O verso, o delegado e o direito

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  Reinaldo Lobo, delegado em Brasília, estava aborrecido. O plantão corria monótono. Nada quebrava a rotina. Ops! Eis que chega uma viatura. Desembarcam dois PMs com um criminoso cuja folha corrida dobra a esquina. A visitinha à delegacia se justificava: ele tinha sido surpreendido na garupa de uma motocicleta roubada. O preso alegava inocência. Não tinha nada a ver com o roubo. Só havia pegado uma carona pra chegar mais rapidamente ao aconchego do lar porque estava em prisão domiciliar. Não poderia ficar fora de casa.

O delegado registrou a ocorrência. Mas inovou. Em vez de prosa, escreveu em versos — com rima e tudo. Assim: “O plantão estava tranquilo / Até que de longe se escuta um zunido / E todos passam a esperar / A chegada da Polícia Militar/ Logo surge a viatura / Desce um policial fardado / Que sem nenhuma frescura / Traz preso um sujeito folgado / Procura pela Autoridade / Narra a ele a sua verdade / Que o prendeu sem piedade / Pois sem nenhuma autorização / Pelas ruas ermas todo tranquilão / Estava com uma motocicleta com restrição / A autoridade desconfiada / Já iniciou o seu sermão / Mostrou ao preso a papelada / Que a sua ficha era do cão / Ia checar sua situação / O preso pediu desculpa / Disse que não tinha culpa / Pois só ficava na garupa / Foi checada a situação / ele é mesmo sem noção / Estava preso na domiciliar / Não conseguiu mais se explicar / A motocicleta era roubada / A sua boa-fé era furada”.

Resultado: a Corregedoria-Geral da Polícia devolveu o documento para ajuste da redação. Não só. A conduta de Reinaldo também será investigada. Ouvida, a OAB se pronunciou. “Achei o relatório do delegado uma maravilha. O corregedor que está preocupado com isso deveria estar atrás de bandido, não atrás de poeta”, opinou conselheiro Délio Lins e Silva.

E daí?

O delegado errou? Errou. Ele agiu como a pessoa que vai à praia de smoking. Ou aparece no baile black-tie de biquíni. Trocar as vestes tem nome. É inadequação. O mesmo princípio orienta o texto. Especialidades têm jargão próprio. Decisão judicial exige o juridiquês. Laudo médico, o medicinês. Redação oficial, o burocratês. A comunicação nas salas de bate-papo impõe abreviaturas inventadas, troca de letras, signos incompreensíveis. Para participar da comunidade marcada pela informalidade e rapidez, o jovem tem de usar o código do grupo. Horóscopo pede palavras abstratas e genéricas. Se e-mails comerciais, redações de concurso e relatórios técnicos usarem a língua do horóscopo, terão destino certo – a reprovação. Não se trata de certo ou errado. Mas de adequado ou inadequado.

Moral da história: Reinaldo Lobo, ao escrever a ocorrência policial, estava no exercício da profissão. Tinha de usar o juridiquês. Preferiu fazer poesia. Foi inadequado.