Tropeços de jornais

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Como o repórter escreve? Com pressa. E sob pressão. Por isso, tropeça. As redações fazem comentários internos sobre os deslizes. São os Erramos. Eis alguns publicados no Correio Braziliense.

Manter

Olímpio, um velho editor do CB, costumava dizer que chegaria o dia em que faríamos o erramos do Erramos. O dia chegou. O texto da correção anunciava que ‘‘o caderno manterá o mesmo nome’’. Ora, se vai manter, só pode ser o mesmo. Se não for, o verbo é outro. Pode ser mudar. Ou alterar.

Sujeito pra cá, verbo pra lá

Quer matar alguém? Corte-lhe a cabeça. Foi o que fizemos. A legenda separou o sujeito do verbo: “Meu time do coração (,) ganhou todos os títulos que podia’’. Cabeça pra cá + corpo pra lá = morte certa. Que descanse em paz.

Vai dizer

O futuro a Deus pertence? Pode ser. Mas a língua é nossa. Para usá-la, existem regras. A indicação do porvir pode ser feita de duas formas. Uma: o futuro simples (dirá). A outra: o futuro composto (vai dizer). Assim — com o verbo ir no presente. Nunca no futuro como aparece na pág.8: ‘‘O que Palocci irá dizer’’.

Infra

Quando o Senhor deu uma olhadinha na Terra e viu a torre de Babel ameaçando-Lhe o poder, castigou a ousadia dos homens. Criou seis mil línguas. Cada uma teria uma dificuldade adicional. O português ficou com o hífen. Deus ditou poucas regras para o emprego do tracinho. Uma delas refere-se ao prefixo infra- (hífen antes de h, a). Outra, ao anti- (hífen antes de h, i). Nós esnobamos a generosidade do Todo-Poderoso. Escrevemos infra-estrutura em vez de infraestrutura. E anti-cíclico no lugar de anticíclico. Preparemo-nos. O Homem castiga.

Presente do subjuntivo

É com pesar que a língua portuguesa comunica o falecimento do presente do subjuntivo. Vítima de abandono e maus-tratos, o tempo da incerteza deixa a família verbal enlutada. Os amigos, unidos no ato de piedade cultural, protestaram contra a prematura partida. O enterro foi ontem: “Tememos que há armas químicas na Síria’’. Melhor: Tememos que haja armas químicas na Síria.

Colocação de pronome

O português organizou uma gangue pra lá de poderosa. Seus membros são conjunções e pronomes escritos com o dígrafo qu. Por isso a organização se chama Gangue do Qu. Que, quem, quando, quanto, qual, enquanto, porque atraem os pronomes átonos. Esquecemos esse fato em matéria de alto de página: ‘‘Quando descobre-se um crime cometido por um magistrado, rouba-se a fé do povo’’. Nada feito. Em bom português, esta seria a forma: Quando se descobre um crime...

Sua

“O estilo’’, escreveu Anatole France, ‘‘deve ter três virtudes: clareza, clareza, clareza.’’ No Caderno Cidades, apareceu este trecho: ‘‘Sônia de Oliveira Flores tinha a filha de 6 anos nos braços quando um PM se aproximou e encostou um cano de revólver na sua cabeça’’. Sua de quem? Pode ser da mãe ou da filha.O pronome sua responde pela ambiguidade. Melhor livrar-se dele: …encostou um cano de revólver na cabeça da criança. Ou da mãe.