Dad Squarisi provoca insônia

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Ernani Pimentel

Ressaca de fusos horários e de 14 horas de voo.  Segunda, terça, quarta e quinta supercorridas.  No final da sexta-feira fatigante, sai do escritório e sonha: uma ducha termal em Caldas Novas. Do sonho à realidade, viagem  enluarada de três horas, faz o morto-vivo de cansaço físico, desgaste psicológico e sono acumulado(s), deitar sob o cano alimentador da piscina que a enche de pura energia líquida a quarenta e cinco graus de temperatura, no Hot Springs.

Esticado na lâmina d’água, sob a massagem líquida que murmura, borbulhante de íons, sais minerais e amena radioatividade,  observa as luzes do céu, a tranquilidade da vegetação em volta, relaxa, relaxa… levanta, veste o roupão e lentamente, distenso , caminha, pega o elevador, entra no apartamento, em torpor  hipnótico,  pronto para cair na cama e desmaiar.

Abre a maleta, da qual retira o estojo de higiene e dois livros que estavam no mesmo compartimento. Escova os dentes, senta-se à cabeceira da cama, olha para um dos livros –  pequenino, de bolso – e como um autômato resolve ler uma página aleatória antes de dormir. O título “Nota fúnebre”. Desfilam nomes de grandes escritores construindo interessante metáfora. Em seguida antropomorfizam-se os sinais gráficos, o estilo se mostra bem humorado, sucedem-se recursos de suspense e saídas elegantes, charmosas e inteligentes.

O coloquialismo e a correção gramatical ora refletem o tom infantil, ora o maternal, levando o leitor à gostosa sensação do convívio paradisíaco do lar, onde convivem avós, pais, filhos, irmãos e netos em clima de descontração, risos e harmonia, ou do afeiçoado companheirismo dos bons ambientes de trabalho, porém todo mundo embalado pelo discurso sereno e engraçado que esconde sorrateiramente um conhecimento profundo, de vária cultura, e disfarça a rara experiência de um ponto de vista feliz, agradável, de quem atingiu a sabedoria e a humildade.

Abre-se um universo de grandeza e simplicidade, fazendo o leitor retornar aos ambientes mentais de seus momentos prazerosos de lazer e despreocupação. E ele esquece o cansaço e continua a envolver-se mais e mais, ele – um professor super-experiente de língua portuguesa – página após página devora um livro e, de repente, ao virar a última página do segundo, experimenta a sensação de frustração, do gosto de quero mais que o faz ver, do sofá em que se encontra, o sol forte pela janela, os ponteiros indicando duas e quinze da tarde de sábado.

O cérebro a toda, o estômago faminto, o velho professor toma consciência de que aquele mundo encantado falava de tudo que ele estava cansado de saber. Os dois livros são “Superdicas de Ortografia”, de Dad Squarisi, e “Redação para Concursos e Vestibulares”, da mesma autora em parceria com Célia Curto. Se ele já conhecia antecipadamente o assunto dos dois livros, o que o fez prender-se tanto à leitura? Foi a construção do discurso.

A arte de escrever sobrevoa o assunto e pousa tranqüila na arte de juntar palavras. O artista da palavra independe do assunto, torna-se grande ou pequeno pela construção do seu texto. Dad Squarisi, além de professora e jornalista, se mostra simples e grande por sua admirável e ímpar capacidade de construir textos. Se a alguém é interessante sair do marasmo e da mesmice da vida, ter momentos de enriquecimento linguístico e cultural, se quer trocar o sono pela curtição, leia esses livros da Dad.