Leila Barros Bronze em Atlanta-1996 e Sydney-2000, Leila Barros foi a relatora no senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado Bronze em Atlanta-1996 e Sydney-2000, Leila Barros foi a relatora no senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Quinze pontos sobre a nova Lei Geral do Esporte aprovada no Senado; projeto segue para Câmara

Publicado em Esporte

Em tempos de protestos por atraso salarial no Internacional, indignação do volante Edenilson devido ao desfecho inconclusivo da apuração de denúncia de injúria racial, da situação constrangedora do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que ainda não tem casa própria e terá de deixar o prédio alugado na Barra da Tijuca, como contou o colega Demétrio Vecchioli no blog Olhar Olímpico do UOL,  e tantos outros perrengues no país que recebeu recebeu, em 10 anos, um Pan (2007), uma Copa das Confederações (2013), uma Copa do Mundo (2014) e uma Olimpíada (2016), o Senado aprovou na noite desta quarta-feira o projeto da nova Lei Geral do Esporte (LGE). O texto de 137 páginas do PLS 68/2017 atualiza e aperfeiçoa a Lei Pelé, de 24 de março de 1998, que regulamenta a prática desportiva no país. O documento segue para análise da Câmara dos Deputados. 

 

Chama a atenção um certo descompasso do texto com uma das maiores revoluções do esporte nacional: a instituição da Sociedade Anônima do Futebol. Embora a SAF tenha uma legislação própria, a LGE passa a impressão de que nasce velha ao expor um conjunto de controles rígidos e até punições para dirigentes envolvidos em corrupção. Além disso, faz cobranças ineficazes no âmbito da política, como exigência de ficha limpa. 

 

Como a SAF é vista cada vez mais como alternativa quase obrigatória para clubes endividados, a tendência é de que, cada vez mais, os presidentes de clubes alvos da LGE assumam o papel de “Rainha Elizabeth”, ou seja, uma peça política decorativa. Todo o poder passa a ser do dono ou do grupo de investidores que assumem a conta.  Quem, por exemplo, cobra transparência em relação ao dinheiro aplicado nos clubes? Fala-se em crime de corrupção  privada, mas não há aprofundamentos com relação, por exemplo, ao risco de lavagem de dinheiro no futebol brasileiro. 

 

Com isso, a nova LGE coloca contra a parede, principalmente, dirigentes de confederações de modalidades olímpicas, principalmente as abastecidas por verbas públicas. Chama a atenção, ainda, a derrota dos esportes eletrônicos. Os chamados e-sports movimentam cada vez mais uma quantidade imensa de seguidores e de dinheiro. Houve lobby para a inclusão no Sistema Nacional de Esporte, mas as emendas não passaram. 

 

Especialista em direito desportivo, o advogado Maurício Corrêa da Veiga destaca alguns pontos. “Fala sobre a necessidade do registro do contrato especial de trabalho desportivo, sobre a ausência de discriminação entre homens e mulheres, a proibição de qualquer conduto discrimatória em relação a mulheres no período de gestação, o combate efetivo a corrupção com pena de reclusão que varia de dois a quatro anos, também controle de antidopagem”, diz.

 

Mauricio Corrêa da Veiga destaca um outro ponto. “Define o conceito de atleta profissional. Atualmente, a legislação é vaga e não atende a realidade. Presume-se que um atleta profissional é aquele que tem um contrato de trabalho registrado. O novo texto diz que atleta profissional é aquele que recebe a sua remuneração independentemente de que forma for e por meio dela mantém o seu sustento e de sua família”.

 

Segundo ele, há posições importantes em relação ao combate ao racismo e prevenção de práticas de discriminação racial nas arenas esportivas. Também há o capítulo que fala especificamente das transmissões esportivas e destinação de verbas, constituição de fundos. É um novo marco para o esporte no território brasileiro”, avalia o especialista (assista ao vídeo no fim deste post).

 

A seguir, o blog separou 15 pontos do texto aprovado no Senado com relatoria da ex-jogadora de vôlei e hoje senadora Leila Barros (PDT-DF) e intervenções de parlamentares vinculados ao esporte como os colegas de partido Romário e Carlos Portinho (PL-RJ) e Jorge Kajuru (Podemos-GO). O projeto ainda será submetido à apreciação da Câmara dos Deputados antes da possível sanção (ou não) do Palácio do Planalto. 

 


 

  1. Exigência de mulheres em cargos de direção dos clubes

 

Dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, apenas um tem uma mulher na presidência. Leila Pereira assumiu a Sociedade Esportiva Palmeiras no fim do ano passado. Essa é uma das exigências da nova lei para a liberação de recursos federais e de loterias. 

 

  1. Inclusão

 

Além da presença de mulheres em cargos de gerência, a LGE coloca como critério para que as organizações esportivas recebam repasses de recursos federais a contratação de pessoas com deficiência e de aprendizes. Também acatou a emenda para obrigar o cumprimento da Lei de Aprendizagem e a permissão de atletas surdolímpicos como candidatos a receber a Bolsa Atleta. 

 

  1. Equidade na premiação entre gêneros

 

O tema surge como grande novidade na nova Lei Geral do Esporte, mas, na verdade, mostra o nosso atraso. As Seleções de futebol feminina e masculina dos Estados Unidos terão igualdade salarial. Em competições oficiais, incluindo a Copa do Mundo, os jogadores das seleções feminina e masculina receberão pagamentos idênticos por partida.

 

  1. Combate ao preconceito nos espaços esportivos

 

Nesta quarta-feira, o volante Edenilson protestou contra o relatório inconclusivo da perícia oficial realizada pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul sobre a denúncia de injúria racial do jogador em relação ao lateral do Corinthians, Rafael Ramos, em 14 de maio, na partida disputada no Beira-Rio pelo Campeonato Brasileiro. Em 2014, a CBF chegou a eliminar o Grêmio da Copa do Brasil por causa de atos racistas de uma torcedora flagrados por imagem de tevê no estádio do clube contra o goleiro Aranha, do Santos.

