Fluminense Peter Siemsen e Pedro Abad apresentam as propostas aos sócios no Lago Sul (DF). Foto: Marcos Paulo Lima

Entrevista: Peter Siemsen, presidente do Fluminense

Publicado em Esporte

O investimento no programa de sócio-torcedor e a democratização de eleições como a do Fluminense, que dá poder de voto ao associado, transforma cidades como Brasília em um reduto capaz de influenciar no pleito de um clube lá do Rio. De passagem pela capital para apoiar o comício do candidato Pedro Eduardo Silva Abad, 45, para cerca de 100 associados brasilienses que têm o direito de ir às urnas, o atual mandatário, Peter Siemsen, conversou com o Correio sobre o clube que comanda desde 20 de dezembro de 2010. Em uma mansão enfeitada com balões nas cores do clube, bandeiras, banners do candidato, copos personalizados, coquetel e o hino do clube ao fundo, o cartola não deixou pergunta sem resposta. Justificou o apoio a Abad citando até Eurico Miranda nos ataques a Celso de Barros e Mário Bittencourt, elegeu a troca de Abel Braga por Vanderlei Luxemburgo como um dos equívocos de seu mandato, deu de ombros para o sucesso dos ex-tricolores Fred no Atlético-MG e Diego Souza no Sport, bancou a realização da Primeira Liga em 2017 e ironizou os rivais que cobram do Flu o pagamento da Série B. O clube havia sido campeão da Série C em 1999 e deveria disputar a Copa Havelange de 2000 no Módulo Amarelo — equivalente, à época, à segunda divisão. No entanto, figurou no Módulo Azul.

 

MPL – O seu mandato está chegando ao fim. Quais foram os erros e os acertos?
Peter Siemsen – A questão do Abel (Braga) e a contratação do Vanderlei Luxemburgo. Foi um erro muito grande. Ali, eu fui contra, aceitei a decisão, mas não deveria ter aceitado. Mas, vida que segue… O meu orgulho é essa mudança que fizemos em Xerém. O Centro de Treinamento Pedro Antonio está 85% pronto, na Barra da Tijuca, o melhor do Brasil. Ter aberto o clube democraticamente para o sócio-torcedor votar. O contrato do Maracanã, que nos deu o orgulho de bater o pé, ficar fixo no lado direito da torcida. Isso era um sonho meu desde 1975. É muito ruim você ficar trocando a cada jogo, você não se sente em casa. O Vasco tem São Januário, a gente ainda não tinha. E tem o projeto do nosso estádio. Nós vimos o Fluminense atrasado em quase 100 anos em infraestrutura, então acho que a gente acordou.

MPL – Por que o apoio ao Abad e não ao Celso Barros ou ao Mario Bittencourt?
Peter Siemsen – É a continuidade das coisas boas. A chance de uma mudança importante no futebol profissional, que tem de ser feita de uma forma sustentável. O Fluminense ainda não está pronto para ficar discutindo apenas jogador e técnico. Nós já construímos centro de treinamento, promovemos uma enorme evolução na base, temos o início do projeto europeu, ainda falta o nosso estádio em modelo idêntico ao do Atlético, com o Independência e o Mineirão. O Fluminense tem que ter o seu estádio com 25 mil, e o Maracanã; saber usar bem as duas coisas. E tem que ter a sociedade anônima.

MPL – Mas por que não Celso Barros ou Mario Bittencourt?
Peter Siemsen – O Celso teve o momento dele. Disseram que o Fluminense sofreria sem a Unimed. Nós estamos com saúde financeira e quem vive um momento difícil em seu segmento é o patrocinador. Mario Bittencourt foi um vice que usava conceitos dos anos 1980, 1990, com uma filosofia, uma cultura personalista. Gente, isso é euriquismo. Ele colocou a vontade de ser presidente à frente do Fluminense.

MPL – Qual é o potencial dos sócios-torcedores do DF na eleição?
Peter Siemsen – Muito grande. É o nosso segundo maior polo em número de sócios depois do Rio de Janeiro. Eu me sinto orgulhoso por dar abertura no clube ao voto dos associados. O Fluminense era um clube fechado, em que tudo era decidido no conselho, nos corredores… Isso mudou completamente. Vamos ter praticamente 14 mil pessoas aptas a votar, de diversas partes do Brasil, e certamente muito mais na próxima eleição, já que temos 30 mil sócios.

