As sete dicas de memória

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    Era uma vez sete vacas, sete pacas, sete leões, sete dragões, sete amigas, sete mil formigas, e a tia Lia, do pescoço torcido e nariz comprido. Então, apareceram, vindos do céu, sete pássaros que não comiam havia sete dias. E comeram as sete vacas, as sete pacas, os sete leões, as sete amigas, as sete mil formigas. De sobremesa, comeram a tia Lia do pescoço torcido e cuspiram fora o nariz comprido. De mim, comeram a memória. Por isso, não posso mais contar histórias.
  A língua também perde a memória. O tempo a devora ou apaga. Às vezes, vão-se lições aprendidas. Outras, informações passam sem ser retidas. De uma forma ou de outra, empobrecemos. Que tal uma visitinha a temas espinhosos? Eis sete dicas.
 
  Suicidar-se
  Suicidar-se é sempre pronominal. Estranho? O verbo vem do latim. É formado de sui (= de si, a si) + cídio (= matar). Juntando as partes, temos matar a si mesmo. No duro, não precisaria do se. Mas o pronome é obrigatório. Por quê? Por causa da memória. Muitos se esqueceram do berço da palavra. Até o dicionário só registra a forma pronominal. Resultado: manda quem pode, obedece quem tem juízo: eu me suicido, ele se suicida, nós nos suicidamos, eles se suicidam. 
 
Maciço x massivo
  Massivo não existia em português. Para designar grande volume de alguma coisa, usava-se o adjetivo maciço. Mas os tempos mudaram. O inglês invadiu as falas. Resultado: a nova edição do Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, do Aurélio e do Houaiss, registram a penetra. Ela se tornou gente de casa. Convive em paz com a irmãzinha. 
  Mais grande x mais pequeno
  “Para vencer o diabo, recorremos a todos os demônios”, dizem os professores. Um deles: dividir a lição em partes. Ensina-se primeiro uma metade; depois, a outra. É o caso de maior e menor. Para a meninada não cair em tentação, os mestres dizem que “mais grande” e “mais pequeno” não existem. Quando ensinam a segunda metade, a moçada perde a aula ou não presta atenção. Dá no que dá. Guarde isto: as duplinhas mantêm-se em comparações como estas: A casa é mais grande que pequena. O quarto é mais pequeno que grande. 
 
  Falar e dizer
  Acredite: falar não equivale a dizer, declarar, afirmar. Significa expressar-se por meio de palavras (Rafa fala duas línguas. João começou a falar aos dois anos. O apelo da criança falou ao coração.) Na dúvida, substitua o falar pelo dizer. Se der certo, ceda o lugar ao dizer: Dilma fala (diz) na TV que aumentará o valor da bolsa-família. O diretor falou (disse) que haverá expediente nao carnaval. Quem falou (disse) isso? 
 
Paraquedas
  Antes da reforma ortográfica, paraquedas & família se escreviam com hífen. Os acadêmicos acharam que tínhamos esquecido a composição da palavra. Cassaram o hífen da coitada. Mas as irmãzinhas dela (todas) mantêm o tracinho: para-choque, para-lamas, para-brisa.
 
Bem-vindo
  A duplinha se escreve assim — coladinha: Bem-vindos ao Rio.
 
  Repetir preposição
  Eis a enrascada — quando repetir a preposição? Professores gastavam língua e saliva para tornar o assunto familiar. A coisa parecia andar bem. Mas, passado o entusiasmo, a moçada a deixava de lado. Depois a esquecia. E daí? O jeito é ventilar os escaninhos da memória. O xis da questão: ficar de olho no conjunto ligado pela preposição. Ele é uno e contemporâneo? Ou é separado? Veja exemplos:
  Conjunto uno e contemporâneo: Falei com o economista e deputado. (Significa que a pessoa é economista e deputado.) Dirigiu-se a Dilma e Lula ((aos dois ao mesmo tempo). Flexão verbal de modo, tempo, pessoa e número. Viver a pão e água. Comida com sal e pimenta. (Tudo junto e ao mesmo tempo.)
  Conjunto separado: Falei com o economista e com o deputado. (São duas pessoas — uma economista, a outra deputado.) Nomes derivados de substantivos e de verbos (de uns ou de outros). Viver na cidade e no campo (um de cada vez). Dirigiu-se a Dilma e a Lula (primeiro uma, depois outro).
  Olho vivíssimo: as preposições a e por têm tratamento diferenciado. Repita a preposição sempre que repetir o artigo (mesmo se o conjunto for uno e contemporâneo): Opôs-se aos planos e aos desígnios do candidato. (Não diga: opôs-se aos planos e os desígnios.) Cristo se distinguiu pela modéstia e pela sabedoria. (Não escreva: pela modéstia e a sabedoria.)
  Não quer repetir a preposição? Então não repita o artigo: Opôs-se aos planos e desígnios do candidato. Cristo se distinguiu pela modéstia e sabedoria.