A indesejada da moda

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As palavras, como as roupas, têm modas. Vão e vêm conforme sopra o vento. Inflação fez furor depois de JK. Chegou ao auge no governo José Sarney. Com o Plano Real, tornou-se coisa do passado. Agora, ameaça voltar. Voltará? Ninguém sabe. É esperar pra ver.

Com Fernando Collor, marajá ganhou fama. Não aquele nababo indiano, mas o funcionário público que, segundo ele, enche os bolsos e engorda a conta bancária com os trocados do erário. Faz inveja: mansões, jet ski, viagens a Miami — tudo por conta do Tesouro. Outro Fernando, o Henrique Cardoso, trouxe à tona o nhenhenhém. Lula, o “o nunca antes neste país”.

A quebradeira dos bancos americanos espalha preocupação mundo afora. Incerteza é a palavra-chave. Ninguém sabe quando a crise chegará ao fundo do poço. Na segunda, a quarta maior instituição financeira dos States jogou a toalha. O Lehman Brotthers conjugou o verbo falir. A Alitália, há pouco orgulho da aviação italiana, foi atrás. Anunciou que está quebrada. Na próxima semana, flexionará o indesejado das gentes e dos empresários.

 
Time incompleto
 
Falir é verbo pra lá de caprichoso. Defectivo, joga no time dos incompletos. Não se conjuga em todas as pessoas ou tempos. Razões pra a preguiça não faltam. A mais convincente : evitar confusões. “Eu falo”, primeira pessoa do presente do indicativo, pode ser entendida como a primeira pessoa do verbo falar. Viu? O recado não se entende. Eu falo, ele fale, fale tudo — falar ou falir?

Pra evitar desentendimentos, os dois verbos tentaram um acordo. Foi um pega-pra-capar. Nenhum quis abrir mão de partes suas. Foram aos tribunais. Os juízes deram a sentença — falar é de interesse geral. Fica inteirinho. Falir só pode ser conjugado nas formas em que não se confunde com falar.

Quais? Aquelas em que aparece o i depois do l. No presente do indicativo, salvaram-se duas pessoas (nós falimos, vós falis). O passado escapou ileso (fali, faliu, falimos, faliram; falia, falia, falíamos, faliam). O futuro foi atrás (falirei, falirás, falirá, faliremos, falirão; faliria, faliria, faliríamos, faliriam).

O presente do subjuntivo, coitado, nem chegou a nascer. Depois do l, vem sempre o e (que eu fale). Nada feito. Em compensação, os outros tempos vão bem, obrigado (se eu falisse, ele falisse, nós falíssemos, eles falissem; quando eu falir, ele falir, nós falirmos, eles falirem).

 
Jeitinho
 
Na hora do aperto, o que fazer? Lembre-se de frase dos tempos de Adão e Eva: “De insubstituíveis o cemitério está cheio”. As formas inexistentes podem ser substituídas. O verbo quebrar e a expressão abrir falência resolvem: Com os créditos podres, os bancos de investimentos quebram (abrem falência). Deixe que os bancos de investimentos quebrem (abram falência).

 
Colegas de equipe
 
Ninguém perde a guerra sozinho — nem aqui, nem na China, nem na gramática. Com falir, foram derrotados florir, foragir-se, remir. Eles se conjugam do mesmo jeitinho: só nas formas em que permanece o i que aparece no infinitivo.