Os sete pecados da conjugação verbal

Publicado em Geral, Pecados da língua

 

Sacramento vem de sacra. A dissílaba quer dizer sagradas palavras. O significado tem tudo a ver com a missa. Para a memória não trair o celebrante, colocava-se sobre o altar o texto das três partes fixas da cerimônia. Assim, não havia desculpa. Vacilou? Os quadros estavam lá pra acordar o distraído.

  “Crescei e multiplicai-vos”, ordenou o Senhor. Sacra obedeceu. Formou enorme família. Entre filhos, netos, sobrinhos e primos, destacam-se sacro, sacristia, sacramento, sacramentar, sacrário, sacristão, sacrifício, sacrílego, sacrilégio. Todos têm um denominador comum — a relação com o sagrado.

  Sacramento merece tratamento privilegiado. Cristo o instituiu para distribuir a salvação divina aos que, recebendo-o, fazem profissão de fé. São sete: batismo, crisma, eucaristia, penitência (ou confissão), ordenação, matrimônio, extrema-unção.

  Sete são também os verbos que nos fazem pecar contra a conjugação. Eles empurram o falante para longe do sagrado. Valha-nos, Senhor! Foi sem querer. Então, como diz Gregório Marañón, “é seguro que Deus preferirá julgar-nos pelos propósitos que nos acompanham cada manhã ao sair de casa e não pelas culpas com que voltamos ao anoitecer”.

 

  Cear

  Natal e réveillon conjugam dois verbos à exaustão. Trata-se de cear e presentear. Ambos se apresentam com vestes angelicais, mas escondem tentações ameaçadoras. O perigo mora no presente. Eu, tu, ele, eles exibem um vistoso i. O nós e o vós não lhe dão vez. Veja: ceio (presenteio), ceias (presenteias), ceia (presenteia), ceamos (presenteamos), ceais (presenteais), ceiam (presenteiam).

 

Possuir

  Ops! Cuidado com aquela força irresistível que nos empurra para a perdição. Quando ela atacar, pare, pense e reze. Possuir pertence à 3ª conjugação. Mas foge à regra. O desvio reside na 3ª pessoa do singular. Os irmãozinhos terminam com e (ele parte). Possuir pulou a cerca Trocou o e pelo i. Muita gente desconhece o resultado. Escreve “possue”. Peca. A saída? Ajoelhar-se, pedir a compaixão divina e aprender a lição: eu possuo, ele possui, nós possuímos, eles possuem. (A regra vale para a turma uir. Entre eles, contribuir e retribuir: ele contribui, retribui).

 

  Intervir

  Quem vê cara não vê coração? Às vezes, vê. Intervir serve de exemplo. Filhote de vir, conjuga-se como o paizão: eu venho (intervenho), ele vem (intervém), nós vimos (intervimos), eles vêm (intervêm); eu vim (intervim), ele veio (interveio), nós viemos (interviemos), eles vieram (intervieram). E por aí vai. Muitos vão contra os mandamentos gramaticais. Juram que intervir deriva de ver. Escrevem “interviu”. Pecam contra a língua. Que peçam perdão a Deus. Ele, generoso, dirá sim. Afinal, perdoar é o grande vício do Senhor.

 

  Mediar e remediar

  Pai e filho dão tremenda dor de cabeça. Mediar e remediar fazem parte da gangue do MARIO. Conhece? O nome da turma barra pesada se formou com a letra inicial de cada membro — mediar, ansiar, remediar, incendiar e odiar. Todos se conjugam como odiar: odeio (medeio, anseio, remedeio, incendeio), odeia (medeia, anseia, remedeia, incendeia), odiamos (mediamos, ansiamos, remediamos, incendiamos), odeiam (medeiam, anseiam, remedeiam, incendeiam).

 

  Viger

  Olho vivo! “Vigir” não existe. A forma é viger. Intolerante, ele odeia o a e o o. Por isso só se conjuga nas formas em que essas vogais não aparecem depois do g. A 1ª pessoa do presente do indicativo (eu vigo) não tem vez. Nem o presente do subjuntivo. Que eu viga? Uhhhhhhhh! Nas demais, é regular. Conjuga-se como viver: vives (viges), vive (vige), vivemos (vigemos), vivem (vigem), vivi (vigi), vivia (vigia). Etc. e tal.

 

  Ver

    Se eu vir Papai Noel? Se eu ver Papai Noel? Olho no futuro do subjuntivo. Ele se forma do pretérito perfeito do indicativo. Mais precisamente: da 3ª pessoa do plural sem o -am final:

Pretérito perfeito: eu vi, ele viu, nós vimos, eles vir(am)

Futuro do subjuntivo: se eu vir, ele vir, nós virmos, eles virem

  Logo: Se eu vir Papai, Noel, faço o pedido.

 

    Vir

  Eis outra vítima. A turma diz sem cerimônia “quando eu vir de São Paulo”. Nem pensar. O futuro do subjuntivo de ver e vir se forma do mesmo jeitinho::

Pretérito perfeito: eu vim, ele veio, nós viemos, eles vier(am)

Futuro do subjuntivo: quando eu vier, ele vier, nós viermos, eles vierem.

  Ufa! Quando eu vier de São Paulo, telefono.