Muita regra e pouca eficiência na remarcação e cancelamento de passagem aérea

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Cancelar ou remarcar uma passagem aérea tornou-se um tormento para o consumidor brasileiro. E não é por falta de regras, mas sim, por causa da ausência de um consenso sobre qual norma deve ser aplicada. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) tem as suas resoluções; os Procons entendem que o Código de Defesa do Consumidor deve prevalecer; o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma das principais associações de defesa do país, defende que o Código Civil brasileiro deve ser o exigido. Já a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) acredita no regime de liberdade tarifária. Enquanto o tema não é pacificado, quem sai perdendo é o passageiro, que não sabe realmente o que está contratando e quais são as negativas em caso de cancelamento ou remarcação por conveniência própria.

Uma das principais confusões ocorre porque a resolução da Anac que regula a questão (Portaria 676/2000) determina que, se o passageiro cancelar o bilhete aéreo, ele deve pagar uma taxa de 10% como multa ou US$ 25 dólares. Porém, a portaria deixa uma brecha para as companhias aéreas quando a tarifa for promocional. Neste caso, vale o que estiver no contrato firmado entre a empresa e o passageiro, dessa forma, em alguns tipos de passagem não compensa a remarcação, ou então, a taxa de cancelamento é tão alta, que compensa mais o passageiro não cancelar e não comparecer. “O problema é que boa parte do comercializado pelas companhias é considerado promocional. Nisso, as empresas estipulam multas absurdas. Uma pesquisa feita pelo Idec mostrou que algumas empresas chegavam a cobrar 60% do valor da passagem de taxa”, afirma Claudia Almeida, advogada do Idec.

As companhias aéreas alegam que a taxa de cancelamento ou reembolso serve para diminuir o prejuízo causado pelo não embarque do passageiro. Segundo nota enviada pela Abear, a flexibilidade para fazer alterações é inversamente proporcional ao valor pago. Por isso, bilhetes mais baratos dão menos direitos a fazer alterações. “Tudo depende essencialmente de um julgamento pessoal de conveniência e da possibilidade de se aproveitar um preço promocional, econômico (mas com percentual restrito de reembolso em caso de cancelamento da viagem ou com uma multa em caso de alteração do bilhete), ou de um preço regular, mais elevado (mas com um reembolso praticamente integral e sem multa para remarcações)”, diz a nota.

Para Leila Cordeiro, assessora técnica do Procon de São Paulo, o que não fica claro para o passageiro, nem para os Procons, é o critério para o cálculo de porcentagem de multa a ser paga. “As empresas nunca demonstraram para o Procon o real custo da remarcação de passagem que justifique aquele índice para a multa compensatória. Nisso, a gente tem fazer esse entendimento do que é abusivo ou não. Por exemplo, uma multa mais cara que a passagem é considerado abusivo”.

Dessa forma, diante desse cenário de incertezas, o cliente pode encontrar as mais diversas respostas. Se ele for diretamente na empresa aérea para um cancelamento ou remarcação, as regras contratuais vão mudar de companhia para companhia. Caso tenha problemas e procure um Procon, a orientação será de que o cancelamento pode ser feito sem custo até sete dias depois da compra, pelo direito de arrependimento de compras feitas à distância. Passado esse prazo, vale a multa estabelecida pela Anac. “O que a gente percebe é que os consumidores que vêm no Procon não perguntam se tem diferença entre passagem promocional ou não. Por isso, tantos conflitos”, analisa Victor Cabral, conciliador do Procon-DF.

Se o passageiro preferir buscar o apoio de uma associação de consumidores como o Idec vai ter a resposta que a multa máxima para cancelamento e remarcação que uma companhia aérea pode exigir é de 5%, que é a porcentagem prevista no Código Civil para contratos de transporte. “A postura das empresas é de descumprir descaradamente a hierarquia das normas brasileiras. Como é mais cômodo cumprir a resolução da Anac, as companhias preferem cumprir uma resolução, que é inferior ao Código Civil como norma”, argumenta Claudia Almeida, do Idec. Por enquanto, não há entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o que deve ser aplicado no contrato de aviação civil. Por isso, há tribunais que usam o Código Civil como referência, outros, a regra da Anac.


