Especialistas expõem opiniões sobre os projetos de atualização do CDC

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Pessoal, segue a íntegra da matéria publicada hoje na Seção de Direito do Consumidor. Boa leitura.

Os 30 milhões de novos consumidores no mercado brasileiro vindos das classes C e D e as mudanças na forma do consumo — como por exemplo, o surgimento do comércio eletrônico — levantaram a discussão da importância de atualizar o Código de Defesa do Consumidor (CDC) frente às novas demandas. Para elaborar as alterações na lei de 1990, uma comissão de juristas foi escolhida e três projetos de leis foram apresentados no Congresso Nacional tratando do superendividamento, das ações coletivas e das compras virtuais. A promessa do legislativo é que até o fim do ano, a lei seja aprovada no Senado.

Apesar do entendimento da lacuna jurídica relacionada principalmente à oferta do crédito e ao comércio virtual, entidades de proteção ao consumidor vêem com preocupação as possíveis modificações do CDC que possam ocorrer no legislativo. O Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), por exemplo, analisam que o código é moderno e que as diretrizes de compras a distância, ações coletivas e acesso responsável ao crédito estão na legislação atual. “Não era preciso mexer no texto original do Código. O melhor seria criar legislações específicas para as novas demandas, como foi feito nos planos de saúde. Poderia ter uma lei para o comércio eletrônico, por exemplo”, explica Rosana Grinberg, presidente do FNECDC.

Outra preocupação das entidades é a de que a brecha de atualização dê margem a retrocessos na lei e seja a oportunidade para grupos específicos fazerem valer os seus interesses. “As modificações foram feitas por juristas notórios. O risco está dentro do Congresso. Tememos o esfacelamento do Código porque sabemos que existem lobbys atuando lá dentro, veja o que se transformou o Código Florestal”, argumenta Marilena Lazzarini, presidente do conselho diretor do Idec. Atualmente mais de 540 projetos de modificação do CDC tramitam no Senado. O relator da comissão, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), chegou a falar, durante a apresentação dos trabalhos na última terça-feira, que todos deveriam ser apreciados, o que aumentou a desconfiança de entidades de proteção do consumidor, já que existem documentos que enfraquecem o CDC.

Para tranquilizar as associações, o presidente da comissão de modernização do CDC no Senado, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) afirmou que não há risco de retrocesso na legislação e que todos os setores envolvidos serão ouvidos. Inclusive bancos, financeiras e provedores de internet já pediram audiência pública com a comissão para discutir o tema. A Câmara do Comércio Eletrônico também vai pedir uma audiência no Senado. “O Congresso não pode ficar legislando em cima de problemas pontuais e isso que está ocorrendo. Se aprovada, essa lei vai engessar o setor”, defende Leonardo Palhares, vice-presidente da instituição.

A chefe da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça Juliana Pereira, avalia que o texto apresentado trata de pontos que precisavam ser normatizados e que a opinião de diferentes grupos na discussão faz parte da democracia. “Vamos respeitar o trabalho parlamentar, acompanhando com cuidado todas as modificações”, afirma. O promotor de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e membro da comissão de juristas que elaborou os três projetos de lei em questão, Leonardo Bessa, acredita que a essência do texto enviado ao Senado deve ser mantido. “Para evitar surpresas, optamos por enviar uma lei que fosse consenso entre todas as partes. Trabalhamos um ano e meio na confecção do documento, fizemos diversas reuniões com empresas e associações. Por exemplo, por conta do superendividamento nos reunimos três vezes com os bancos para não termos problemas futuros”, explica.

Já o professor de direito da Universidade de Brasília e promotor do MPDFT, Guilherme Fernandes, aponta que a pouca participação das entidades representativas e dos institutos de defesa fez com que essas associações enxergassem com cautela os projetos apresentados. “Os Procons não foram consultados e a comissão que fez as leis é pequena. Depois de prontos, os Procons e as associações perceberam que a oportunidade de atualização está sendo desperdiçada, que não está resolvendo problemas que eles têm no dia a dia”, afirma.

Lacunas

Especialistas afirmam que lacunas nos textos enviados ao Senado contribuem para a preocupação das entidades. O presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil José Vieira Alves, adianta que a entidade vai pedir audiência pública para sugerir emendas que não foram contempladas nos documentos, como por exemplo, os contratos por adesão, melhor esclarecimento do superendividamento e das ações coletivas. Para o professor da UnB Guilherme Fernandes, faltou especificações sobre as penalidades contra as empresas que descumprirem as normas e parâmetros para a adoção da contra-propaganda. Além disso, ele explica que a lei não permite o processo contra a pessoa física. “A pessoa vai criando empresas e essa instituição não tem patrimônio, o Procon não pode agir contra o dono da empresa, isso limita o trabalho”.

Falta participação dos consumidores

O debate para as modificações do Código de Defesa do Consumidor ainda está restrito a especialistas e grupos envolvidos. A população ainda está de fora da discussão e, enquanto isso, segue sem orientação e sem a normatização necessária para situações que vive no dia a dia, como por exemplo, as condições para o superendividamento. É o caso da empregada doméstica Lizângela Melquíades, 32 anos. Ela comprometeu 62% da sua renda familiar com um empréstimo para pagar a construção de sua casa no Itapoã. A nova lei entende que o comprometimento de 30% já é um superendividamento. “Para me manter, estou fazendo faxinas extras”, conta. Mesmo com o dinheiro a mais , 32% da renda ainda continua ocupada com a dívida. “Termino de pagar em novembro, vou dar um tempo na casa para ganhar fôlego”, calcula.

No caso do assessor parlamentar Elias Ferreira Lima, 46 anos, a ausência de legislação específica sobre comércio eletrônico foi motivo de piada da advogada da empresa que ele teve problemas. “A advogada falou que era para eu aceitar o que ela estava me propondo porque não tinha nenhuma lei para o comércio eletrônico e eu sairia perdendo”, contou. Elias comprou um celular para o aniversário da filha em uma loja virtual e o produto nunca chegou. O assessor levou a história para Justiça e conseguiu reaver apenas o dinheiro pago pelo produto sem nenhuma correção.

 

Números do comércio eletrônico

Somente no primeiro semestre de 2012, o comércio eletrônico faturou R$ 10,2 bilhões, o que significa aumento de 21% a mais do que o mesmo período do ano anterior. A estimativa do setor é de R$ 22,5 bilhões de faturamento este ano. Afinal, são 37, 6 milhões de e-consumidores, sendo que 5,6 milhões fizeram sua primeira compra on-line nos seis primeiros meses desse ano.

Opinião: Ricardo Morishita, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas e  ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, entre 2003 e 2010.

“Os projetos apresentados estão tranquilos, bem disciplinados, à luz do Código de Defesa do Consumidor. Não estou sentindo essa polêmica. Houve bastante discussão e ainda há possibilidade para mais debates. A democracia exige paciência, capacidade de ouvir. O cuidado que deve ser tomado é de que o código não perca sua essência. Ele foi feito em uma época que a inflação estava em 2000% ao mês e a nossa economia era instável e mesmo assim a lei passou protegendo as relações de consumo. Vivemos outra época, de tranquilidade econômica, por isso, não acredito que vai haver nenhum retrocesso. Todas as entidades, especialistas e os próprios consumidores vão ficar de olho para manterem seus direitos.”