A língua apanhou como escravo no tronco

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Assistir a debates? Alguns consideram perda de tempo. Outros, hora de conhecer melhor os candidatos. Há quem os julgue humorísticos e, portanto, oportunidade de rir. Não faltam os que, lápis e papel na mão, aguardam os tropeços de um ou de outro para expô-los na internet. Muitos, porém, postam-se diante da tevê a fim de aprender. Estudam gestos, postura, expressão facial e, claro, o português nosso de todos os dias.

O embate de domingo não fugiu à regra. De um lado, José Serra. De outro, Dilma Rousseff. Frente a frente, eles responderam a perguntas e provocações. Às vezes parecia diálogo de surdos. Um indagava sobre determinado assunto. O outro, como se não tivesse ouvido, respondia tema totalmente diferente. E, assim, deu-se corpo e voz à frase de Mário Quintana: “A gente pensa dizer uma coisa, diz outra, o ouvinte entende outra, e a coisa propriamente dita desconfia que não foi dita”.

No mar de incoerência, um fato chamou a atenção. Quando os candidatos ficavam nervosos, deixavam a censura pra lá. Resultado: a língua, coitada, que não tinha nada com a disputa, apanhava como escravo no tronco. A seguir, um aperitivo. Bom proveito.   Inimigo à vista

Os mais ferozes inimigos dos louquinhos pelo Planalto? São as legendas. Não raro ele e ela pronunciam direitinho palavras e frases. Mas o texto escrito na telinha os desmoraliza. “Vou instalar prontos socorros de Norte a Sul e de Leste a Oeste”, prometeu Dilma. Ops! Antes de virarem ação, as palavras pedem respeito. Pronto-socorro se escreve assim, com hífen. Na indicação de direção, norte, sul, leste e oeste são senhores vira-latas. Minúscula neles.   Xô, confusão!

“O PT adotou bastante coisas do governo passado”, jurou Serra de pés juntos. Opa! O homem confundiu Germano com gênero humano. Quando se refere a substantivo, bastante se flexiona como qualquer adjetivo (bastantes filhos, bastantes trabalhos, bastantes coisas). Na dúvida, basta substituir bastante por muito. Se o dissílabo for para o plural, o trissílabo vai atrás: O PT adotou muitas (bastantes) coisas do governo anterior.   Respeito, por favor

“Quero honrar as milhões de mulheres brasileiras”, prometeu Dilma. Difícil de acreditar, não? A mãe do PAC trocou os gêneros. Milhão é masculino desde criancinha. E, apesar da confusão dos sexos, ele se mantém macho sim, senhor. Que tal lhe considerar a preferência? Melhor: Quero honrar os milhões de mulheres brasileiras.   A alternativa

“O povo tem de escolher entre eu e a Dilma”, afirmou o tucano, pra lá de solene. Esqueceu-se de lição antiga como o pecado de Adão e Eva. Nos tempos em que professor ensinava e aluno aprendia, o mestre repetia sem cansar: “O eu funciona como sujeito. O mim, complemento”. É o caso — O povo tem de escolher entre mim e a Dilma. Conclusão? Ou Serra faltou à aula. Ou foi mau aluno. Você escolhe.   Cego no tiroteio

“O paciente chega numa unidade de saúde e não recebe atenção”, disse Dilma como se não tivesse nada com isso. Chegar em? Pobre criatura. Não chegará a nenhum lugar. Quem quer chegar, chega a: O paciente chega a uma unidade de saúde e não recebe atenção.   Egoísmo

“A segurança de São Paulo é uma das que mais avençou no Brasil”, gabou-se o Zé. Avançou ou avançaram? Depende. No singular, Serra diz que só a segurança paulista avançou. No plural, que outras também foram pra frente. E daí?