Olho vivo na hora de receber o imóvel

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Pessoal, segue a íntegra da matéria publicada hoje no Correio Braziliense sobre os cuidados que o consumidor deve tomar ao receber o imóvel novo comprado na planta.

A explosão da construção civil vivida nos últimos anos pelo Distrito Federal entra em fase de entrega dos empreendimentos aos proprietários. Prédios novos são concluídos e os donos recebem o bem comprado ainda na planta. Na mesma velocidade com que as edificações são entregues, as reclamações no Procon-DF crescem. Somente este ano, 635 queixas foram registradas, 50,8% a mais que no mesmo período de 2011. De 2010 para 2011, elas quintuplicaram. Atrasos, cobranças indevidas e defeitos decorrentes da qualidade da obra são os principais problemas enfrentados pelos consumidores.

Para evitar dor de cabeça, a dica dos especialistas é que o cliente sempre fique atento às cláusulas contratuais e a orientação é a de que ele faça uma pesquisa sobre os procedimentos da construtora e incorporadora em relação a entrega e serviço de atendimento. “A consulta preventiva sempre é a melhor solução. Procure o síndico ou moradores de prédios construídos pela empresa da qual você tem interesse em adquirir um imóvel na planta, pergunte como se dá o pós-obra, se surgiram problemas e como eles foram resolvidos”, orienta Geraldo Tardin, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec) .

                

Porém, mesmo consumidores cuidadosos podem ser vítimas de contratos mal feitos, taxas abusivas, atrasos e vícios de construção. Foi o que ocorreu com o servidor público João Paulo da Costa, 31 anos. Ele adquiriu um apartamento em Águas Claras cuja previsão de entrega era para abril de 2010, mas as chaves do imóvel chegaram nas mãos dele dois anos depois. Somente em julho, o Habite-se foi averbado e ele recebeu legalmente o apartamento.

Quando o imóvel foi entregue, a surpresa: a área comum do prédio era menor e o piso de cerâmica foi substituído por cimento, fugindo do apresentado no memorial descritivo da obra. Além disso, um lavajato previsto para o 2º subsolo não foi feito. Por fim, o condomínio passou a ser cobrado em maio, um mês antes da liberação do Habite-se.

“Estava previsto em contrato esse atraso de 180 dias, mas eu não esperava ter tantas chateações. Acabei mudando meus planos. Por exemplo, vou casar agora em setembro com o apartamento em reforma. A ideia é que ele já estivesse pronto”, conta João Paulo. O servidor ligou várias vezes para a empresa responsável e a desculpa para o atraso era a mudança da incorporadora. A obra pertencia a Inpar e, em 2010, passou para a João Fortes.

Por meio de nota, a João Fortes informou que adquiriu a incorporação em março de 2010 e o empreendimento passava por problemas financeiros, por isso, o atraso. Além disso, a antiga incorporadora deixou débitos relativos ao INSS dos funcionários em aberto, o que retardou a entrega dos documentos. Informou ainda que “o empreendimento foi entregue de acordo com o projeto original, seguindo todos os itens de lazer oferecidos, ficando a critério da administração do condomínio a sua utilização e manutenção”.

Independente dos problemas que as empresas enfrentaram no decorrer da obra, João Paulo espera reaver os prejuízos na Justiça. O que, segundo, os órgãos de defesa do consumidor é o melhor caminho. “O consumidor não tem que tolerar atraso e erros, porque se ele não pagar em dia, a construtora não vai aceitar. Fica uma relação de consumo desequilibrada. A construtora sabe das dificuldades de uma obra, tem que calcular o prazo correto. Mas na hora da venda, quem promete entregar antes, vende mais rápido”, analisa Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Atraso

Contratos firmados entre clientes e construtoras geralmente tem uma cláusula que dá às empresas 180 dias de tolerância para a entrega dos imóveis, além do previsto no documento. Porém, para as associações de defesa do consumidor, o item é abusivo, uma vez que desequilibra a relação de consumo. “O fornecedor não pode ter vantagens excessivas em relação ao consumidor, conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC). A construtora não pode ditar as regras e o cliente ser obrigado a pagar, ela não faria o mesmo”, argumenta Maria Elisa, do Idec. Apesar da posição das associações, jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça aceita os seis meses de carência.

