Cerca é flexível como cintura de político

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Um morcego caiu na toca de uma doninha que detestava ratos. Quando viu o intruso, ela disse:

— Seu rato atrevido, agora você vai ver o que é bom.

— Rato eu? Olhe as minhas asas. Sou um pássaro.

O morcego escapou. Mas caiu na toca de uma doninha que odiava pássaros.

Ela advertiu:

— Cuidado comigo, seu pássaro metido!

— Pássaro eu? Não tenho penas. Sou um rato.

De novo, salvou a pele.

Ser flexível é pra lá de bom. A gente se adapta com facilidade e experimenta coisas novas. Há palavras que sabem disso. Cerca serve de exemplo. Com a mesma cara deslavada, pode ser verbo, substantivo ou advérbio. E, com uma letra a mais, vira preposição. Para saber qual é a dela, só há uma saída: prestar atenção à frase em que a camaleoa aparece.

O verbo não dá trabalho. Cerca é a terceira pessoa do singular do presente do indicativo de cercar (eu cerco, tu cercas, ele cerca): Paulo cerca o sítio com arame farpado.

O rolo se arma com as outras acepções. A causa da confusão é a crase. Quando usá-la? Como substantivo, cerca recebe tratamento igual ao dos irmãozinhos dele. Aceita o artigo (a cerca). Por isso pode vir antecedido de crase: Dirigiu-se à cerca do vizinho. Foi à cerca da casa do irmão para medir o terreno.

Na dúvida, aplique o velho truque. Substitua a palavra feminina (no caso, cerca) por uma masculina (não precisa ser sinônima). Se na troca aparecer ao, não duvide. Ponha crase no a. Veja a aplicação da mágica nas frases anteriores: Dirigiu-se ao terreno do vizinho. Foi ao jardim do irmão para medir o terreno.

Quando advérbio, cerca significa aproximadamente. Aí, nada de crase. Por quê? Advérbio não se usa com artigo: Daqui a cerca de (aproximadamente) duas horas ele vai chegar. Maria saiu há cerca de (aproximadamente) 10 minutos.

Ops! E o acerca? É moleza que só. Quer dizer sobre, a respeito: Essa superdica cerca as dificuldades acerca de questão que dá nó nos miolos há cerca de mil anos. Com a cerca, a alternativa é uma só – acertar ou acertar.