Navegando nas possibilidades da língua (4)

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Escrever para as novas mídias? Valha-nos, Deus! Precisamos dar recados curtos e compreensíveis. Para chegar lá, apelemos para a generosidade do Senhor. Ele precisa nos dar a habilidade de conjugar três verbos. O primeiro: escolher. O segundo: trocar. O terceiro: cortar. A meta é ganhar espaço. Dizer o que precisa ser dito com menos toques. Como? Entre as possibilidades da língua, optar pelas palavras e construções mais curtas. A regra: menor é melhor. Em três posts anteriores, enfrentamos os dois primeiros desafios — escolher e trocar. Hoje vamos ao terceiro. Com tesoura e bisturi, vamos flexionar o verbo lipoaspirar. Xô, gorduras!
 
 
Lipoaspiração no texto
 
Deus às vezes erra na medida. Dá muito pra uns, pouco pra outros. Mas, generoso, não deixa os filhotes na mão. Oferece soluções. Uma delas são os Pitanguys da vida. Eles fazem milagres. Passam ferro nas rugas. Tiram barriga. Aumentam seios. Incrementam bumbuns. 
 
A vedete é a lipoaspiração. O motorzinho aspira os excessos de Deus e da mesa. Pneuzinho nas costas? Estômago exibido? Coxas atrevidas? Nada de lamentações. Lipo neles. Quem não se enfeita, diz o outro, por si se enjeita. 
 
A língua também tem vaidades. Adora ser enxutinha, ter tudo no lugar. Gordurinhas aqui e ali? Nem pensar. Bistuti nelas. Vale visita ao cirurgião plástico. Ele manda as adiposidades bater em retirada. Sem elas, a escrita para os twitters da vida torna-se fácil como tirar chupeta da boca de bebê. O que cortar?
 
 
1. Corte os artigos indefinidos
 
 As palavras, como os remédios, podem matar. O artigo indefinido é medicamento de tarja preta. Deve, por isso, se usado, com parcimônia extrema. Erva daninha, amortece a força do substantivo, torna-o vago, impreciso, desmaiado. Em 99% dos casos, é gordura pura. Passe a tesoura nele. O texto agradece:
  Hugo Chávez quer implantar (um) novo socialismo na América do Sul.
Sarcozy deu (uma) entrevista ao Correio Braziliense.
Em 2010, haverá (uma) renovação no Congresso Nacional.
 
 
 2. Corte os pronomes seu e sua
 
“Livro-me dos vocábulos que estão na frase só para enfeitar ou atrapalhar”, escreveu George Simenon. Pensava, com certeza, nos pronomes seu, sua. Eles parecem inofensivos. Mas causam estragos. Tornam o vocábulo ambíguo ou, sem função,  viram o belo Antônio. Pau neles!
 
No (seu) pronunciamento, Lula elogiou o acordo bilionário com a França.
No acidente, quebrou a (sua) perna, fraturou os (seus) dedos, arranhou o (seu) rosto.
Antes de sair, calçou os (seus) sapatos, vestiu a (sua) blusa e pôs os (seus) óculos.
 
 
3. Corte o pronome sujeito
 
(eu) saio, (ele) sai, (nós) saímos, (eles) saem.
 
 
4. Corte o pronome todos
 
Ser claro é obrigação de quem escreve. O artigo definido se presta a confusão de significados. Dobre a atenção ao usá-lo. Ao dizer “os candidatos fazem camapnha pela internet”, englobam-se todos os candidatos. Se não são todos, o pequenino não tem vez: candidatos fazem campanha pela internet.
 
Para quem sabe ler, pingo é letra. Se o artigo engloba, o todos sobra em muitas situações. Xô! Sem ele, ganham-se cinco toques. Veja:
 
Estudo inglês todas as terças e quintas-feiras.
Estudo inglês às terças e quintas-feiras.
 
Todos os estudantes que faltaram perderam a explicação.
Os alunos que faltaram perderam a explicação.
 
Todos os pediatras de Brasília cruzaram os braços em protesto por melhor remuneração.
Os pediatras de Brasília cruzaram os braços em protesto por melhor remuneração.
 
 
5. Corte expressões adiposas
 
Decisão tomada no âmbito da diretoria.
Decisão tomada pela diretoria.
 
Trabalho de natureza temporária.
Trabalho temporário.
 
Problema de ordem familiar.
Problema familiar.
 
Curso em nível de pós-graduação.
Curso de pós-graduação.