Foram os chineses, há oito mil anos, que domesticaram as galinhas. Desde então a humanidade vem comendo ovos, embora de uns anos para cá as discussões em torno do produto despertem mais cizânia que a briga de coxinhas e mortadelas. Ainda assim, há milênios que a embalagem é a mesma – parecido com a Maizena e o sabonete Phebo.
Mas a vida moderna não se cansa de nos oferecer surpresas. No meu tempo de criança, a mãe mandava a gente na quitanda comprar ovo; não havia necessidade de mais recomendações. A única diferença era a coloração da casca e o único cuidado era não deixar o saquinho cair, porque não tinha nem aquela embalagem de papelão.
As galinhas continuam as mesmas de antes – a análise do genoma feita em 2004 mostrou que elas têm raízes pré-históricas e são descendentes diretas dos furiosos Tiranossauros Rex – mas os ovos não são mais todos iguais. Agora tem até ovo com carimbo.
Eu já tinha entendido essa história de ovo caipira, produzido com galinha que cisca e que não fica confinada comendo ração. Respeito. A gema é mesmo mais amarela. Depois vieram os ovos orgânicos e eu comecei a não notar mais a diferença, o que não me preocupou porque eu não sou um especialista e nem tenho tanto interesse no assunto.
Mas a mais recente novidade no mundo das penosas é o happy egg (o que, traduzido para a língua arcaica, quase morta, do português, significa ovo feliz). E fiquei sabendo que aqueles ovos eram produzidos por galinhas alforriadas, criadas livres, fora das gaiolas e das casinhas de madeira das granjas. A publicidade tratou de transferir a felicidade das galináceas para a gema.
Até acredito que uma galinha possa ser mais triste que outra; sabe-se até que galináceos estressados podem perder as penas. E se o preço é salgado, o objetivo é nobre: evitar o sofrimento dos animais, mais uma imposição da vida tão politicamente correta que o mundo persegue no meio dos absurdos generalizados.
A Sociedade Mundial de Proteção dos Animais tem desenvolvido um programa de abate humanitário (sic), que prevê até a instalação de luzes azuis, mais suaves, nas salas de abates de aves, que devem ser frescas e ventiladas. Antes de morrer, levam choque e desmaiam.
É da crença popular que a galinha sofre para expelir os ovos. Certa vez o ex-presidente Lula comparou o cargo com o ato. “É uma coisa mais difícil do que a galinha botar um ovo. É complicado porque lá elas sofrem, mas botam o ovo. Aqui, a gente sofre, sofre, e às vezes o ovo demora mais tempo do que deveria”. Na época não deu para entender. Nem agora.
Mas as novidades não param por aí. As boas casas do ramo já oferecem ovo em pó – integral, diz a embalagem. Difícil imaginar um ovo estalado e frito, mas o produto é para uso profissional, na fabricação de pães, bolos e macarrão. Não sei onde isso vai parar. Daqui a pouco vão dispensar as galinhas do serviço.
Publicado no Correio Braziliense em 27 de maio de 2018