Capital da leitura

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LUCÍLIA GARCEZ
Escritora, professora aposentada da Universidade de Brasília

Estamos muito longe de ser um país de leitores. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (Pró-Livro/ Ibope) concluiu que nossa média de leitura é de 4,7 livros por pessoa por ano, incluídos aí os didáticos. Se considerarmos apenas os livros lidos independentemente da escola, esse índice cai para 1,3,  enquanto nos países desenvolvidos chega a 10 livros por ano. Temos mais de 77 milhões de pessoas que não leem. E não leem porque não aprenderam a considerar a leitura importante para suas vidas, vivem em ambientes que não valorizam o livro,  não têm interesse, não têm tempo, têm dificuldades na decodificação da língua ou não têm acesso ao livro.

Há muitas iniciativas pelo país afora que se esforçam para modificar esse quadro: festas literárias, feiras de livros, seminários, debates, contação de histórias, formação de bibliotecas comunitárias e públicas. O Ministério da Educação e o Ministério da Cultura estão envolvidos nesse empreendimento de transformar os índices de leitura no Brasil por meio do Plano Nacional do Livro e da Leitura, e de iniciativas como o Programa Nacional Biblioteca da  Escola (PNBE). O Ministério da Cultura pretende zerar em dezembro o número de municípios sem biblioteca

Para que as pessoas se interessem pela leitura, além do acesso ao livro é necessário um ambiente que o valorize. Se vivemos numa sociedade que não dá valor ao livro, dificilmente nos sentiremos atraídos para a experiência profunda e transformadora da leitura. Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, desde 1981 dá o exemplo, organizando a Jornada Nacional de Literatura, e hoje reivindica merecidamente o título de Capital Brasileira da Literatura.

 Em sua última edição, semana passada, durante cinco dias, a cidade respirou arte na 13ª Jornada Nacional de Literatura. Mas ela começou muito antes, com a realização da pré-jornada. Os estudantes leem previamente os livros dos escritores que visitam a cidade durante o ano, de dois em dois meses, para conversar com seus leitores. A equipe da pré-jornada visitou mais de 70 cidades nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, realizando encontros para divulgar a programação da Jornada e da Jornadinha, programada para crianças. A partir desses encontros, grupos interdisciplinares de professores, de alunos e da comunidade foram incentivados e orientados a realizar as leituras indicadas e a participar da pré-jornada e da Jornada.

Na Jornada houve espetáculos de música, de dança, de bonecos. Foram oferecidos mais de 10 cursos das mais diversas áreas, associados ao tema geral da Jornada — Arte e Tecnologia: Novas Interfaces. Pelas manhãs, além dos cursos, realizaram-se diversos eventos em vários locais do campus da Universidade de Passo Fundo: 8º Seminário Internacional de Pesquisa em Leitura e Patrimônio Cultural; 3º Encontro Nacional da Academia Brasileira de Letras: Revisitando os Clássicos; 2º Encontro Estadual de Escritores Gaúchos; Seminário Internacional de Contadores de Histórias; Encontro Internacional da Red de Universidades Lectoras.

Todas as tardes eram reservadas para o Circo da Cultura, uma tenda onde aconteciam debates com intelectuais, escritores e professores, sempre mediados por Ignácio de Loyola Brandão, Alcione Araújo e Júlio Diniz, avidamente acompanhados por mais de 5 mil pessoas. À noite, também no Circo da Cultura, sempre depois de um show musical, eram realizadas as grandes conferências, com palestrantes estrangeiros e brasileiros. Estiveram lá Wim Veen (Holanda), que trouxe o tema A geração homo zappiens, Guillermo Arriaga (México), que refletiu sobre cinema e literatura, Carlo Frabetti (Espanha), que focalizou A indústria cultural e a formação de leitores, Marcello Dantas (Rio de Janeiro), que tratou do tema espaços culturais e convergência das mídias, e o premiadíssimo Cristóvão Tezza (Paraná), autor de O filho eterno.

Foram 130 autores convidados e 110 artistas. Na Jornadinha, 17 mil crianças circularam pelas tendas, conversando com escritores que já conheciam por meio dos livros. Cerca de 5 mil professores acompanharam os eventos e cursos.  Toda essa movimentação em torno do livro acontece sob a batuta firme, incansável e positiva da professora Tânia Rösing, que teceu a colaboração entre a Universidade de Passo Fundo e a prefeitura da cidade, agregando vários apoiadores ao longo dos últimos 28 anos.

A formação de leitores depende de uma valorização do livro pela sociedade. É isso que a Jornada de Passo Fundo revela: um intenso reconhecimento do livro, da leitura e da literatura como caminho para ampliar os horizontes, a competência crítica e as habilidades necessárias aos indivíduos para o exercício pleno da cidadania.