Sem assistência e sem reembolso

            

A estudante Marina Bezerra Tavares, 28 anos, sabe bem o que é ter um problema com cancelamento de passagem e conviver com regras diferentes – que mudam todos os dias e de acordo com o atendente. Ela conta que no fim de junho do ano passado iria viajar de Brasília com destino à Nova York (EUA) para fazer um curso em uma universidade americana. O itinerário do voo era Brasília-Guarulhos-Nova York pela companhia aérea TAM. Quando chegou em São Paulo, Marina passou mal e não conseguiu embarcar. Na ocasião, os funcionários de terra comunicaram para Marina que ela não precisava se preocupar porque receberia o reembolso. “Eu não estava bem e acabei deixando o meu bilhete com o atendente que tinha me pedido. E ficar sem a passagem me deu muitos problemas porque tive que ir na Polícia Federal pegar o meu registro de entrada e saída do país para ver o reembolso”.

Marina conta que passou por vários atendentes, protocolos e cada um dava uma orientação diferente. “O certo é que a companhia não queria devolver o trecho que eu não voei entre São Paulo e Nova York, eles me explicavam que era o mesmo voo, então, se eu voei de Brasília para São Paulo perdia tudo”. Sem paciência com a demora da situação, Marina resolveu, então, contactar o Procon. “Aí fiz um acordo com a empresa aérea e ela me devolveu R$ 4 mil dos R$ 5,2 mil que eu tinha pagado de passagem. Eu queria uma devolução mais justa, porque o trecho Brasília-Guarulhos não custa R$ 1,2 mil, mas já estava tão cansada da situação, que tudo foi resolvido, seis meses depois”, contabiliza.

Principais queixas contra companhias aéreas em 2014:

1. Cobrança indevida/abusiva 217

2. Contrato – Rescisão/alteração unilateral 172

3. Desistência do serviço (artigo 49 – descumprimento) 154

4.Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento. 90

5. Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 89

*Fonte: Procon-DF

Mudanças no CDC

Um dos itens mais polêmicos no projeto de modernização do Código de Defesa do Consumidor entre as associações de consumidores, entidades civis e representantes das empresas é que o texto a ser votado dá à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a atribuição de regulamentar o direito de arrependimento das passagens aéreas. Para os especialistas em direito do consumidor, o temor é um retrocesso nas garantias do passageiro, que, hoje, já encontra dificuldades para o cancelamento, remarcação e reembolso.

Para as empresas, a regulação da Anac será um alívio porque a agência levará em conta as peculiaridades do setor. A Anac limita-se a dizer que cumprirá as determinações legais que lhe forem atribuídas. Toda a polêmica se dá porque hoje o arrependimento na aviação civil – remarcação, reembolso e cancelamento – depende de empresa para empresa, de contrato para contrato e de tarifa para tarifa. Em casos de tarifas promocionais, algumas companhias cobram taxas de até 80% do valor pago no bilhete, o que deixa o consumidor perdido entre tantas regras e porcentagens.

Sem consenso:

Entenda a polêmica do cancelamento das passagens aéreas pelo passageiro:

>> Anac:

A portaria da agência determina que poderá ser descontada uma taxa de serviço correspondente a 10% do saldo reembolsável ou US$ 25. Caso a passagem seja promocional, vale o que estiver no contrato firmado entre a empresa e o passageiro.

>> Procons:

Afirmam que a compra da passagem pode ser cancelada em até 7 dias quando feita fora do estabelecimento comercial (internet ou telefone). Após esse prazo, aplicam-se as regras da Anac.


>> Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec):

Defende  que o valor máximo que as companhias aéreas podem cobrar de multa por cancelamento é de 5%, que é o previsto para os contratos de transporte segundo o Código Civil.

>> Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear)

A flexibilidade para fazer alterações é inversamente proporcional ao valor pago. Ou seja, os bilhetes mais baratos, normalmente promocionais, dão menos direito de fazer alterações, sendo necessário o pagamento de uma multa ou diferença tarifária.