendo feitos de bobos. É um riso que dói na alma, como as piores sensações humanas.
A todo momento a gente se depara com uma frase gaiata, um meme ou uma historinha nas redes sociais. Há até quem ache graça, mas a maioria tende a acreditar que o palhaço está no aço do espelho.
O absurdo é constante e renovável. O ex-presidente preso agora virou comentarista de futebol e manda considerações sobre a Copa do Mundo, que são lidas num programa de TV, como se fosse coisa normal. Dia desses o programa ia acabando e nada do comentário chegar mas, para alívio geral, chegou – não se sabe como é a comunicação – sem precisar de prorrogação.
É o jeitinho em ação, primeiro caso de correspondência esportiva no cárcere. Ou seja: nada impede que Fernandinho Beira Mar escreva sobre culinária; ou que o ex-governador Azeredo comente os penteados do Neymar. Foi-se o tempo em que as pessoas eram presas para serem isoladas da sociedade. Ou seja: precisa fazer piada sobre isso?
O fato é que política e humor andam juntos desde os tempos dos bobos da corte, que tinham licença para fazer troça com os poderosos. Desde o começo do século XIX, quando já não se cortavam tantas cabeças por pouca coisa, as charges políticas foram popularizadas na Europa – aliás, pelo nome, charge (carga, em francês) vê-se que não era para aliviar.
A história das charges no Brasil tem mais de dois séculos, desde que o Jornal do Commércio publicou a primeira. Mesmo durante as ditaduras continuaram sendo publicadas, ainda que os profissionais tivessem que driblar para escapar dos censores. Mas eis que, em plena democracia, tentaram proibir o humor com políticos.
O jornalista Sebastião Nery reuniu 1950 histórias verídicas – algumas engraçadíssimas, outras pitorescas – sobre políticos em cinco livros; Cláudio Humberto é outro colecionador de histórias que beiram o ridículo e Stanislaw Ponte preta criou o Festival de Besteiras que Assola o País para dar conta dos absurdos nacionais. Não são piadas; são fatos que mostram que o mundo político é mais absurdo do que o teatro de Ionesco.
É bom que as pessoas saibam rir de si mesmas, que o país possa gargalhar com suas falhas. Faz bem para baixar o ufanismo. Antes de tentar impedir o humor é bom lembrar que nem os políticos se levam a sério, como disse Ronald Reagan: “Eu achava que a política era a segunda profissão mais antiga do mundo. Hoje vejo que se parece muito com a primeira”.
Publicado no Correio Braziliense em 1° de junho de 2018