Em defesa das construtoras, Eduardo Aroeira, presidente em exercício da Comissão da Indústria Imobiliária do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), argumenta que, o Distrito Federal passa por uma situação peculiar. “Em São Paulo, o Ministério Público assinou um documento com as construtoras para dar uma disciplinada no setor por conta dos atrasos. Em Brasília é diferente, as obras não são entregues nos prazos por conta dos entraves burocráticos”.

De acordo com Aroeira, na época em que os contratos foram firmados, as construtoras previam prazo de dois meses para a liberação do Habite-se, com os constantes atrasos na documentação, a previsão teve que ser dobrada. “A gente sempre prevê um tempinho a mais para a regularização por parte do governo, só que, há três anos atrás, não sabíamos que o prazo ia ser estendido dessa maneira”, argumenta. “Não há vantagens para a construtora atrasar uma obra, cerca de 70% de dinheiro entra na obra com a entrega das chaves”, complementa.

O chefe da Coordenadoria das Cidades do GDF, Francisco Machado, explica que a orientação do governo é dar a celeridade aos processos de liberação do Habite-se. Mas, o documento final depende de um conjunto de órgãos, como Detran, Agefis e Corpo de Bombeiros. “Além disso, nem sempre as empresas atendem as exigências, aí o processo tem que voltar e as construtoras adequarem. Algumas teimam em maquiar os erros, mas não vamos liberar se a construção não estiver de acordo”, diz.

Outras pendências

O atraso não é o único problema enfrentado por consumidores que compram um imóvel na planta. O desejo da casa própria pode vir acompanhado de outras dores de cabeça. Como, por exemplo, defeitos pós-obra. De acordo com o especialista em direito imobiliário e empresarial Ricardo Trotta, os consumidores tem cinco anos para reclamar de vícios na obra — vazamentos, problemas com infiltração —  ou mesmo disparidades do que foi prometido no contrato e o que a construtora ofereceu. “Pela interpretação do CDC, a empresa tem 30 dias para resolver ou pelo menos começar o conserto, mas esse prazo pode ser ampliado, afinal, vai depender da gravidade”, explica.

Se, no fim da obra, a construção for diferente do memorial descritivo, ele pode pedir o ajuste. “Como é complicado provar que o material é diferente, a metragem é diferente, o melhor é pedir uma perícia. Como ela é cara, a dica é entrar com ação coletiva”, comenta Tardin, do Ibedec. Para Trotta, o cliente pode usar da inversão no ônus da prova (veja o que diz a lei) do CDC para pedir que a construtora mostre, via perícia, que entregou a edificação conforme o processo.

Taxas abusivas:

O consumidor deve ficar atento às taxas que a construtora vai cobrando ao longo da obra. Elas podem ser abusivas ou estarem superfaturadas. Por exemplo, o Serviço de Intermediação Imobiliária (SATI) não é obrigatório, mas é cobrado. “O código diz que o cliente tem que pagar por um serviço que ele contratou, não precisa de terceiros fazendo intermediação se ele não quiser”, analisa Tardin. Outro exemplo é a taxa paga para conseguir o Termo de Cessão de Direito — o documento é necessário para vender o imóvel ou utilizar o FGTS de um companheiro — , ela não é ilegal, “mas os valores praticados no DF fixam de 2 a 5% do valor imóvel, sendo que o preço de tabela é de R$ 600 a 800”, calcula Tardin.

O valor do condomínio só pode ser cobrado após assembleia e deve ser pago a partir da entrega das chaves. As unidades não vendidas também devem dividir as despesas do condomínio. Nesse caso, a construtora ou a imobiliária devem arcar com os valores dessas unidades.

