Emergentes linguísticos

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Está no dicionário. Emergente é o que emerge. Vem à tona. A pessoa que mergulha imerge. (Daí banho de imersão.) Quando põe a cabecinha fora d’ água, emerge. As palavras são mais vivas que grileiros. Com o tempo, ganham novos significados. Há poucos anos, emergente entrou no vocabulário da economia e da sociologia. País emergente é o que se encontra supostamente no rumo do desenvolvimento. No duro, é eufemismo para subdesenvolvido. Vamos e venhamos. Dizer que o Brasil é emergente parece muito mais chique que subdesenvolvido.

Pessoa emergente é a que se encontra em ascensão econômica e social. Era pobre. Virou rica. E fica deslumbrada com a nova situação. Vale o exemplo de Vera Loyola. A emergente-mor comemora o aniversário do cachorro com champanhe, caviar e convidados da alta roda. No dia seguinte, sai na coluna social. O Fantástico lhe dedica generosos minutos. No fim de semana, aparece na Veja. É a glória!

Agora surgiu mais uma. Galba Velloso fala em emergente lingüístico. É a criatura de poucas letras. Nunca se preocupou com a correção da fala. Mas, de repente, não mais que de repente, torna-se importante. Ganha espaço no rádio e na tevê. Aí, conclui que precisa caprichar. E capricha demais. Parte para a supercorreção. Apela para o ‘houveram’ e o ‘disse de que’. Ao mesmo tempo, esquece-se dos pobres ss. “Os ss de hoje não fazem mais o plural como antigamente”, suspira o ex-ministro da Cultura Sérgio Rouanet.

Coisa de emergente 1

O verbo haver é uma das vítimas preferenciais dos novos-ricos. Eles se esquecem de liçãozinha elementar. No sentido de existir e ocorrer, o ardiloso haver é impessoal. Sem sujeito, só se conjuga na 3ª pessoa do singular: Não houve contratempos na viagem de Lula à Argentina. Na reunião de ontem, houve muitos apartes.

Coisa de emergente 2

Dizer, afirmar, negar & companhia são verbos transitivos diretos. Não pedem preposição. Os loucos-por-afirmar-se presenteiam-nos com a indesejável ‘de’. E, convencidos que estão abafando, dizem sem corar: Lula disse de que a medida provisória não vai privilegiar o capital. Em Buenos Aires, Lula afirmou de que pretende fortalecer o Mercosul.

Cruz-credo! Xô, satanás. Quem diz diz alguma coisa. Quem afirma afirma alguma coisa. Quem nega nega alguma coisa. Nada de preposição intermediária: Lula disse que a medida provisória não beneficia o capital. Em Buenos Aires, Lula afirmou que pretende fortalecer o Mercosul.

Coisa de emergente 3

Os deslumbrados esbanjam a pobre preposição onde não devem. E deixam de usá-la onde precisam. É o caso do pronome relativo preposicionado. Sem estoque da monossílaba, eles dizem com a maior sem-cerimônia: O livro que gosto está esgotado.

Nada feito. Cadê o dezinho? Desmembrado, o período vira dois: Um: O livro está esgotado. Dois: Gosto do livro.

Ora, o verbo gostar exige a preposição de. Os emergentes a engolem. Pior: não têm indigestão: O livro de que gosto está esgotado.

Moral da história: quem guarda tem. Quem desperdiça fica sem.