Não faz muito tempo – ou talvez faça, porque a medida da passagem dos anos vai mudando na proporção que vamos envelhecendo – o Correio Braziliense publicou uma reportagem sobre ciclistas. Como ainda não havia tantas ciclovias e ciclofaixas, sinal que, sim, faz muito tempo. Mas já havia ciclistas com roupas coloridas e coladinhas ao corpo e bicicletas cheias de gueri-gueri.
Uma mísera frase dizia que, na opinião de algum especialista, ficar sentado muito tempo sobre o selim podia provocar impotência. Bastou para uma enxurrada de protestos, com visitas permanentes à redação de ciclistas revoltados e preocupados; menos com a própria masculinidade, mais com os gritos de “broxa” que imaginavam ouvir quando passassem pela rua.
De outra feita, uma notícia louvou a acupuntura, com depoimentos diversos de casos comprovados de melhoria terapêutica a partir das agulhas espetadas. Desta vez o protesto veio de organizações médicas, que não admitiam alternativas e gostariam de abrigar todos os profissionais da área na salinha dos charlatães ou, no máximo, de corte e costura.
Outro dia mesmo um velho jornalista foi confrontado por proprietários de restaurantes da cidade, contrariados com o que ele havia escrito sobre a comida, o conforto e os preços que encontrou nos estabelecimentos. Ele estava certo: a comida não era tão boa, o conforto nenhum e os preços estratosféricos. O pecado foi divulgar. E teve que enfrentar a ira vestida de dolmas.
É assim mesmo. Imprensa incomoda. As menores coisas viram problemas gigantescos quando saem no jornal. Mas ultimamente essa revolta não respeita os limites da imprensa e tem sido assim por toda parte, num festival de intolerância que grassou e despreza as mais básicas regras da etiqueta. E pode estar aí o busílis: a falência da etiqueta.
Mesmo os mais humildes costumavam ter orgulho do recato, do simples ato de tirar o chapéu na presença de uma mulher até o exagero de tirar o capote para cobrir o chão molhado, abrindo espaço para a dama passar. Com o passar dos anos, fomos esquecendo até de pedir licença para entrar em algum lugar; gentileza virou artigo de luxo.
Hoje há uma falta de educação generalizada e, muitas vezes, proposital, como se fosse um rompimento ao grau de humanidade que alcançamos, um protesto contra os bem-educados, como se isso fosse um mal de raiz ou, pior, representasse uma elite. Onde anda a Socila que não vê isso?
Socila, para quem está chegando agora, é um curso de etiqueta que ficou muito famoso no tempo das misses. Entre outras coisas, ensina as moças a andar com livros na cabeça para calibrar a postura.
Como não temos mais misses, imaginei que não tínhamos mais o curso, mas me enganei: está vivíssimo e cheio de truques para ensinar, inclusive 10 gafes para evitar em casamento e como receber as amigas para um chá vespertino. Agora, me diz um amigo, há até cursos pela internet que ensinam como se portar, mas desconfio que dão muito pouca audiência. Ou então são muito difíceis de entender.
Ou, pior, grossura virou moda.
Publicado no Correio Braziliense em 26 de agosto de 2019