Jemerson monaco Jemerson enfrenta o Borussia Dortmund na tarde desta terça-feira. Foto: Valery Ache/AFP

Um bate-papo com o zagueiro Jemerson, do Monaco

Publicado em Esporte

Na vida real, Jemerson de Jesus Nascimento, 24, joga pelo Monaco. No mundo virtual, gostava de brincar de PlayStation com outro time. “Eu geralmente usava muito o Borussia Dortmund”, revelou antes do sorteio dos duelos das quartas de final da Liga dos Campeões da Europa. Parecia profecia. As bolinhas da Uefa colocaram justamente o clube alemão na rota do Monaco. O jogo de ida é nesta terça-feira (11), às 15h45, no Westafalenstadion. No bate-papo a seguir, o baiano de Jeremoabo (BA) fala das quartas de final da Champions League, da vida difícil na roça antes de ser jogador, da mágoa de ter ouvido não do Santos depois de dois meses de testes no clube paulista, e exalta quem o colocou na vitrine — o Atlético. Um dos xerifes da defesa do time mais ofensivo da Europa, Jemerson fala que é feliz porque começou tarde no futebol e teve infância, se emociona ao lembrar que via o GP de Monte Carlo pela televisão e hoje passa todos os dias pelo circuito de rua da Fórmula 1, e avisa aos concorrentes: está na briga para disputar a Copa de 2018.

 

De Jeremoabo para a Champions League. Qual é a sensação quando você ouve a música antes do jogo?

Aquela música deixa o jogador arrepiado. Você brinca de videogame, joga, mas, ali dentro, a sensação é inexplicável. A gente pilha para a batalha.

Por falar em PlayStation, você já controlou o Jemerson no videogame?

Acho que só uma vez. É difícil eu jogar comigo mesmo. Brinco com os meus amigos, mas prefiro brincar no modo carreira quando estou sozinho.

E qual time você gosta de manipular?

Eu geralmente usava muito o Borussia Dortmund.

Justamente o próximo adversário. Jogo duro?

O Borussia é um grande time, mas é uma equipe jovem como a nossa, apesar de ter jogadores experientes mais experientes na Champions League. Espero dois jogos muito equilibrados no ataque. Tomara que a gente tenha uma sorte melhor.

Jemerson nunca gostou de controlar a si mesmo no videogame: "Geralmente usava o Borussia Dortmund"
Jemerson nunca gostou de controlar a si mesmo no videogame: “Geralmente usava o Borussia Dortmund”

O Monaco é o time mais ofensivo da Europa. O que explica isso?

Nós temos muitos jogadores ofensivos. Lemar, Bernardo Silva, Mbappé, Fabinho, João Moutinho… São muitos jogadores com características de ataque. E tem o Falcao Garcia, que voltou para o Monaco e está arrebentando. Isso nos faz ter obssessão pelo gol. Mas tudo é o conjunto. Não adianta o ataque estar muito bom e a defesa, não.

E o moleque Mbappé?

É um menino de muito talento e com um futuro muito promissor pela frente. Agora foi convocado, o mundo inteiro está de olho no futebol dele. Tem tudo pra ser uma grande estrela em pouco tempo.

O DNA ofensivo do time é o técnico português Leonardo Jardim?

Ele propõe esse tipo de jogo há três temporadas. É assim desde que ele chegou. Independentemente de quem joga, sabe o jeito que ele quer, como ele gosta. Está dando certo e espero que continue assim até o fim.

“Eu brinco que sou feliz porque eu tive a minha infância. Geralmente, jogadores começam muito novos e perdem a infância. Eu comecei um pouquinho tarde, com 16 anos”

Leonardo Jardim é português. Facilitou a sua adaptação?

Não somente ele. Tem outros jogadores portugueses, brasileiros… Isso ajuda a se habituar ao novo clube. Quando ele quer falar alguma coisa específica, vem falar comigo por causa da língua (portuguesa) e isso é importante.

Quais são as lembranças de Jeremoabo (BA)?

Eu só tenho lembranças boas. Eu brinco que sou feliz porque eu tive a minha infância. Geralmente, jogadores começam muito novos e perdem a infância. Eu comecei um pouquinho tarde. Iniciei com 16 anos. Ir para um time profissional sem passar pela base é tarde. Comecei com 16, 17 anos… Eu estudava, brincava e trabalhava na roça com os meus pais. Capinava, fazia de tudo um pouco. Mas o foco dos meus pais era sempre nos meus estudos.

Quem detectou potencial em você?

Um amigo (João Oliveira) me viu jogando em Jeremoabo e perguntou se eu não queria fazer um teste. Havia um campeonato regional e estavam pegando jogadores para disputar a competição. Aceitei na hora. O cara gostou de mim. Fui fazer um teste no Confiança-SE. Imagina o que era isso para um cara de Jeremoabo (risos)! Fomos eu e mais dois amigos. Fiquei lá (no Confiança) um ano e pouco e disputei a Copa São Paulo. Foi quando o meu empresário me levou para fazer um teste no Atlético. Passei. Os outros dois amigos voltaram para Jeremoabo e eu vim parar aqui para Mônaco.

Mas antes você ouviu muitos não…

Fiz teste no Santos, no Palmeiras, no Vasco, mas foi no Atlético que deu certo.

“Um dia, eu estava em Jeremoabo vendo Fórmula 1 pela televisão, torcendo por ídolos. Agora, eu estou aqui, passando por esse circuito (de Monte Carlo) todos os dias”

Qual foi o não mais doloroso?

