Maio trouxe o céu mais azul do mundo, o frio da noite – acompanhado dos bichinhos invisíveis que nos atacam por dentro – e o adeus à chuva. Já temos água na torneira, os gramados ainda vicejam e árvores estão cheias de frutos, especialmente amoreiras, mexeriqueiras e algumas pitangueiras mais teimosas. Mas a cidade ficou mais pobre.
Não precisava ser bidu para saber que, com a morte de Lúcia Garófalo, a Brasília Super Rádio FM não resistiria por muito tempo. Foi só o tempo esfriar para tudo mudar. A frequência 89.9 agora é ocupada por uma dessas emissoras enlatadas, a partir do que os especialistas gostam de chamar de gosto universal; ou seja serve para paulistano ou para marciano, se é que há alguma diferença entre eles.
Virou apenas mais uma posição do dial, com as mesmas músicas que outras tocam, sem contribuir um milímetro para a ampliação do conhecimento de ninguém, apenas repetindo e ecoando. Ficaremos sem algumas companhias agradáveis, como Luis Orlando Carneiro em seu Jazz de Todos os Tempos dos sábados, e Lincoln Luis, de Bravíssimo, batalha dominical entre as melhores árias.
A cidade também perde o seu Piano ao Cair da Noite, em que pianistas se revezavam todos os dias às 18 horas, no Conjunto Nacional, mostrando um repertório eclético e que era transmitido ao vivo. E ainda ficaremos sem os concertos semanais produzidos pela rádio holandesa a partir de apresentações realizadas em vários países
Enfim, não se vive de passado; mas também ninguém quer ficar sem perspectiva de futuro. Há um abaixo assinado correndo por aí pedindo o retorno da emissora, mas é uma bobagem; por mais que a gente vá sentir falta das vozes e do conhecimento de Sérgio Gaio, João Carlos Taveira (na Vesperal Lírica) ou José Américo, a emissora era um empreendimento pessoal do casal Garófalo. Mas dava para ser melhor.
Márcio Lacombe ficou arrasado. Foi furtado e, sem rádio no carro, só soube do triste fim por amigos. Ele é do tempo em que as emissoras tinham outras preocupações além de repetir canções que ficam mais velhas a cada dia. Havia conhecimento, novidade e frescor, por mais superficial que fosse.
Rádio é concessão pública, mas o governo parece se preocupar apenas com a desburocratização do setor – o que é saudável, mas não o suficiente. Não há diretrizes sobre programação e cada um faz o que quer, bom para emissoras jornalísticas ou nas que se dedicam à comunidade e fazem da prestação de serviços sua bandeira.
Mas as emissoras de entretenimento em rede precisam de ordem. São grandes empresas que se limitam a fazer uma programação musical comum, quase sempre baseada em sucessos estrangeiros de passado recente, apenas jogando música irrelevante no ar. Bom só para quem está numa cadeira de dentista.
Ninguém deve ser obrigado a ouvir o que não quer, mas a vantagem de se ter uma variedade tão grande de emissoras, como acontece hoje, acaba no momento em que tantas apresentam uma programação tão similar e desconectada da vida da comunidade.
Publicado no Correio Braziliense em 13 de maio de 2018