 

O da LGE institui a política de paz nos espaços ao determinar sanções administrativas a pessoas, associações, clubes ou empresas que praticarem condutas discriminatórias, racistas, xenófobas, homofóbicas ou transfóbicas com multas que variam de infrações leves de R$ 500 a R$ 2 milhões, bem como o afastamento dos eventos esportivos.  

 

  1. Atraso salarial

 

Na semana passada, o Internacional, um dos clubes mais tradicionais do país, anunciou greve sob alegação de atraso no pagamento dos salários. Na prática, a relatora Leila Barros (PDT-DF) acolheu sugestão do senador Romário (PL-RJ) a fim de considerar o atraso no pagamento dos direitos de imagem como hipótese de rescisão indireta do contrato especial de trabalho esportivo. O Baixinho sugere dois meses de tolerância. Depois disso, abre a possibilidade de quebra do vínculo ou greve — a recusa do atleta de entrar em campo. 

 

  1. Crime de corrupção privada

 

Em tempos de denúncias de manipulação de resultados pelo país, o texto da LGE não trata especificamente sobre esse assunto, mas inclui o crime de corrupção privada no esporte. Segundo o projeto, fica estabelecida pena de reclusão de dois a quatro anos e multa para o agente que “exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, como representante de organização esportiva privada, para favorecer a si ou a terceiros”, diz o documento. 

 

  1. Vínculo entre menor e clube

 

Na esteira do sucesso da medalhista de prata Rayssa Leal em Tóquio-2020, a LGE reconhece o direito à remuneração para atletas mesmo no período da formação lúdica ou competitiva. Na velha lei, isso não seria possível. A interpretação é de que texto atualiza uma demanda do mercado esportivo.  

 

  1. Contrato de trabalho

 

O texto apresenta premissas em que se devem basear as relações econômicas advindas da

prática do esporte, define direitos e deveres para os trabalhadores esportivos (atletas, treinadores e árbitros), estabelece deveres para as organizações esportivas voltadas à prática profissional e delimita as especificidades do contrato de trabalho especial esportivo. Aborda, ainda, aspectos dos contratos de intermediação, representação e agenciamento e da transição de carreira do atleta profissional.

 

  1. Efeito Chapecoense

 

Uma novidade da LGE é inspirada nas discussões da CPI da Chape, que apura o acidente aéreo de 2016 do clube catarinense. As organizações esportivas passariam a ter a obrigação de contratar seguro de vida e de acidentes pessoais para os treinadores esportivos. Uma das vítimas da tragédia, Caio Júnior, por exemplo, não estava protegido. A lei anterior previa apólice apenas para os atletas profissionais. 

 

  1. Ficha limpa

 

O nome é bonito, tem provas de ineficiência na política, mas deve ser inserido no esporte. O texto estabelece critérios para impedir que pessoas afastadas por gestão temerária ou fraudulenta comandem clubes e/ou federações. Com o avanço da SAF no futebol brasileiro, há tendência de que a medida cause impacto, principalmente, nos esportes olímpicos e federações de futebol. A ideia é travar gestores inadimplentes, irresponsáveis na prestação de contas de recursos públicos. Vale lembrar que, nos clubes de futebol, os presidentes assumem cada vez mais o papel de “rainha Elizabeth” ao migrarem para a SAF. 

 

  1. Efeito Meninos do Ninho

 

Desconfio de que o incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo, em 2019, seja um dos motivos para a atenção às relações trabalhistas nas categorias de base. O plano é garantir mais proteção aos jovens nas organizações esportivas responsáveis pela formação e estabelece mecanismos mais rígidos de fiscalização do cumprimento dessas regras. 

 

  1. Direitos de transmissão

 

Esse ponto não chega a ser novidade. Foi um dos primeiros e mais midiáticos temas discutidos. O texto reconhece que pertence às organizações esportivas mandantes o direito de exploração. Resguarda aos atletas profissionais participantes do evento um percentual de 5% do montante resultante da exploração dos direitos de difusão, salvo acordo coletivo de trabalho. Estabelece também que o direito de uso de imagem, pertencente ao atleta, pode ser por ele cedido ou explorado por terceiros.

 

  1. Marketing de emboscada

 

A nova LGE combate a estratégia que envolve marcas que tentam associar seus produtos ou serviços a um grande evento que já conta com empresas patrocinadoras oficiais. Em outras palavras, proíbe o proveito publicitário indevido e ilegítimo, obtido mediante o emprego de qualquer artifício sem amparo em contrato celebrado entre as partes legítimas.

 

  1. Fundesporte

 

A nova LGE prevê a criação do Fundo Nacional do Esporte (Fundesporte). As fontes de recursos seriam a tributação de alimentos e bebidas com alto teor de açúcar, gordura saturada e sódio superiores aos limites definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entre os objetivos do Fundesporte estão o fomento de estudo, pesquisa e avanço tecnológico na área do esporte, e a criação de programas de capacitação e formação de treinadores. 

 

  1. Esportes eletrônicos

 

Emergentes e mais populares do que muitas modalidades esportivas convencionais, os esportes eletrônicos tiveram lobby favorável à inclusão da Confederação Brasileira de Desportos Eletrônicos no Sistema Nacional de Esporte por pelo menos três senadores, mas todas as emendas foram rejeitadas, inclusive a sugestão de alteração do conceito de esporte como atividade predominantemente física. Há promessa de que essa demanda e apostas esportivas sejam discutidas separadamente no Congresso Nacional.  

 

 

 

 

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