O que diz a lei:

A inversão do ônus da prova é uma facilitação dos direitos do consumidor e se justifica como uma norma dentre tantas outras previstas no Código de Defesa do Consumidor para garantir o equilíbrio da relação de consumo, uma vez que a legislação entende que o cliente é a parte vulnerável. Isso porque o fornecedor tem mais informações e geralmente, impõe as condições. O consumidor aceita e compra.

Documento

A certidão do Habite-se é um documento que atesta que o imóvel foi construído seguindo as exigências. Entre elas estão, por exemplo, a segurança e o risco de acidentes. Para isso, o Corpo de Bombeiros avalia se a edificação está apta para receber os novos moradores, enquanto isso, a Agefis atesta que a obra foi executada conforme a planta apresentada para a liberação do alvará e o Detran analisa o Relatório de Impacto de Trânsito. No Distrito Federal, de acordo com a Coordenadoria das Cidades, se a construção estiver de acordo com os requisitos, o documento é liberado em 30 dias. 

Confira o que fazer em cada situação:

Atraso:

Em alguns contratos, as construtoras colocam uma cláusula de tolerância de até 180 dias depois do prazo fixado para a entrega. Para o entendimento das associações de defesa do consumidor, esse item contratual é abusivo. Mas a Justiça tem aceitado esse prazo das construtoras. Clientes com entrega atrasada podem reclamar nos órgãos de defesa e entrar na Justiça pedindo dano material pelo tempo que o imóvel ficou parado. Ele pode pedir, por exemplo, o valor referente ao aluguel que o proprietário poderia ter ganho durante o período do atraso.

Condomínio:

Deve ser pago a partir da entrega das chaves. As unidades não vendidas também devem dividir as despesas do condomínio. Nesse caso, a construtora ou a imobiliária devem arcar com os valores dessas unidades.

Inconformidades:

Se o material usado na obra não corresponder ao que consta no memorial descritivo do imóvel, ou a metragem for diferente da anunciada, o cliente pode pedir perícia e indenização. Com a inversão do ônus da prova do CDC, o consumidor pode pedir na Justiça que a construtora pague a perícia.

Taxas abusivas:

Cuidado com as taxas. Preste atenção no que está pagando. O SATI (Serviço de Intermediação Imobiliária), por exemplo, é abusivo. Conforme o CDC, o cliente não precisa da contratação de terceiros para resolver os problemas, somente se ele contratar o serviço.

Construtoras e incorporadoras têm cobrado de 2% a 5% para liberar o Termo de Cessão de Direito — documento  necessário para a venda ou para a utilização do FGTS de companheiro na compra do imóvel. Esse valor é exorbitante, a média é de R$ 600 a R$ 800.

Escritura:

As construtoras têm, em média, 60 dias para entregar o documento.

Defeitos:

Garantia de uma obra: 5 anos prevista em lei.

Defeito aparente: o consumidor tem 90 dias a partir da constatação para pedir que a construtora resolva.

A construtora tem até 30 dias para resolver o problema. Se for mais complicado, pode haver negociação sobre esse prazo.

RECLAMAÇÕES CONTRA CONSTRUTORAS

Total das reclamações:

2010: 136

2011: 690 (5 vezes mais que no ano anterior)

2011*: 421

2012*: 635

Crescimento de 50,8%

Campeões de queixas:

1º Descumprimento do contrato:

2010: 66

2011: 246 (quase 4 vezes maior do que em 2010)

2011*: 153

2012*: 237

Crescimento de 54,90%

2º Taxas indevidas

2010: 11

2011: 62 (5 vezes maior que em 2010)

2011*: 33

2012*: 67

Dobrou a quantidade de reclamações

3º Qualidade de construção:

(Defeitos, vazamentos, problemas com a impermeabilização, etc)

2010: 5

2011: 22

2011*: 15

2012*: 37

Mais que dobrou a quantidade de queixas

4º Não entrega do contrato:

2010: 6

2011: 30

2011*: 22

2012*: 23

5º Não entrega da escritura:

2010: 2

2011: 10

2011*: 7

2012*: 14

*até 31 de agosto

** Dados do Procon-DF