Ops! Erros de português salvam

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“Hoje resolvi escrever só pra lhe contar que tudo nesta vida tem lá seu lado bom, mesmo que pareça o contrário. Saber um tiquinho de gramática, por exemplo. Pois veja se não tenho razão. O conhecimento da língua-mãe (expressão horrível, eu sei) pode nos ajudar até a… evitar vírus de computador! É, pode acreditar.

Você já deve ter recebido esses e-mails mascarados, esses que parecem ter sido encaminhados por instituições que merecem respeito como a Justiça Eleitoral, os tribunais superiores, a Polícia Federal, os bancos e as companhias aéreas. Claro que um e-mail encaminhado por um deles deveria ser aberto imediatamente, pois se presume que deva tratar de coisa séria.

E aí mora o perigo. Os safados que os enviam sempre colocam lá uma área (em azul) onde pedem que a gente clique pra obter mais informações. Risco fatal! Se clicar, lá se vai a privacidade do computador. Eles podem entrar e fazer a festa, inclusive furtando as senhas e retirando o suado dinheirinho de nossas poupanças, contas-correntes e aplicações.

Mas há uma arma que já me livrou de várias armadilhas. E o nome da arma é a boa e velha língua portuguesa, a última flor do lácio inculta e bela. E sabe como? Observando os erros cometidos pelos salafrários. Ora, se querem nos ludibriar, que o façam pelo menos com um pouco de conhecimento da língua pra evitar erros idiotas como este que acabei de receber. Era um e-mail da Gol (supostamente da Gol), me oferecendo passagens “à somente R$1,00″. Traíram-se pela crase errada”.

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(É verdade. A crase denuncia o encontro de dois aa. Um deles é preposição. O outro pode ser o a do pronome demonstrativo aquele, aquela, aquilo. Ou o artigo definido. Ora, o artigo aReal, no caso, é masculino (o real, a moeda brasileira). O acento não tem vez. acompanha nome feminino.

O que induziu os golpistas ao erro? Foi o numeral. O mesmo ocorre em placas espalhadas cidades afora. “Obras à 100m”, escrevem elas. Bobeiam, não? O numeral não conta. Quem canta de galo é o substantivo. Metro, como real, joga no time dos machões. Não usa grampo.)

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“Outro dia, amigo querido que não fez bom ginásio perdeu um HD com tudo o que tinha dentro. Roubaram a senha do cartão de crédito dele, fizeram o diabo. O compadre caiu num vírus desses, o mesmo que eu também recebi e deletei porque dizia que a companhia aérea tal “trás de volta a promoção do tipo tal”. Mandei-o àquele lugar com um toque bem firme na tecla DELETE. Uma companhia aérea, por mais furreca que seja, não cometeria um erro tão primário, é ou não é?”

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(Os amigos do alheio não aprenderam regra pra lá de prática no emprego de z ou s na conjugação verbal. Ei-la: se o verbo tem z no infinitivo, sempre que soar o z, a lanterninha do alfabeto pede passagem. É o caso de fazer e trazer (ele traz, ele faz, eu fiz, fizer, fizesse). Sem o z no nome do verbo, o s reina majestoso. Pôr e querer servem de exemplo (pus, pôs, puser, pusesse, quis, quiser, quisesse).

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“Da mesma forma, eu, que já não me dou bem com as cartomantes, rompi de vez com elas ao ler num anúncio colado aí pelos postes que “Madame Natacha trás a pessoa amada na palma da mão”. Escrevendo errado desse jeito, aposto que ela não traz, mas não traz de jeito nenhum, nem que use todas as bolas de cristal, todos os tarôs e todos os búzios dos sete mares. Nem olhando as cartas pela frente e por trás ela conseguirá trazer a pessoa amada. E a pessoa amada, se souber um pouquinmho de português, nem vai querer vir…

“(Tudo bem, vou confessar um segredo, mas não conte a ninguém: se uma cartomante dessas fizer um anúncio certinho, sem erro algum, é capaz de me convencer a pagar a ela uns trocados pra ver se ela traz mesmo a pessoa amada à palma da minha mão. Ah, se ela trouxesse aquela morena maravilhosa que me rouba o sono…)”

“Fica com Deus e com os professores de gramática. E perdoa os meus erros, assim como nós perdoamos os erros dos nossos devedores.

Paulo José Cunha”

(A íntegra da carta? Foi postada no no Blog da Dad na quinta-feira. Dê uma olhadinha.)