Nota fúnebre

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      Machado de Assis, Eça de Queirós, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Clarice Lispector (in memoriam), José Saramago, Lígia Fagundes Telles, João Ubaldo Ribeiro, Millôr Fernandes, Roberto Pompeu de Toledo, Luís Turiba, Paulo José Cunha e todos os cultores da boa linguagem cumprem o doloroso dever de comunicar o falecimento do trema.       Vítima de abandono e maus-tratos,  deixa a família verbal enlutada. Os amigos se unem nesse ato de piedade cultural e protestam contra tão prematura e insubstituível partida. João Ubaldo é o mais veemente. Em alto e bom som, diz a quem tem ouvidos para ouvir. “Vou continuar a usar o sinalzinho. Se o revisor quiser, que o tire”. Tirou.     Consequência, eloquente, cinquenta, linguiça, tranquilo, aguenta & cia. perderam a charmosa distinção. Mas mantiveram a pronúncia. Mesmo sem a duplinha sobre a cabeça, o u continua a soar ü. Você poderá se perguntar como agir diante de palavra nova, jamais ouvida antes. A resposta é simples como andar pra frente – consultar o dicionário. O pai de todos nós indicará a prosódia do vocábulo.     Cá entre nós. Ficou mais fácil, não ficou? As crianças que estão se alfabetizando poderão ocupar a cabeça com outros assuntos. E nunca mais tropeçarão no verbo arguir. O danadinho tinha três caras na conjugação. Ora aparecia com trema. Ora com acento. Ora sem nada. Agora é tudo peladão: arguo, argues, argue, arguimos, arguem.     Viu? Não só o u perdeu os anéis e manteve os dedos. Arguir, averiguar, apaziguar também deixaram algo pra trás na reforma. O acento agudo que se usava nas formas argúe, averigúem, apazigúes, enxagúe & cia. também entrou na degola. Rezemos por ele. Passado o luto, adeus, tristeza! Adeus, saudade! Viva a simplificação.