Não é que foi doído, mas o caso que me deixou chateado foi do Santos. O teste durou dois meses. Chegou no fim, o cara disse que eu não estava aprovado. Fiquei pra baixo, mas tranquilo. Eu segui a vida. A gente ouve vários nãos, mas a vida não acaba, um dia dá certo.

E o dinheiro para rodar o Brasil fazendo testes?

Eu não tinha. A família ajudava. Quando faltava dinheiro dos parentes, eu pedia para amigos. Assim que eu cheguei no Confiança-SE, comecei a ter apoio do meu empresário.

E a vida aí em Mônaco?

Tem muito luxo, só festa, mas eu não ligo pra isso, não. Levo uma vida tranquila, sossegada, como se eu estivesse em Belo Horizonte, onde morei por seis anos. Não é porque eu vim para Mônaco que vou mudar o meu dia a dia. Sou um cara muito simples, não preciso ser uma pessoa que eu nunca fui. A minha vida é simples, independentemente do lugar. Se fosse até para escolher entre Mônaco e BH, eu ficaria com BH (risos).

Você viu Fórmula 1 pela tevê e hoje passa todo dia pelo circuito…

Fui ver a Fórmula 1 uma vez. Aqui, o circuito é na rua. Eu passo quase todos os dias no trajeto da F-1. É o meu trajeto. Dá uma lembrança bacana. Um dia, eu estava em Jeremoabo vendo F-1 pela televisão, torcendo por ídolos. Agora, eu estou aqui, passando por esse circuito todos os dias.

E o idioma?

Voltei a fazer francês. Estou na terceira aula. Parei uns quatro, cinco meses, mas voltei. É difícil. Eu tenho tradutor quando vou dar entrevistas, mas, no dia a dia, a minha esposa é quem fala. Eu fico calado, mas eu vou aprender (risos).

Verdade que te chamavam de Zé Pequeno lá na sua terra?

Quando eu cheguei ao Confiança vieram com essa de Zé Pequeno. Eu nunca havia visto o filme Cidade de Deus. Um dia, fui olhar para ver se parecia e descobri que não tinha nada a ver. Aí, que eu não gostava. Pararam com isso.

No Atlético, a torcida batizou você de “Blackenbauer”. O Monaco usou a brincadeira e deu problema?

Eu fiquei sabendo. Falaram que era racismo. Eu não ligo, até gosto. É o jeito carinhoso da torcida. Levo na brincadeira. O clube justificou. Racismo nunca aconteceu comigo. Aqui, em Mônaco, é muito tranquilo quanto a isso.

A onda de terrorismo na França o assusta?

Teve isso numa cidade vizinha, Nice, mas eu prefiro não pensar muito nisso. Pode atrapalhar o meu dia a dia. Deixo isso de canto. Penso que nada de mal vai acontecer.

O Dunga convocou você uma vez. Tite, ainda não…

Não tive contato com o Tite. Seleção depende muito do que estou fazendo no clube. O Monaco está bem. Somos líderes do Campeonato Francês e estamos nas quartas da Liga dos Campeões. Quando a oportunidade chegar, eu espero estar pronto.

Acha impossível você disputar a Copa de 2018?

Está em aberto. Nada é impossível. Tem muita coisa para rolar até a Copa. Jogadores que estão bem, hoje, podem estar melhor ou pior amanhã. Um ano é muita coisa no futebol.

Você tem 38 jogos e um gol na temporada. Foi especial?

Foi um alívio (risos). Fazia tempo que eu vinha jogando e não marcava um gol. Quando eu marquei, a minha mãe (dona Rita) estava aqui. Dediquei a ela. Minha mãe ia muito aos jogos do Galo.

“Tem muita coisa para rolar até a Copa. Jogadores que estão bem, hoje, podem estar pior ou melhor amanhã. Um ano é muita coisa no futebol”

E a amizade com Fabinho, Jorge e Boschilia?

Eu sempre facilito a vida do Jorge. Quando ele quer saber onde fica alguma coisa, explico a ele, indico lugares. Quando você chega em um país diferente e não domina a língua, é complicado, mas ele está se sentindo bem. O Fabinho mudou de posição. Deixou de ser lateral, virou volante e agora é artilheiro. Merece uma oportunidade na Seleção. O Boschilia vinha bem, mas se machucou. Uma pena, a gente fica triste com a contusão dele.

Tá acompanhando o Atlético?

Agradeço ao Galo por tudo que me proporcionou. Foi quem me fez profissional, levou para dentro do campo com aquela torcida maravilhosa apoiando.

Entrevista publicada na edição de 20 de março do Correio Braziliense
Entrevista publicada na edição de 20 de março do Correio Braziliense

Quem é o time da virada: o Barcelona ou o Atlético?

Contra o Corinthians e o Flamengo, pela Copa do Brasil de 2014, foram jogos históricos. Por outro lado, eu não estava jogando (na Libertadores de 2013), mas fazia parte do grupo. O Galo é famoso por isso. Poucos times têm tantas viradas assim. As reviravoltas do Atlético ficaram para a história.

Está acompanhando o Gabriel, nova aposta do Atlético para a zaga?

Eu vi o Gabriel jogar na base. Todos falavam que ele era bom e está mostrando isso agora. Que ele continue nessa batida e faça um caminho igual ou melhor do que o meu.

A escola de zagueiros do Atlético está sempre promovendo alguém para os profissionais. Que olhar clínico é esse para detectar zagueiro?

Todo ano aparece um e joga. Apareceu o Gabriel e daqui a pouco surge outro. A escola de zagueiros do Atlético é muito boa.