Três modos de escrever bem

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Dad Squarisi aponta as qualidades de três redações avaliadas entre as melhores do último Enem e dá dicas para quem deseja aprender.

 

 

A necessidade das diferenças

 

 

De acordo com a Teoria da Educação (sic) das Espécies, o que possibilitou a formação do mundo como conhecemos hoje foi a sobrevivência dos mais aptos ao ambiente. A seleção natural se baseia na escolha das características mais úteis, que se originam a partir das diferenças determinadas por mutações em códigos genéticos.

 


Se, no âmbito biológico, as variações são imprescindíveis à vida, no sociológico não é diferente. Se fôssemos todos iguais, seríamos atingidos pelos mesmos problemas sem perspectiva de solução, já que todos seriam semelhantes. A maioria das pessoas está inserida em um contexto social.

 

 

Contudo grandes inovações se fazem a partir do reconhecimento da individualidade de seus integrantes. Assim é de nossa responsabilidade respeitar nossos semelhantes independentemente de sexo, raça, idade, religião, visto que somos interdependentes.

 


Obviamente nem todas as diferenças são benéficas. Por exemplo, a diferença entre classes sociais não poderia assumir tal dimensão. Para reduzi-la, necessitamos de melhor distribuição de renda aliada a oportunidades de trabalho, educação e saúde para todos.

 


Devemos nos conscientizar de que somos iguais em espécie. Conviver com as diferenças (por mais difícil que pareça) nos enriquece como pessoas. Nossos esforços devem ser voltados contra discriminações anacrônicas e vis. Racismo e perseguições religiosas não nos levam a lugar algum, apenas nos desqualificam como seres humanos.

 

 

 


O valor da diferença

 

 

O desafio de conviver com as diferenças na sociedade é complicado mas indispensável. Diante da pluralidade cultural e étnica que se choca com freqüência no mundo globalizado, é preciso, além de tolerância, respeito incondicional aos direitos humanos.


 


Diariamente, nos deparamos com pessoas das mais variadas culturas, opiniões e classes sociais. Muitas vezes, são nossos vizinhos, colegas e amigos. A convivência com todos enriquece a vida, pois aprendemos a respeitar o próximo, tornando-nos pessoas mais fraternas.

 


Porém nem sempre essa relação se dá facilmente. Fatos divulgados pela mídia mostram que para alguns a simples diferença fenotípica gera discriminação e violência. Vale o exemplo do brasileiro que foi confundido com um terrorista em Londres. Ele foi brutalmente exterminado pela policia inglesa por ter feições diferentes das da maioria dos britânicos.

 


Para o bom funcionamento das sociedades, a diferença precisa ser respeitada. Nas relações econômicas internacionais, lida-se com diferentes culturas ao mesmo tempo. Não há espaço para discriminação para quem quer ser competitivo no mercado.

 


É imprescindível que a convivência com a diferença ocorra de maneira saudável. O valor da vida humana independe dos nossos credos ou preferências. Além de garantir o convívio entre as pessoas, respeitar as diferenças nos coloca no caminho da prosperidade, fortalecendo a esperança de viver num mundo melhor.

 

 

 

Respeito à vida

 

 

Durante bilhões de anos, segundo Darwin, a vida vem se diferenciando por meio de processos evolutivos através das quais surgiu o homem. Portanto somos fruto da diferença. Embora pertençamos à mesma espécie, aspectos étnico-culturais nos diferenciam uns dos outros.

 

 

Dificilmente concordamos com todas as manifestações culturais a que somos expostos, mas temos de respeitar a todas. Tal postura só ocorrerá com a educação e a civilização do indivíduo.




Para compreendermos um povo ou costume, é necessário entendê-lo. Para entendê-lo, é preciso estudá-lo. A escola de qualidade proporciona um aprendizado dos motivos pelos quais uma determinada cultura age desta ou daquela maneira.

 

 

Não dá para entender o bumba-meu-boi sem saber quais são as raízes históricas e a formação da população do Amazonas. O ensino também ajuda a moldar a ética mediante valores morais, como a cidadania.

 


As varias liberdades — de religião, de imprensa, de opinião — estão estabelecidas na Constituição do país. Respeitá-las é de nosso dever; exercê-las, nosso direito. No entanto, as nossas liberdades não devem ferir as liberdades alheias.

 

 

Temos, como cidadãos, de respeitar a opinião, os costumes e os valores dos outros. A civilização da pessoa implica, entre outras coisas, a aceitação, o respeito e a convivência com os outros cidadãos.

 


Somos diferentes, mas somos todos oriundos da mesma diferença, a vida. Respeitar o outro, independentemente de cor, credo ou cultura, é, além de questão ética e legal, é questão de respeito à vida.

 

 

 

O que torna a redação boa

 

Reparou? As melhores redações têm uma marca. São simples e claras. Os autores parecem conversar com o leitor. Falam devagar, parte por parte. Não se preocuparam em escrever bonito. Esforçaram-se por defender um ponto de vista — a necessidade da tolerância para a convivência com os diferentes. Apresentam argumentos pra provar que têm razão. A tarefa não é fácil. Mas é possível.

 


Apresentação

 

O que o examinador vê em primeiro lugar? A cara do texto. A redação tem de estar dividida em parágrafos. Cada um trata de um aspecto específico do tema. Eles têm de ser harmônicos, com mais ou menos o mesmo número de linhas. Por isso, abra o olho: não escreva parágrafos de um só período. Faça que eles tenham tópico frasal e desenvolvimento.


