A voz de Lula

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DAD SQUARISI // dadsquarisi.df@@dabr.com.br

O câncer do Lula lembra a amputação das pernas do João do Pulo, a surdez de Bethoven ou o corte do cabelo de Sansão. Atinge-lhe a fonte do poder. O Lula mudo, titubeante ou monossilábico seria um Luiz como tantos Luízes existentes Brasil afora. Sem a pinta de um José Mayer, a conta bancária de um Eike Batista, o glamour de um Fernando Henrique ou a sofisticação de um Roberto Campos, ele sobressaiu pela fala.

Nos tempos da ditadura, no comando do sindicato dos metalúrgicos, os discursos do torneiro mecânico mobilizavam trabalhadores, preocupavam os fardados, chamavam a atenção da imprensa e do governo. Movido pela emoção, ele atropelava pronúncias, flexões, concordâncias e regências. Mas magnetizava. Mesmo os críticos de ouvidos sensíveis “ao português ruim” lhe acompanhavam o pronunciamento até o fim.

A ignorância da norma culta não o impediu de chegar à Câmara dos Deputados com votação pra lá de expressiva. Mas seria uma pedra no caminho do Planalto. Ele se deu conta do desafio. As quatro campanhas de que participou até sentar-se na cadeira presidencial atestam a evolução na aprendizagem do idioma. A mudança, porém, não o afastou da paixão com que unta as palavras.

Lula é o milagre da comunicação oral. A voz é seu instrumento. O discurso, sua arma. O palanque, seu ambiente. O público, seu alvo. Eis a ironia. O câncer, em qualquer outra parte do corpo, seria dramático. Na laringe, é trágico. Ronda-lhe o calcanhar de aquiles. Os médicos apostam em 90% de chance de cura. Mantida a voz, o pau de arara que virou presidente dará a volta por cima. Tem competência, garra e sabedoria pra superar a dor, o tratamento, a perda do cabelo e da barba.

Mas talvez lhe faltem forças se for condenado a se calar. Na terça, ao deixar o hospital depois da primeira sessão de quimioterapia, um Lula meio atônito diante da fatalidade não falou com os jornalistas. Mas divulgou vídeo gravado no Instituto Cidadania. Diante das câmeras, teimosamente otimista, anunciou em tom baixiiiiiiiiiiinho: “Quero voltar a dizer bem alto: meus companheiros e minhas companheiras”. Ninguém duvida.