 

“O Celso Barros teve o momento dele. Disseram que o Fluminense sofreria sem a Unimed. Nós estamos com saúde financeira e quem vive um momento difícil em seu segmento é o patrocinador”

MPL – Fred e Diego Souza estão entre os principais artilheiros do Brasileirão. Dá dor de cotovelo?
Peter Siemsen – Não. No caso do Diego Souza, a saída foi mais por incompatibilidade de modelo de jogo naquele momento, quando a gente tinha o Fred, ou seja, jogadores com características semelhantes. Ambos precisam da equipe jogando para eles. Isso dificulta muito deixá-los no mesmo time. A artilharia do Diego vem num time que estava bem no início do ano, mas que briga para não entrar na zona de rebaixamento. Fred está em um time que tem um dos melhores elencos do Brasil, em um novo desafio. Isso ajuda muito.

MPL – A parceria política com o Flamengo, inclusive na questão do Maracanã, segue de pé?
Peter Siemsen – A relação é boa. Quando a gente respeita as divergências e trabalha junto naquilo que é objetivo comum, tudo funciona bem. É o caso da nossa relação.

Vocês pensaram em fazer como Inter e Milan no San Siro, ou seja, batizar o Maracanã de Mário Filho em jogos do Fla; e de Nelson Rodrigues em partidas do Fluminense?
A gente só pode pensar nisso a partir do momento em que houver uma decisão sobre o futuro do contrato com o consórcio. Como ainda existe uma grande indefinição, ainda não é o momento de se discutir esse ponto.

 

“O Mario Bittencourt foi um vice que usava conceitos dos anos 1980, 1990, com uma filosofia, uma cultura personalista. Gente, isso é euriquismo. Ele colocou a vontade de ser presidente à frente do Fluminense”

MPL – Por falar nos arquirrivais, até que ponto o “paga a Série B” o incomoda?
Peter Siemsen – Isso faz parte do folclore brasileiro. Cada time é criticado de uma maneira, os adversários pegam no pé de um jeito. A verdade é que o Fluminense enfrenta isso de uma maneira firme. Essa questão da Série B é da década de 1990, não existe mais. A questão atual (do Fla-Flu) nós fomos pela correção da regra. Na outra (caso Portuguesa), o Fluminense não tem nada a ver com escalação irregular. Apenas acompanhamos o processo para ver se tudo estava sendo feito de uma forma correta.

MPL – Uma das suas brigas é pelo fim do STJD?
Peter Siemsen – A gente tem o exemplo recente do Real Madrid. Usou um jogador irregular e foi eliminado da Copa do Rei da Espanha. O Légia Varsóvia foi excluído da Liga de Campeões na temporada passada. Ato administrativo, sem tribunal, sem desgaste… Acabou o jogo, detectou que tem jogador irregular, na mesma hora o time é excluído, é eliminado, e na sequência o outro time já joga, mantendo a credibilidade do campeonato. Esse negócio de ter um tribunal, fase de instrução, provas, advogados, defesa oral, depoimento, atrasa a solução do problema e cria uma insegurança e uma falta de credibilidade para o evento. Espanta patrocinadores e investidores.

 

“Isso (pagar a Série B) faz parte do folclore brasileiro. Cada time é criticado de uma maneira, os adversários pegam no pé de uma forma. Essa questão da Série B é da década de 1990, não existe mais”

MPL – Um tricolor me contou que um dos seus projetos é abrir o Flu a investidores internacionais?
Peter Siemsen – Isso… Mas o mercado brasileiro, hoje, não está pronto para isso. É o projeto de lei que está em estudo no Congresso Nacional, que a gente chama de Sociedade Anônima Futebolística, que vai ser facultativa, porém dá condições especiais, mantido o controle associativo, para abrir capital em bolsa, a investidores estrangeiros, ou seja, com o Fluminense podendo participar do mercado mundial do futebol. A ausência disso atrasa muito o desenvolvimento do futebol brasileiro. Todo mundo sabe que o mercado de energia no Brasil cresceu quando foi aberto a investidores. O mercado de aviação está sendo aberto a investidores. A telefonia mudou da pré-história para a modernidade. Quando a gente puder atrair investidores, o mercado brasileiro se aproxima da Europa.

MPL – O calendário do futebol sul-americano mudou. Há espaço para a Primeira Liga em 2017?
Peter Siemsen – Vai seguir. Nós já fizemos contrato com a televisão, as datas estão definidas, então, em princípio, vai ser realizada a partir de 22 de janeiro.

MPL – Mas há racha político. O presidente do Atlético-MG, Daniel Nepomuceno, diz que o Galo não joga.
Peter Siemsen – Houve no início, mas foi totalmente contornado, e o presidente Gilvan (do Cruzeiro e da  Primeira Liga) contornou de forma democrática. Todos os e-mails que eu recebi até agora são favoráveis. O Atlético-PR tinha um problema, mas era só ele; a Primeira Liga está sólida. Alguns clubes vão disputar a Pré-Libertadores, mas faz parte…