 


Organização

 

A redação tem de ter unidade. Em outras palavras: tem de tratar de um só assunto. No caso, o respeito às diferenças. Sempre de olho no leitor, o texto se divide em três partes — começo, meio e fim. Entra em cartaz, então, os três digas. Na introdução, diga o que você vai dizer. No desenvolvimento, diga o que você disse que vai dizer. Na conclusão, diga o que você disse.

 

Os autores seguiram essa regrinha básica. O 1º parágrafo apresenta o assunto. O último acaba o papo. E acaba bem. Ninguém fica com a sensação de que falta alguma coisa. Os intermediários cumprem a função deles — argumentam, argumentam e argumentam. Por que é importante exercitar a tolerância com os diferentes? A resposta está lá.
 


Qualidades

 

 

Além da ortografia e sintaxe, há de ficar de olho na lógica. O texto tem de dizer coisa com coisa. As idéias precisam estar articuladas, uma decorrente da outra. É como aquelas bonecas russas — de uma surge outra, que origina outra, que dá à luz mais uma. O autor, focado na tese que defende, não permite que idéias pára-quedistas pousem no texto. Só têm vez as que se relacionam com a tolerância e a convivência. A unidade agradece. A coerência também.

 

 

 

Dicas valiosas


Você quer brilhar no vestibular? Vai disputar uma vaga em concurso pra lá de concorrido? Sonha sentar-se na cadeira do chefe? Acredite. A redação faz a diferença. Um texto elegante, capaz de veicular com clareza e simplicidade a mensagem que a gente quer transmitir, não é dom divino. É técnica. Trata-se de conquista pessoal, exercício diário de desapego e humildade. Ao escrever, lembre-se das dicas do estilo eficiente.
 

1 – Seja natural


Fique à vontade. Imagine que o leitor esteja à sua frente. Converse com ele. Não fale difícil. Espaceje suas frases com pausas. Confira ao texto um toque humano. Você está escrevendo para as pessoas.

 

 

2 – Vá direto ao assunto


Não enrole. Comece pelo mais importante. E comece bem, com uma frase atraente, que lhe desperte o interesse e o estimule a prosseguir a leitura. No final, dê-lhe o prêmio – um fecho de ouro, como inesquecível sobremesa a coroar um lauto almoço.

 

 

3 – Use frases curtas


A pessoa só consegue dominar determinado número de palavras antes que os olhos peçam uma pausa. A frase muito longa dá trabalho, confunde. Por isso, use sentenças de, no máximo, uma linha e meia. Lembre-se: uma frase longa nada mais é do que duas curtas.
 

4 – Prefira palavras breves e simples


Vocábulos longos e pomposos funcionam como cortina de fumaça entre você e o leitor. Seja simples. Entre duas palavras, prefira a mais curta. Entre duas curtas, a mais simples. Em vez de falecer, escreva morrer; em lugar de somente, só; de matrimônio, casamento; de féretro, caixão; de morosidade, lentidão.
 

5 – Ponha as sentenças na forma positiva


Diga o que é, não o que não é. Quer exemplos? Não ser honesto é ser desonesto; não lembrar é esquecer; não dar atenção é ignorar; não comparecer é faltar; não pagar em dia é atrasar o pagamento.
 

6 – Opte pela voz ativa


Ela é mais direta, vigorosa e concisa que a passiva (a passiva, como o nome diz, parece sem força, desmaiada). Prefira um raio provocou o blecaute a o blecaute foi provocado por um raio.

7 – Abuse de substantivos e verbos

Escreva com a convicção de que no idioma só existem essas duas classes de palavras. As demais — sobretudo adjetivos e advérbios — devem ser usadas com a sovinice do Tio Patinhas. Na dúvida, deixe-as pra lá: (Normalmente) ao redigir textos (informativos), use substantivos (fortes) e verbos (expressivos).
 

8 – Seja conciso


Não diga nem mais nem menos do que você precisa dizer. Cultivar a economia verbal sem prejuízo da completa e eficaz expressão do pensamento tem dupla vantagem. Uma: respeita a paciência do leitor. A outra: poupa tempo e espaço.

 

9 – Dê clareza às citações


Dificultar a compreensão do texto é pôr uma pedra no caminho do leitor. Pra quê? Facilite-lhe a vida. Nas declarações longas, não o deixe ansioso. Identifique o autor imediatamente — antes da citação ou depois da primeira frase. Veuillot ensina: “É preciso escrever com a convicção de que só há duas palavras no idioma — o substantivo e o verbo. Ponhamo-nos em guarda contra as outras palavras”. Ou: “É preciso escrever com a convicção de que só existem duas palavras no idioma: o substantivo e o verbo”, ensina Veuillot. “Ponhamo-nos em guarda contra as outras palavras.”
 

10 – Escolha termos específicos

 




 


Há palavras mais precisas do que outras. Gato siamês é mais singular do que simplesmente gato; homem, mais do que animal; laranjeira, mais do que árvore; árvore, mais do que planta ou vegetal. Escrever “foi um período difícil” constitui uma vagueza. “Estive desempregado durante três meses” dá o recado.


Não foi por acidente que Gonçalves Dias compôs: “Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá”. Se tivesse dito “Minha terra tem árvores/ onde canta o pássaro”, seus versos estariam mortos e enterrados. Sem direito a missa.
 
(Matéria publicada no caderno Gabarito, que circula às segundas-feiras no Correio Braziliense.)