O negócio parece ser falar mal da inteligência artificial, dos computadores que acham que são gente e dos aplicativos que fazem textos, respondem questões das mais diversas e, dizem, vão nos substituir como espécie dominante do planeta.
Um grupo de 17 escritores – desconfio que não encontraram mais – entrou com um processo contra uma das empresas que vem colocando a tecnologia a disposição do mundo, sob a acusação de roubo sistemático de ideias. Como se todos nós – eles, inclusive – não aproveitássemos experiências passadas para criar novas situações; um furto de ideias.
Parece a história do ator pornô que processou o laboratório que criou o Viagra, ameaçando o emprego dos mais viris.
O incômodo dos escritores é que a inteligência artificial vem produzindo ficção e que os textos são fruto de tudo o que o homem fez desde que começou a contar histórias, antes mesmo de aprender a registrá-las nas paredes das cavernas e, depois, em livros e filmes.
E não foi sempre assim? E o ditado que diz que quem conta um conto aumenta um ponto?
Entre os revoltados estão escritores que ficaram milionários explorando situações relatadas diversas vezes antes deles. Não foi George R.R. Martin que inventou os dragões. Nem as shakespearianas disputas entre nobres, muito menos os gigantes de gelo.
Não há como discutir que os livros Crônicas de Gelo e Fogo – e por conseguinte a série Game of Thrones – são uma mistura de mitologias com urdiduras palacianas e dramas humanos já vistos nos romances mais baratos. Não consta que Robert E. Howard o tenha processado por ter colocado Khal Drogo, aquele arremedo de Conan, no roteiro.
O que o ChatGPT faz é o mesmo. A partir de textos publicados anteriormente o software cria uma situação nova, ou requentada. Como a inteligência artificial está apenas engatinhando, daqui a pouco talvez ela vá conseguir criar histórias tão criativas quanto a que podemos ler entre as mais vendidas (best sellers), de leitura palatável.
Outro revoltado é John Grisham, escritor de suspenses jurídicos, um dos mais populares do mundo. Pois o autor de A Firma deveria se olhar no espelho antes de acusar o pobre computador de atrapalhar seu negócio. Seu livro mais popular – que virou filme – é uma coletânea de situações vistas várias vezes, mas construída com uma engenhosidade que a o ChatGPT ainda não tem.
O aspecto positivo é que a criatividade humana vem sendo posta a prova pela primeira vez desde que os homens deixaram de puxar as mulheres pelo cabelo. O computador já venceu os mestres do xadrez e faz cálculos mais rápidos do que o Beremiz Samir, do livro de Malba Tahan, ou o real indiano Bhanu, que leva segundos para fazer cálculos intrincados.
Também cria imagens impossíveis na realidade, já dirigem carros melhor que muito motorista, e até fazem diagnósticos mais precisos que médicos.
O limite da inteligência artificial é o sonho. É a última fronteira. Enquanto puder sonhar o homem não tem que temer a máquina. Mas por enquanto eu torço pelas engrenagens e logoritmos; até porque está cada vez mais difícil conversar com alguns humanos.
Publicado no Correio Braziliense em 29 de setembro de 2023