Urros e hematomas

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 Ela frequenta o andar de cima. Ministros, desembargadores, presidentes a recebem nos gabinetes. O andar de baixo pode acessá-la na internet. Trata-se da revista Em questão. Publicada pela Presidência da República, ela chegou à 1000ª edição. O feito mereceu número comemorativo. E, claro, chamou a atenção de gregos, troianos e tupiniquins. Ops! Nesta terra descoberta por Cabral, leitores arrepiaram os pelos da cabeça aos pés. A razão: a criatura não combina com o criador.

Folhas soltas dificultam o manuseio. Títulos incompletos comprometem a compreensão. Zigue-zagues nos tipos de letras confundem o leitor. Pior: tropeços e pontapés na língua ofendem os amantes do vernáculo. Sobram agressões. Pleonasmos, crases, pontuação, emprego das maiúsculas e dos pronomes provocam urros de dor. Banhados de sangue e cheios de hematomas, os pobres maltratados procuraram a coluna. Querem reparação.

Xô, acentinho

“Saúde da Família chega à 50% dos brasileiros e melhora indicadores sociais”, diz título da pág. 4. Valha-nos, Deus! Crase é como aliança no anular esquerdo. Indica o casamento de dois aa. Um: a preposição. O outro: quase sempre o artigo. No texto, o primeiro a está claro. É exigência do verbo chegar (algo chega a alguém ou a algum lugar). Falta o segundo. Aliás, o artigo é o eterno calo da crase. Na dúvida, recorra ao tira-teima. Construa uma frase em que 50% seja sujeito (50% dos brasileiros se beneficiam do programa). Viu? Nada do pequenino Sem ele, o acento não tem vez. Xô!

Sem pedigree

“Aumento da produção de pescados deve chegar ao prato dos Brasileiros”, anuncia matéria da 12. Convenhamos. Brasileiros, franceses, ingleses, russos, iranianos & demais adjetivos pátrios merecem todo o nosso respeito. Nem por isso têm sangue azul. Vira-latas, escrevem-se com a inicial pequenina.

Desperdício

“O Brasil parou de copiar outros países e criou sua própria proposta para o ensino profissional”, alardeia texto da pág.14. Sua própria? Que desperdício! O sua sobra. Melhor poupar: O Brasil parou de copiar outros países e criou a própria proposta para o ensino profissional.

Cãibra nos miolos

“Com a maior oferta vai diminuir o preço e diminuindo o preço aumenta o consumo.” Que pena! O redator cortou relações com a vírgula. Resultado: o enunciado da pág. 12 provoca cãibra nos miolos dos pobres leitores. Que tal fazer as pazes? Com a maior oferta, vai diminuir o preço e, diminuindo o preço, aumenta o consumo.

Urubus do texto

“Na França e em Portugal há institutos politécnicos, mas eles atuam apenas no ensino superior, como os antigos Cefets”. Eta aspas traiçoeiras! Lá na pág. 14, as carinhosamente chamadas urubus do texto, enganaram o ponto. Eis a regra:

1. Se a citação inicia e encerra o período, o ponto fica dentro das aspas. É o caso: “Na França e em Portugal há institutos politécnicos, mas eles atuam apenas no ensino superior, como os antigos Cefets.”

2. Se a citação não inicia o período, mas o encerra, o ponto fica depois delas: Eliezer Pacheco diz que “na França e em Portugal há institutos politécnicos, mas eles atuam apenas no ensino superior, como os antigos Cefets”.

3. Na hipótese de suspensão de uma frase escrita entre aspas, fecham-se as aspas e abrem-se depois. Assim: “A democracia”, escreveu Alceu Amoroso Lima, “é regime de convivência, não de exclusão.”

Ufa! Há mais. Mas falta espaço.