A indesejada das gentes

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 Amanhã é Dia de Finados. Os vivos homenagearão os que foram na frente. Nem todos obedecem ao mesmo ritual. Os mexicanos, por exemplo, promovem bailes nos cemitérios. Os japoneses preparam a comida mais apreciada pelos mortos, trancam-se em casa e se banqueteiam. Os brasileiros visitam os túmulos, fazem preces e levam flores.

Uns se contentam com flores solitárias. Outros preferem quantidade. Escolhem vasos, buquês ou braçadas. É aí que mora a dúvida. A gente diz vaso de flor ou vaso de flores? Buquê de rosa ou buquê de rosas? Braçada de margarida ou braçada de margaridas? A resposta é sempre plural — vaso de flores, buquê de rosas, braçada de margaridas. Por quê? O vaso tem mais de uma flor. O buquê, mais de uma rosa. A braçada, mais de uma margarida. Lógico, não?   Que medão!

Muita gente não pronuncia a palavra morte nem a pedido do Senhor. Um deles é Manuel Bandeira. Ele falou em “a indesejada das gentes”. Guimarães Rosa disse que a gente não morre. “Fica encantada”. Álvaro Moreira escolheu “ir na frente”. O povo não se aperta. Apela para ocaso, partida, passamento, trânsito, viagem, passar desta pra melhor, ir para a companhia do Senhor. O malandro esconde o medo atrás da gozação. Diz bater as botas, espichar a canela, vestir terno de madeira.

Moral da história: as denominações têm um denominador comum. São eufemismos.   Palavra adocicada

Eufemismo, eutanásia e eufonia têm a mesma origem. São gregas. Meio-irmãs, as três exibem o prefixo eu-. O pequenino é gente fina. Quer dizer bom ou bem. Eutanásia significa boa morte. Eufonia, o bom soar das palavras. Eufemismo, a melhora na acepção do termo.

Por que recorrer ao eufemismo? Muitos acreditam que as palavras têm função mágica. Se negativas, têm efeito negativo. Falou? Não dá outra. Atraiu. Disse diabo? Valha-nos, Deus! O capeta aparece. Pronunciou câncer? Melhor se benzer, ou bater na madeira. Pra não correr riscos, melhor ficar com as iniciais ca. Fazer o quê? O jeito é adocicar o termo — buscar vocábulos ou expressões mais brandos pra exprimir a mesma ideia. “As palavras”, diz Camélia Dib, “são tão fortes que viram verdade. Por isso só diga ou pense palavras boas, generosas, de alto astral.”   O enigma

Por que se morre? Respostas não faltam. Africanos têm uma pra lá de original: “A gente nasce com um montão de palavras na barriga. Na vida, vai falando e gastando o estoque. Quando todas acabam, a gente morre.”   Nossos e vossos

Epitáfio? É a inscrição que aparece nas lápides. A palavra nasceu na Grécia. Deu uma voltinha em Roma. E chegou aqui. Tem duas partes. Uma: epi, que significa acima. A outra: táphos, que quer dizer túmulo. A propósito, Machado de Assis escreveu: “Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou”.

Um gozador não deixou por menos: “Se os mortos pudessem ler os epitáfios que seus herdeiros lhes consagram, achariam que entraram no cemitério errado”. Sabatier confirmou: “Uma criança lendo os epitáfios nos túmulos de um cemitério perguntou ao pai em que canto do cemitério se enterravam as pessoas más”.

Epitáfios curiosos? Há montões:

“Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino.”

“Nada de monumento coberto de elogios. Meu epitáfio será meu nome, nada mais.” (Lord Byron)

“Assassinado por imbecis de ambos os sexos.” (Nelson Rodrigues)

“Aqui estão meus ossos à espera dos vossos.” (citado por Millôr Fernandes)